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Categoria: Igreja Ortodoxa

Mensagem de Natal do Metropolita Nestor de Korsun e Europa Ocidental, Exarca Patriarcal da Europa Ocidental

Amados irmãos no Senhor: bispos, presbíteros, diáconos, reverendos monges e monjas, irmãos e irmãs!

Nesta noite santa de Natal, somos chamados a levantar-nos, ir a Belém e adorar a Deus. Por nós, Ele se despojou, assumiu a condição de servo (Filipenses 2:7) e tornou-se homem.

A quem mais podemos ir? As nossas vidas mudaram tão irreparavelmente! parece que nada há de fiável, estável e verdadeiro…

Recordemos que uma vez o apóstolo Pedro, em nome de todos os discípulos, exclamou: “A quem iremos nós, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna” (João 6:68).

Não há ainda palavras de vida eterna no estábulo de Belém; mas encontraremos lá o próprio Cristo.

Está escuro e frio no estábulo, sente-se o bafo da respiração dos animais. Estão quietos, mastigando a sua palha, e o Menino dormindo, deitado numa manjedoura. Assim foi nas cercanias de Belém. Da consciência disto, da mera contemplação desta imagem, ganham vida nos nossos corações a esperança e a alegria, e começa a reinar paz em nossas almas.

Na Sua última conversação com os discípulos, disse-lhe O Salvador: “Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo” (João 14:27).

É verdade, não é como a dá o mundo… Desde que nos desviemos um pouco para os elementos do mundo, em direção ao círculo exterior que nos rodeia, perdemo-nos. Perdemos a capacidade de ouvir a Cristo. Mas Ele diz-nos: “Não se perturbe o vosso coração, nem se acobarde” (João 14:27).

Que a paz de Cristo esteja convosco, irmãos queridos!

Conheço as vossas obras e as vossas orações, sei quanto fazeis para permanecerdes humanos, para preservar a fraternidade e o amor nas nossas paróquias e comunidades, para acolher aqueles que agora acorrem até nós necessitados de apoio e de consolo.

Que a Natividade de Cristo, esta festa da Luz, nos fortaleça na vida quotidiana, no serviço, na oração. O amor é mais forte do que o ódio, mais forte do que a morte. Deus está connosco e não nos abandonará.

Feliz Natal!

 

† Nestor, Metropolita de Korsun e da Europa Ocidental

Paris, Natal de 2022/2023

Arquimandrita Placide Deseille (1926-2018) – estágios de uma peregrinação

I. Os primeiros estágios (1926-1942)

 Anos de formação

Lembro-me de todos os que contribuíram para a minha educação humana e espiritual com profunda gratidão; a começar pela minha família. Fui formado na escola da grande tradição litúrgica e patrística da Igreja. A minha avó e as minhas duas tias paternas, que muito me influenciaram, tinham como leituras de cabeceira o Livro de Oração Antigo de Dom Cabrol e o Ano Litúrgico de Dom Guéranger, livros que continham textos esplêndidos das antigas liturgias do Ocidente e do Oriente.

Essas três mulheres eram animadas por uma fé viva e uma profunda piedade, desprezando quaisquer devoções sentimentais. Desde muito cedo, souberam dar-me um sentimento e um apreço pela riqueza da Tradição. Elas também amavam a vida monástica e as obras de Dom Marmion; sendo que as grandes abadias de Beuron, Maredsous e Solemnes [1] eram os lugares elevados do seu Cristianismo. Na escola secundária, os meus professores jesuítas – homens de oração e inteligência, de uma grande nobreza de coração – despertaram em mim o amor pela Antiguidade Clássica, pelo cavalheirismo da Idade Média, e também pelo século XVII em França. Eles não se opuseram, de forma alguma, à influência da minha família.

Eu devia ter uns doze anos quando li, numa revista já bastante antiga, um artigo sobre os mosteiros de Meteora, na Tessália, ilustrado com fotografias evocativas. Fiquei profundamente impressionado e senti que, naquelas regiões, existia uma tradição ainda mais venerável, mais autêntica, do que as grandes abadias beneditinas contemporâneas das quais a minha avó sempre me falava. Eu teria apreciado muito tornar-me um monge no Grande Meteora – mas, obviamente, essa era uma esperança impossível. Eu não podia sequer conceber que, um dia, fosse aceite num mosteiro católico, pois parecia-me sublime e inacessível o modo de vida que ali se praticava. Eu esperava por um outro futuro.

A guerra de 1939 e a ocupação alemã alteraram duramente toda a minha vida. Tive a oportunidade de ir muitas vezes à Abadia de Wisques, no Pas-de-Calais. Lá conheci um monge maravilhoso, Dom Pierre Doyere, um ex-oficial naval que tinha entrado nesse mosteiro e que, mais tarde, tornou-se o seu prior. Permaneci sempre muito afeiçoado a ele, assim como ao Padre Abade, Dom Augustin Savaton. Quinze anos depois fui convidado a colaborar com Dom Doyere na edição, para a série Sources Chrétiennes, das obras de Santa Gertrude de Helfta, uma grande mística beneditina do século XIV.

Encantou-me a figura de São Francisco de Assis e as dos seus primeiros companheiros, as quais descobri através das obras de Joergensen [2] e do Fioretti [3]. Contudo, mais tarde, o franciscanismo não exerceu nenhuma atração sobre mim. Visitei algumas abadias beneditinas, em particular a de Solemnes. A esta última voltei com frequência, sendo que ela permaneceu para mim, ao lado da Grande Trappe, como uma espécie de segunda pátria espiritual. No entanto, se por um lado, a vida beneditina me atraía por estar enraizada na tradição, por outro, não satisfazia uma certa necessidade do absoluto, um gosto por uma espécie de rudeza na existência e um primitivismo evangélico, qualidades que encontrei simbolizadas pelos eremitérios franciscanos da Úmbria e pelos mosteiros de Meteora.

Bispo Kallistos Ware – O Escolasticismo e a Ortodoxia: O método teológico como um dos fatores do Cisma

“Uma fé sem milagres não é mais do que um sistema filosófico
e uma Igreja sem milagres não é mais do que uma organização de caridade
como a Cruz Vermelha” (Bispo Nicolau de Ochrid).

 “Entre o final do século XI e o final do XII,
tudo mudou no Ocidente”  (Padre Yves Congar).

 

A desintegração da nossa tradição comum

“As diferenças surgiram da desintegração de uma tradição comum e o problema é encontrar o parentesco original no passado comum”. Foi assim que o falecido Padre Bernard Leeming, ao parafrasear e tornar sua uma afirmação do Arcipreste George Florovskii, resumiu a relação essencial entre ortodoxos e católicos, entre o Oriente grego e o Ocidente latino[1]. É sob essa perspetiva que podemos abordar, de forma muito apropriada, a questão da “Ortodoxia e o Ocidente”, colocada de forma tão desafiadora pelo Dr. Yannaras no seu artigo original [2] e agora retomada pelo Sr. Bonner na sua resposta cuidadosamente argumentada: “O Cristianismo e a Cosmovisão Moderna”.

Bispo Athenagoras Peckstadt – Casamento, divórcio e novo casamento na Igreja Ortodoxa

Economia e Orientação Pastoral por Dom Athenagoras (Peckstadt) de Sinope [1]

Congresso Internacional – Universidade Católica de Leuven (18-20 de abril de 2005)

  1. INTRODUÇÃO

Muitas vezes, as pessoas perguntam-se qual é a posição da Ortodoxia sobre o casamento. A resposta a essa indagação deve ser procurada no ensino Ortodoxo a respeito do mistério – ou sacramento – do matrimónio. Sabemos que também a Igreja Católica Romana considera o matrimónio como um sacramento. Há aqui, porém, uma diferença muito importante a ser esclarecida. Em primeiro lugar, a Igreja Católica Romana considera que a noiva e o noivo executam, por si próprios, o matrimónio, aquando dos seus votos um para o outro. Já na Igreja Ortodoxa, é o sacerdote ou o bispo que consagra o casamento, que invoca a Deus em nome da comunidade e pede que o Espírito Santo seja enviado (epiclesis) sobre o homem e a mulher e assim os faça “uma só carne“. Além disso, o matrimónio é, para a Igreja Ortodoxa, muito mais um caminho espiritual, uma busca de Deus, o mistério da unidade e do amor, o retrato preparatório do Reino de Deus, do que uma necessidade de reprodução.

  1. O CASAMENTO CRISTÃO: MISTÉRIO – SACRAMENTO [2]

O matrimónio é um mistério  – ou sacramento – que foi instituído com a bênção de Deus durante a criação. O povo escolhido entendeu-o, então, como um mistério que teve o seu início aquando da criação divina. Tal foi confirmado por Cristo, quando disse: “Mas no princípio da criação Deus ‘fê-los homem e mulher’. ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois tornar-se-ão uma só carne” (Mc 10:6-8).

De acordo com as Sagradas Escrituras, o casamento é construído sobre:

a) a distinção, aquando da criação do ser humano, entre homem e mulher (“E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” – Gn:1,27);

b) a criação da mulher a partir da costela de Adão (Gn 2:21-24);

c) a bênção de Deus sobre os primeiros seres humanos criados com as palavras: “Frutificai e multiplicai-vos” (Gn 1:27-28).

Esses três elementos fazem do casamento uma praxis espiritual por excelência, não só devido à simples aliança entre duas pessoas, mas, especialmente, devido ao facto de ser uma expressão da vontade de Deus. O pacto natural do matrimónio torna-se, assim, uma aliança divina, daí o seu caráter plenamente místico, o qual a Igreja enfatiza. O principal e, portanto, o elemento essencial do matrimónio é a união de cada pessoa com uma única pessoa do sexo oposto. Embora nem sempre observado na prática, esse elemento do matrimónio – uma única pessoa – mantém-se mesmo depois da queda dos primeiros seres humanos criados no Antigo Testamento [3], tendo sido confirmado pelo ensinamento de Cristo sobre o casamento, por assumir uma semelhança com a relação entre Deus e o povo escolhido.

As características da Igreja Ortodoxa

AS ORIGENS DA IGREJA ORTODOXA

Jesus Cristo fundou a Sua Igreja através dos Apóstolos. Através da graça recebida de Deus no Pentecostes, os Apóstolos estabeleceram a Igreja por todo o mundo antigo. São Paulo fundou a Igreja de Antioquia; São Pedro e São Tiago, a Igreja de Jerusalém; Santo André, a Igreja de Constantinopla; São Marcos, a Igreja de Alexandria; São Pedro e São Paulo, a Igreja de Roma.

A Igreja Romana (ou Ocidental) separou-se da Verdadeira Igreja no ano de 1054, após alterar o Credo (o hino de Fé da Igreja) e erradamente afirmar a supremacia do Bispo de Roma (o Papa) sobre os outros bispos.

Afastando-se ainda mais das suas origens, a igreja Ocidental foi depois despedaçada numa miríade de seitas pela Reforma Protestante (hoje acompanhada por outras incontáveis recém-criadas “igrejas”, a maioria afirmando ser “baseada na Bíblia”). No entanto, na Grécia, Rússia, nos Balcãs, no Médio Oriente, e noutros lugares, a verdadeira Igreja Apostólica continuou a florescer, preservando a Fé de Cristo pura e inalterada. Hoje, esta Igreja é conhecida como a Igreja Ortodoxa de Leste (ou por vários nomes nacionais, tais como “Ortodoxa Russa”). É o refúgio para aqueles em procura da Verdade que é Cristo.

A ENCÍCLICA PATRIARCAL DE 1848

Em 6 de janeiro de 1848, o Papa Pio IX enviou uma encíclica “aos cristãos do Oriente”, os Uniatas, a fim de os encorajar e felicitar “por terem regressado à comunhão católica da Igreja única de Jesus Cristo (…), enquanto tantos outros dos seus compatriotas erraram até o presente, fora do redil de Jesus Cristo”, e a todos os outros, ortodoxos, coptas, arménios e nestorianos, a fim de os “exortar” e suplicar para “voltarem, sem muito divergir, à comunhão desta Santa Sé de Pedro, que é o fundamento da verdadeira Igreja de Jesus Cristo”. Ao longo da encíclica, todas as divergências propriamente teológicas entre Roma e os ortodoxos foram negadas, para além do único problema do primado. Este, pelo contrário, foi mencionado nos termos anunciados pelas definições doutrinárias de 1870. Eis algumas passagens características:

“Nosso Senhor Jesus Cristo, o autor da salvação dos homens, colocou em Pedro, o chefe dos Apóstolos, ao qual deu as chaves do Reino dos Céus (Mt 16:18-19), o fundamento da Sua única Igreja, sobre a qual as portas do inferno não prevalecerão. Além disso, orou para que a Sua fé não desfalecesse, acrescentando o mandamento de que ele fortalecesse os seus irmãos na fé (Lc 22:31-32). Por fim, encarregou-o de apascentar as suas ovelhas (Jo 2:15 ss) e, por consequência, confiou-lhe toda a Igreja, que consiste nas verdadeiras ovelhas e cordeiros de Jesus Cristo. Todas essas prerrogativas são devidas aos Soberanos Pontífices de Roma, sucessores de Pedro; porque, depois de Pedro, a Igreja não pode ser privada do fundamento sobre a qual, erguida por Jesus Cristo, deve permanecer até o fim dos séculos. Por isso, Santo Irineu, discípulo de Policarpo (que tinha escutado o apóstolo João), depois, Bispo de Lyon (…) ao querer referir, contra os hereges do seu século, a doutrina dos Apóstolos, julgou inútil enumerar a sucessão de todas as Igrejas que tiveram a sua origem nos Apóstolos, assegurando que basta citar, contra eles, a doutrina da Igreja romana: “É necessário que toda a Igreja, ou seja, que todos os fiéis, de todo o Universo, estejam de acordo com a Igreja de Roma, devido à sua preeminência, onde, para tudo o que crêem os fiéis, foi conservada a tradição transmitida pelos Apóstolos (Contr. Haer. I, III, 3) (…) os Bispos de Roma obtiveram o primeiro lugar nos Concílios e, sobretudo, antes e depois dos Concílios (…)

Essa encíclica papal teve a sua resposta através de uma encíclica patriarcal dirigida, nesse mesmo ano de 1848, a todos os ortodoxos, pelos Patriarcas de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Eis os principais excertos desse importante documento doutrinário:

ENCÍCLICA DA SANTA IGREJA, UNA, CATÓLICA E APOSTÓLICA
AOS CRISTÃOS ORTODOXOS DE TODOS OS PAÍSES

A todos os nossos queridos e amados irmãos no Espírito Santo, os veneráveis Bispos, ao seu piedoso Clero e a todos os ortodoxos, filhos verdadeiros da Santa Igreja, Una, Católica e Apostólica, saudações fraternas no Espírito Santo e a bênção divina!

Frederica Mathewes-Green: Porquê os homens gostam da Igreja Ortodoxa

Num tempo como o nosso, onde encontramos todo o tipo de “igrejas” a desvalorizar os homens, estes voltam-se para o Cristianismo Ortodoxo, se não em elevadas, porém em intrigantes proporções. Dentre os três ramos do Cristianismo, este é o único que atrai, para a conversão, homens e mulheres, em igual número. Leon Podle, autor da obra The Church Impotent, escreveu: “Os ortodoxos são os únicos cristãos que usam basso profondo como música sacra ou precisam fazê-lo”.

Ao invés de tentar adivinhar a razão disso, enviei diversos e-mails para centenas de homens ortodoxos, os quais, na sua maioria, converteram-se já na idade adulta. Perguntei-lhes o que, na prática, torna a Igreja Ortodoxa tão atrativa. As respostas, a seguir apresentadas, podem contradizer as ideias de muitos líderes religiosos, os quais se utilizam das mais diversas formas para manter os rapazes dentro das suas “igrejas”.

DESAFIO

Este foi o termo mais comum que encontrei nas respostas. O Cristianismo Ortodoxo é ativo e não passivo. É a única forma de Cristianismo na qual a pessoa é desafiada a adaptar-se a ele e não adaptá-lo a si próprio. Quanto mais a pessoa se encontra comprometida, mais ela se sente satisfeita.

Pe. John Meyendorff – São Pedro e sua “primazia” na Teologia Bizantina

Durante a Idade Média, tanto o Ocidente cristão quanto o Oriente produziram uma abundante literatura sobre São Pedro e sua sucessão. Eles geralmente tiravam do mesmo registro escriturístico e patrístico de textos. No entanto, esses textos, isolados primeiramente vez e depois reagrupados artificialmente por polemistas, só podem recuperar seu significado real se os considerarmos em uma perspectiva histórica e, mais especialmente, no contexto de uma eclesiologia consistente e equilibrada. É esse trabalho de “resourcement” e integração que o pensamento ecumênico enfrenta hoje para alcançar qualquer resultado concreto. Vamos tentar aqui, em um breve estudo dos textos bizantinos sobre São Pedro, descobrir se podemos discernir elementos permanentes de uma eclesiologia na atitude dos bizantinos em relação aos textos do Novo Testamento sobre Pedro, em relação à tradição no ministério específico do “Coryphaeus“, como Pedro é freqüentemente chamado em textos bizantinos, e finalmente em relação à concepção romana de sua sucessão.

Em nosso trabalho, nos limitaremos à literatura medieval subsequente ao cisma entre o Oriente e o Ocidente. À primeira vista, tal período de tempo, quando as posições já estavam claramente definidas, pode parecer desfavorável para o nosso propósito. Não estavam as mentes dos escritores então envolvidos em um conflito estéril? Eles ainda eram capazes de uma interpretação objetiva das Escrituras e da Tradição? Eles realmente contribuíram para uma solução real do problema de Petrino?