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Vocabulário ortodoxo

Vocabulário teológico ortodoxo

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A

Absolvição.

Ao término de uma confissão, o padre dá a absolvição, que significa o perdão (a remissão) dos pecados confessados, ele põe a estola sobre a cabeça do fiel ajoelhado e lhe diz:

Tudo o que disseste à minha humilde pessoa e tudo o que deixaste de dizer, por ignorância ou por esquecimento, ou o que quer que seja, que Deus te perdoe neste mundo e no outro, (…) Não tenha mais ansiedade, vá em paz.

No rito eslavo, a passagem essencial é a seguinte:

Tu, Senhor, tenha hoje misericórdia de teu servo N dá-lhe uma forma de arrepender-se, o perdão e a remissão dos pecados voluntários e involuntários, reconcilia-o e una-o à Tua Santa Igreja em Jesus Cristo Nosso Senhor.

A fórmula de absolvição mais freqüentemente utilizada hoje em dia na Ortodoxia eslava, bem como na portuguesa/brasileira e provavelmente em outras, é a seguinte:

Que Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo te perdoe e te absolva meu filho de todos os teus pecados e eu Padre… presbítero indigno, pelos poderes que me foram concedidos te perdôo e te absolvo de todos os teus pecados. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

A segunda frase desta fórmula, apareceu na Rússia no século 16, sob a influência do Ocidente.

Assim, é o Cristo, invisivelmente presente para receber a confissão, que perdoa; e o padre é apenas a testemunha que ao invocar o Espírito Santo, perdoa em nome do Senhor Deus.

Cada uma das diversas fórmulas em uso, sublinha que se trata de uma súplica do padre para o perdão do fiel. É sempre Deus quem perdoa.

Ação de Graças (1 Tessalonicenses 5:16-18).

Agradeçamos pelos bens recebidos. A oração cristã é louvor, adoração, súplica, mas sobretudo ação de graças. São Paulo recomenda a prática constante:

Em tudo dai graças porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. (1 Tes. 5:18).

Lembramos que a palavra Eucaristia* significa “ação de graças.” Ao longo da liturgia eucarística, nos é lembrado que o Senhor na hora da Ceia, “deu graças” antes de partir o pão. O padre e os fiéis cada qual em seu lugar, dão graças também a Deus e exprimem seu reconhecimento pela criação e salvação do mundo.

 

Advento.

            A festa de Natal, a Natividade segundo a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo a 7 de Janeiro (25 de Dezembro) é precedida, como a da Páscoa de uma Quaresma de quarenta dias, que começa a 28 de Novembro (15 de Novembro). Este período é chamado de Advento (que significa “vinda”), uma vez que ela precede a vinda do Messias, o nascimento do Senhor.

 

Altar.

Nas religiões pagãs, o altar era o centro do culto sacrificial. Depositava-se aí as oferendas,* um fogo ali era aceso para consumir o holocausto.* O que não era totalmente consumido era dado aos fiéis, que, em comendo-o pensavam participar da vida divina.

O Antigo Testamento testemunha da edificação pelo povo de Israel de numerosos altares ao Senhor para ali oferecer sacrifícios ou comemorar os lugares onde Deus havia-se manifestado (Gên. 12, 7-8; 33:20; 35:1-7, etc.). A narração nos conta de altares pagãos demolidos e de ídolos de madeira que serviam para acender o fogo para o holocausto sobre os novos altares ao Deus verdadeiro. Certos profetas entretanto se levantaram contra sua multiplicação e seu mau uso (Amós 2:8). Mas após a construção do Templo de Jerusalém, o centro do culto e dos ritos tornou-se o altar dos holocaustos desse Templo, e passou a simbolizar daí em diante a presença de Deus nesse lugar.

Para os cristãos, o significado do altar — ou Mesa Santa — colocado dentro dos santuários da Igreja, é outro. É o lugar onde se desenrola o sacrifício eucarístico de tal forma que este torna presente e atual o sacrifício de Nosso Senhor. Representa também a Cruz onde Ele foi sacrificado e o Túmulo de onde Ele ressuscitou. O pão e o vinho do sacrifício eucarístico são oferecidos sobre o altar representando o Corpo e o Sangue de Cristo (veja Liturgia,* Eucaristia,* Epiclese,* Oferenda*).

Para lembrar o sacrifício único do Cristo, coloca-se sempre sobre o altar uma cruz, e, durante a liturgia, desdobra-se ali um linho o qual representa a entrada no túmulo do Senhor (o antimênsio). Além da Cruz, do antimênsio, dos Santos Dons e dos Santos óleos, não se coloca nada permanente no altar que não seja o Evangelho e os círios.

Diversos textos do Novo Testamento nos fazem compreender que o Cristo que se oferece em sacrifício é Ele mesmo o altar e o sumo sacerdote sacrificador (Heb. 13:10, 1 Cor. 19:16-21). O altar é portanto o lugar e o símbolo de nossa salvação.

 

Ámen.

            Palavra que deriva do hebraico e que significa: “assim é.” Implica em firmeza, segurança, solidez. Dizer “Ámen” significa que tomamos como verdadeiro aquilo que acabou de ser dito. Exprime uma certeza, um “sim” pleno de fé e de segurança, uma concordância e um compromisso.

 

Anáfora.

            Deriva de duas palavras gregas: ANô = em cima e FERO = segurar. Significa “oferenda,” “oblação.” Toda a Liturgia Eucarística é oferenda, louvação, ação de graças, e o momento central da celebração leva o nome de anáfora.

Após a récita do símbolo de fé, o Credo, o presbítero diz: “Estejamos atentos, para oferecermos em paz a Santa Oblação.” E diz: “Corações ao Alto!” (1 Reis 7:3). Todos respondem: “Nós os elevamos ao Senhor!” é pedido a todos: “De pé, com atenção, respeito e amor, para oferecermos em paz a Santa Oblação!”

O celebrante, após o Canto do “Santo, Santo, Santo…” procede à rememoração da última Ceia do Senhor com seus discípulos — A Santa Ceia — e dos grandes mistérios realizados pelo Senhor: a Cruz, o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, o trono à direita do Pai, a segunda e gloriosa Vinda. Ele ainda acrescenta ao elevar a patena e o cálice: “Aquilo que é Teu, recebendo-o de Ti, nós Te oferecemos por todos e por tudo.” Ele oferece à Deus o pão e o vinho em anamnése de reconhecimento da vinda do Filho. A seguir vem a invocação do Espírito Santo sobre nós e sobre os dons oferecidos — ou Epiclesis — pela qual os dons tornam Sangue e Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Anamnése.

De uma palavra grega que significa “ação de chamar ou trazer à memória.” Durante a Liturgia Eucarística (Liturgia dos Fiéis), o presbítero traz à memória da assembléia a obra salvífica que Deus realizou por nós, particularmente a instituição da Santa Ceia:

Tomai e comei, isto é o meu corpo, partido por vós, para a remissão dos pecados, bebei todos vós, este é o meu sangue, da nova aliança, derramado por vós e por muitos, para a remissão dos pecados.

A oração da anamnése desenvolve o tema da presença do Senhor (Mat. 28:20) e relembra suas palavras. Não se trata de lembrar acontecimentos passados ao anunciar aqueles por vir, mas sim de testemunhar que eles estão vivos na memória de Deus e o eterno presente do “tempo” da Igreja, que é encontro entre tempo histórico e eternidade e que tudo recapitula. Nós nos “lembramos” da Cruz, da Ressurreição, da Ascensão, assim como lembramo-nos “da segunda e gloriosa vinda,” ainda a acontecer.

A anamnése significa um relembrar mútuo: Deus lembra-se do homem e o homem lembra-se de Deus.

 

Anjos.

Anjo é a tradução da palavra “aggelos” (pronuncia-se ângelos) e que significa “mensageiro.” A Epístola dos Hebreus (Heb. 1:14) confirma: “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação;” Sobre o ícone da Anunciação o anjo Gabriel, por exemplo, é geralmente representado como um mensageiro viril onde toda a postura manifesta a força e o movimento de Deus em direção aos homens.

Invisíveis a nossos olhos, os anjos são incorpóreos, embora criaturas de Deus. Eles são inumeráveis e se dividem dentro de uma hierarquia misteriosa: serafins, querubins, trones, dominações, virtudes, potestades, principados, arcanjos e anjos. Eles são divididos em”milícias” ou “coros,” e uma vez que se chama os arcanjos Miguel e Gabriel os chefes dos Exércitos, trata-se aqui das milícias celestes.

A noção escrituraria de que os anjos louvam perpetuamente Deus (Isa. 6:3; Luc. 2:13) se exprime na liturgia ortodoxa, sobretudo nos cânones eucarísticos que convidam os fiéis a se juntarem ao coro dos anjos (ver Santo, Santo, Santo*).

Os anjos formam ao nosso redor “uma barreira protetora de intercessão” (festa dos arcanjos: em 21 de Novembro (8 de Novembro). O fiel ortodoxo invoca a oração dos anjos, suas intercessões e particularmente de seu anjo da guarda.

Ver também Querubins e Serafins.

 

Ano Litúrgico.

            O ano litúrgico a exemplo do ano civil, compreende um período de doze meses, contudo ele é marcado por um sentimento bastante diferente, uma vez que está ligado fundamentalmente aos fatos mais importantes da vida do Senhor. Devido à razões históricas muito longas para se explicar aqui, o ano litúrgico começa no dia 14 de Setembro (12 de Setembro). Ele comporta ciclos diferentes, como o das festas fixas (isto é, que acontecem sempre na mesma data: Anunciação, Natal, Batismo de Cristo, Dormição, etc.) e o ciclo de festas móveis (em função da festa da Páscoa cuja, data varia de ano para ano) que se interpõem, o que explica a complexidade de ofícios que são celebrados a cada dia de cada ano de graça do Senhor.” …a anunciar o ano aceitável do Senhor” (Luc. 4:19).

 

Apócrifo.

Literalmente significa:” o que é mantido secreto.” Entre o conjunto dos escritos cristãos que datam dos primeiros séculos de nossa era, distingue-se uma parte deles que constitui hoje os livros canônicos do Novo Testamento (os quatro Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de São Paulo, as Epístolas Católicas e o Apocalipse) e uma outra parte de textos diversos que não foram canonizados pela Igreja pelas mais diferentes razões, em particular, porque não são obras dos Apóstolos ou de seus seguidores imediatos. De fato, na época em que as palavras do Senhor, as tradições orais e os Sermões dos Apóstolos começaram a ser registrados por escrito, difundiram-se tradições verdadeiras e falsas.

Existem assim textos que se apresentam de forma análoga àqueles do Novo Testamento, alguns não devem ser rejeitados totalmente, mas outros parecem não ser autênticos e mesmo suspeitos à Igreja, que com sabedoria e prudência os rejeitou. Reserva-se a todos esses textos mais ou menos duvidosos, apresentados no mais das vezes como “secretos,” o termo apócrifo, que significa então: “textos não inseridos no Cânone das Escrituras.”

No que diz respeito a certos textos do Antigo Testamento, chamados por vezes “deuterocanônicos” e por vezes “apócrifos,” veja a lista dos livros que compõem a Bíblia.*

 

Apofático.

            Veja Transcendente.*

 

Apoftegma.

            Veja Santo.*

 

Apósticos.

            Série de estiquérios (stikeron) cantados ao fim das vésperas e das matinas (nas matinas da semana apenas). Esses estiquérios se intercalam entre os versículos dos Salmos de acordo com os dias: semana, domingo ou festas.

 

Arca da Aliança.

É no livro do êxodo que encontramos a narração da construção da Arca da Aliança. De fato, Deus ordenara a Moisés que construísse uma arca para guardar as Tábuas da Lei (Êx. 25:10), sinal da Aliança de Deus com os homens. É a Arca da Aliança — ou do Testemunho. A Arca, um cofre chapeado de ouro puro, recoberto por uma chapa de ouro o propiciatório* — e encimada por dois querubins esculpidos, também em ouro maciço, foi a princípio colocada na Morada, ou seja na Tenda de Reunião, ou Tabernáculo (Êx. 40) que acompanhou o povo judeu de etapa em etapa pelo seu longo êxodo do Egito à Terra Prometida, a Terra de Canaã:

“Então a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo” (Êx. 40:34).

O santuário móvel manifestava a presença de Deus no meio do seu povo, era Sua Morada, o lugar de Sua Palavra, e testemunha de sua Aliança com Israel. Representava a Glória. e a Força de Deus dadas a Seu povo, por este motivo era cercada de veneração e acompanhada de cantos marciais.

Mais de dois séculos mais tarde, David trouxe a Arca Santa para Jerusalém, no meio de júbilo de todo o povo (2 Reis 6:12-19). Foi seu filho Salomão quem a instalou em seguida no Templo* (1 Reis 8).

 

* * *

A idéia da aliança entre Deus e os homens é central na Bíblia e em tempo algum foi afastada. Após a criação do mundo as alianças entre Deus e os homens se sucederam. Pode-se distinguir três grandes períodos no desenvolvimento das alianças antes da vinda de Cristo:

 

  1. Bem antes de Moisés, Deus firmou uma aliança com Noé, ordenando-o a construir uma grande arca (Gên. 6:14) e na qual ele entraria com sua família e com casais de todos os animais para serem salvos do dilúvio. Tratava-se de qualquer forma, de uma aliança da qual participava toda a natureza, uma vez que Deus havia dito a Noé:

“E eu, eis que estabeleço o meu concerto convosco e com a vossa semente depois de vós” (Gên. 9:9).

“O meu arco tenho posto na nuvem, este será por sinal do concerto entre mim e a terra” (Gên. 9:13).

 

  1. A aliança estabelecida em seguida com Abraão (Gên. 17:1-14) era dupla: uma herança e uma posteridade inumerável; Era portanto em um determinado povo que Deus Se escolhia.

 

  1. Enfim, a promessa feita a Moisés (da qual falamos anteriormente a propósito da Arca da Aliança), ela dava uma Lei àquele povo; as prescrições para ajudá-lo a seguir os caminhos de Deus. E o povo ao aceitar a Lei se entregava a Deus. A fidelidade de Deus manifestava Sua Aliança com Seu povo.

 

Foi Cristo, que concluiu com toda a humanidade a Nova Aliança, que para nós engloba a Antiga. O Verbo de Deus, Sua palavra, “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória,” como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e da verdade (Jo 1:14). Ele nos dá a conhecer Sua Lei de amor, o Cristo é nosso verdadeiro guia e nosso Salvador, o Templo eterno. N’Ele — Deus e Homem — Deus uniu-se ao homem e fez uma aliança com ele.

 

Ascese.

Ascese significa “exercício,” “combate.” Para os cristãos, trata-se do combate que deverá ser travado para fazer brilhar de novo em nós a imagem de Deus embaraçada pelo pecado. Nos aspiramos, no mais profundo de nós mesmos, reencontrar tal luz, sem ter sempre consciência disso.

No plano humano:

Todos sabem que não se pode atingir um bom nível no esporte, na música, em uma atividade por exemplo, sem se sujeitar à uma preparação por vezes dura e fatigante. Nós nos submetemos voluntariamente aos exercícios necessários uma vez que desejamos atingir um certo resultado. Pois isto é a ascese.

Como o homem é composto de uma alma e de um corpo, os dois devem participar juntos do combate para a nossa salvação. Assim os meios — as armas, pode-se dizer -que serão utilizados porão em atividade tanto a alma como o corpo. Quais serão essas armas; A oração, o arrependimento, o jejum, a esmola; em resumo, a busca da humildade e a observância dos mandamentos da Igreja e seus sacramentos. E nossos inimigos; São o que se chama “as paixões,” ou seja, tudo o que nos divide, nos afasta de Deus e dos outros, como a falta de amor, a cobiça, a inveja, o ciúme, o orgulho, a preguiça, o desânimo.

No Plano Divino:

Este combate enfrentado pelo homem, esta ascese, constitui de qualquer forma nossa participação na obra salvífica de Deus. Devemos certamente utilizar as “armas” mencionadas acima, mas sem jamais esquecer que essas armas — a oração, a penitência — são dons de Deus e que sem a graça divina não somos capazes de nada. As ações humanas “se não são feitas em nome do Cristo, mesmo sendo boas, não poderão ainda assim proporcionar a recompensa pela vida do século a vir” (V. Lossky, Teologia mística da Igreja do Oriente, Paris, Aubier, 1944, p. 194). Todos os ofícios da Quaresma, entre outros, nos lembram com insistência que as ações ascéticas podem ser estéreis e mesmo nefastas, se não são o resultado de nossa vontade individual, de nosso conformismo. Lembremo-nos do fariseu (Luc. 18:9-14).

“A alma deve perceber a que ponto, só ela está sem forças. Não esperando nada de você, proste-se diante de Deus, reconheça dentro de seu coração que você não é nada. Assim a graça toda poderosa criará todas as outras desse nada (…) Assim, esperando tudo de Deus e nada de você, nos devemos entretanto nos obrigar a agir, a fim de criar em nós alguma coisa à qual Deus possa vir em socorro e que a força divina possa finalmente penetrar. (Higumeno Charitons, L’Art de Ia Priére, Abadia de Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, coleçao “Spiritualité Orientale,” nº 18, 1976, p. 186).

Assim não esqueçamos que a graça “é a alma do combate e que a verdadeira vida cristã é a vida da graça” (Id., p. 187).

A meta verdadeira da ascese, no fim das contas, não é outra que nos liberar do peso, esta “graxa espiritual,” esta “densidade que o mal faz contrair a inteligência” (Evagro o Pôntico, citado por O. Clement em Sources, Paris, Stock, 1982, p. 118) e nos abrir para a graça de Deus.

A ascese não é pois alguma coisa reservada aos monges, não é tão pouco um conjunto de exercícios inacessíveis, estranhos e desagradáveis, como a palavra pode fazer crer. A verdadeira ascese constitui um vigoroso combate cotidiano contra o mal, ou antes contra o maligno, que nos destrói. Sem combate e sem a ajuda de Deus, não há vitória.

 

Astrologia.

De acordo com suas raízes, esta palavra significa “ciência dos astros.” Trata-se de um método que afirma prognosticar os acontecimentos futuros e revelar aqueles do passado, segundo a posição e movimento dos astros, planetas e constelação de estrelas. Os astrólogos são aqueles que se dedicam a tal estudo.

Devemos estar muito atentos, pois deve-se saber distinguir os impostores dos estudiosos.

É inútil falar longamente daqueles que exploram a credulidade humana por meio de horóscopos, amuletos e de outros terríveis e ridículos modos. Basta abrir um jornal para percebermos o perigo que representa tal charlatanismo.

Além do que as Escrituras nos advertem de nos defender dessas falsas ciências ainda tão em moda hoje em dia (Lev. 19:23; Deu. 18:10-14; Mal. 3:5; Ato. 16:16-19; Efe. 6:12).

Desta forma como compreender o que lemos no Evangelho em relação aos Magos vindos do Oriente à Jerusalém, perguntando: “Onde está o recém-nascido Rei dos Judeus; Porque vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para adorá-lo” (Mat. 2:2). E cantamos no Natal:

Teu nascimento, o Cristo nosso Deus,

Fez resplandecer no mundo

A luz do conhecimento

Nela os servidores dos astros,

Guiados pela estrela,

Aprendem a Te adorar,

A Ti, Sol de Justiça

E a Te conhecer, Oriente das alturas

Senhor, glória à Ti!

 

Para Constantino Andronokoff (“O Sentido das Festas,” Paris, Cerf, 1970, p 138 e seguintes) a palavra magos “significa que eles eram sábios, talvez sacerdotes, como certos membros do conselho secreto do Rei da Pérsia, de qualquer modo eram médicos e astrólogos.” Eles vieram “ajudados por seu ofício, a luz que os conduziu sem desvio à pedra que os construtores haviam rejeitado. Em suma, não importa qual tenha sido o caminho, vir a reconhecer ou encontrar a verdade é uma prova de bom êxito.”

Eles se inclinaram diante d’Aquele que veio “submeter a ciência das palavras e dos números, à nova ciência do AMOR.” Eles compreenderam porque “ao fim de sua viagem intelectual e espiritual eles foram dignos de receber a Luz. Assim eles vêem sob os traços de um pequeno ser recém-nascido, o Messias que é a inteligência suprema.” Suas oferendas — ouro, incenso e mirra — representam, nos diz o autor deste interessante texto, a sabedoria antiga, o paganismo e a ciência aos pés da Verdade. “Assim, o sol os ilumina, quando eles se voltam para ela, aqueles que estudam os enigmas do céu e da terra na busca de tal esclarecimento sobre a essência dada ao primeiro Adão e que o Novo veio restituir.”

Os Magos preparados para um trabalho científico, orientados pela crença, ultrapassaram a especulação e se tornaram simples. “Assim sua vida espiritual se torna clara, longamente exercitada pela atividade de sua observação intelectual: eles sondaram a noite e encontraram as estrelas; Eles viram o Sol da verdade.”

Assim, nesses “servidores dos astros,” pureza de coração, fé e transparência se uniram à ciência para servir a Deus e aos homens e divulgar o Cristo às nações. Estamos bastante distante de espíritas e feiticeiros…

 

B

Batismo.

Esta palavra vem do verbo grego “baptizein,” que significa mergulhar, imergir, lavar. Quando os antigos gregos diziam que haviam batizado um navio inimigo, eles queriam dizer que o haviam afundado. Desta forma encontra-se as designações que visam o mesmo significado em todos os Padres da Igreja, por exemplo, Nicolas CabasiIas, diz em seu capítulo sobre o batismo, no livro “Vida em Cristo”: banho, purificação, regeneração, imersão “A água destrói uma forma de vida e produz uma outra, ela imergi o velho homem e faz emergir o homem novo.”

Ver também Catecúmeno.

 

  1. Bíblia.

Lista dos “Livros” que compõem a Bíblia:

 

  1. Antigo Testamento

A ordem e a lista dos livros bíblicos se apresentam diferentemente na Bíblia hebraica, na Bíblia grega dita dos Setenta* e na Vulgata latina.

O Cânon* cristão é um cânon em três partes. Os livros são aí agrupados de forma diferente que no cânon judeu e alguns lhe foram acrescidos.

 

Primeira parte: a Lei

O Pentateuco (do grego penta: cinco) é atribuído à Moisés, ele corresponde ao Torah ou Lei. Esses livros possuem os seguintes títulos! Gênesis, Êxodo, Levítico, Número e Deutoronômio.

 

Segunda parte: os Livros Históricos

São os livros que tratam da historia após a instalação na Terra Prometida*: Josué, Juízes, Rute, Samuel (primeiro e segundo livros), os livros dos Reis, Crônicas (primeiro e segundo livros), os livros de Esdras, Neemias, Judite, Ester, Macabeus (primeiro e segundo livros).

 

Terceira parte:

  1. a) os livros didáticos: Jó, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes (Qohélet), o Cântico dos Cânticos, a Sabedoria de Salomão, o Eclesiástico (Sirac);
  2. b) os livros proféticos:

os quatro grandes piruetas Isaías, Jeremias (seguido das lamentações, do livro de Baruch e da Epístola de Jeremias), Ezequiel, Daniel;

os pequenos profetas Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Mabacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

A Bíblia eslavônica comporta um terceiro livro de Esdras.

 

* * *

Certas passagens foram acrescidas na Bíblia Cristã a alguns livros e que não estão contidos na Bíblia hebraica. São eles:

no livro de Ester, capítulo 10, versículo 4: capítulo 16, versículo 4:

no livro de Daniel, capítulo 3, versículos 24 à 90; capítulos 13 e 14:

no livro de Jó, fim do capítulo 40, versículo 18 e seguintes.

 

Para a Igreja Católica: os textos mencionados são chamados de deuterocanônicos Isto significa que eles entraram no cânone numa segunda fase. Eles possuem contudo a mesma autoridade doutrinal que os outros livros.

Para as Igrejas da Reforma: essas Igrejas os rejeitam e os qualificam de apócrifos.* As edições protestantes não contêm geralmente os seguintes livros: Tobias, Judite, Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruch.

Para a Igreja Ortodoxa: uma posição oficial não foi tomada, os textos mencionados acima não são considerados como tendo o mesmo grau de inspiração, mas são conservados. São os “não canônicos.”

Houveram numerosos apócrifos em volta da Bíblia, nos séculos II e I antes de Jesus Cristo e nos séculos I e II de nossa era a respeito dos assuntos bíblicos do Antigo (e do Novo) Testamento.

Ver também Setenta.

 

  1. Novo Testamento
  2. a) Os quatro Evangelhos*: Mateus, Marcos, Lucas e João.
  3. b) Os Atos dos Apóstolos*.
  4. c) As Epístolas de São Paulo: Romanos, primeira e segunda aos Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, primeira e segunda aos Tessalonicenses, primeira e segunda a Timóteo, Tito, Filémon, Hebreus.
  5. d) As Epístolas ditas católicas: Tiago, primeira e segunda de Pedro, primeira, segunda e terceira de João, Judas.
  6. e) Enfim o Apocalipse (Livro da Revelação).

 

Bibliografia Para o Tempo de Quaresma.

“Triode”: Livro Litürgico próprio para os tempos de Quaresma. Ele contém os hinos, odes e cânones* assim como as leituras bíblicas para cada dia, começando no Domingo do Fariseu e do Publicano — quatro domingos antes do início da Quaresma — para terminar nas vésperas do Sábado Santo. (Publicado pelo Colégio Grego de Roma, Via dei Babuino, 149, 00187 Roma).

“Cânone de Santo André de Creta”: Este cânone penitencial, composto de nove odes, é lido nas grandes completas ao anoitecer dos quatro primeiros dias da Quaresma (uma parte de cada vez) e inteiro na noite de quinta-feira da quinta semana da Quaresma. (Publicado pela Fraternidade Ortodoxa na Europa Ocidental).

Ao longo dos ofícios cotidianos da Quaresma, lê-se nos mosteiros duas vezes o conjunto do Saltério, e em leitura contínua: o Gênesis, Isaías e os Provérbios. Os fiéis das paróquias aproveitam com freqüência o período da Quaresma para ler ou reler um dos livros do Antigo Testamento além dos Evangelhos e dos Salmos.

A “Oração de Santo Efrém” é a oração de Quaresma por excelência. Ela é dita ao final de cada ofício de Quaresma de segunda à sexta-feira, e pelos fiéis ao longo de suas orações cotidianas.

Ver também “Triode.”

Livros Recomendados

A Grande Quaresma, Pe. Alexandre Schmemann, Coleção “Esprititual idade Oriental,” nº 13, 1974 (Obs. já traduzido para o português em nossa Paróquia).

O Mistério Pascal, Pe. Alexandre Schmemann e 0livier Clement, coleção “Espiritualidade Oriental,” nº 16, 1975. (Obs. já traduzido para o português em nossa Paróquia).

A Escada Santa de São João Clímaco (tradução do Pe. Placide Deseille), coleção “Espiritualidade Oriental,” nº 24, 1978.

Essas três obras são publicadas pela Abadia de Bei Ia Fontaine, Bégrolles – en- Maugas (Maine -et – Loire).

O Canto das lágrimas, ensaio sobre a penitência de 01ivier Clément, coleção “Théophanie,” Paris, Desclée de de Brouwer, 1982.

 

Blasfêmia.

Palavra ímpia que afronta Deus, o Espírito, a Igreja. No Antigo Testamento, a presença de um único blasfemador era o suficiente para sujar a comunidade do povo de Deus (Lev 24:16). Trata-se portanto de uma falta considerável. O próprio Jesus Cristo foi acusado de blasfemo pois Ele se proclamava “Filho de Deus” (João10:31-36) e este foi um dos principais motivos invocados para condená-lo (Mc 14:64).

Quando Jesus foi crucificado, Ele foi coberto de blasfêmias (Mc 15:29) e este foi o pecado dos homens. Entretanto, o Senhor os perdoa na Cruz, pois “eles não sabem o que fazem” (Luc. 23:34).

 

C

 

Calendário.

A data da Páscoa é determinada segundo um princípio estabelecido no Concílio Ecumênico de Nicéia (325): a festa é fixada no domingo seguinte à primeira lua cheia, após o equinócio da primavera (aqui no hemisfério sul do Outono — 21 de Março). Mas segundo os lugares e as épocas, os modos de aplicação desse princípio variaram, em particular, na maioria das Igrejas Ortodoxas, esse princípio é aplicado no contexto do calendário dito Juliano (instituído por Júlio César). Por causa de divisões diferentes dos anos bissextos, o calendário Juliano, ficou com atraso em relação ao calendário Gregoriano em vigor hoje em dia (calendário civil). Atualmente esse atraso é de treze dias; e acarretou duas conseqüências para o calendário litúrgico:

em certos anos a festa da Páscoa cai muito tarde porque o equinócio está retardado de 13 dias após o 21 de Março;

todas as festas fixas (Anunciação, Natal, etc.) são celebrados em datas retardadas de 13 dias com relação as do calendário civil em uso.

Um certo número de Igrejas Ortodoxas seguem o calendário Juliano (Rússia, Bulgária, Servia, etc.) chamadas “Velhas Calendaristas” na linguagem corrente. Este calendário está em atraso com o calendário astronômico; e possui pelo menos a vantagem de uma coerência entre o ciclo das festas fixas e móveis.

Outras Igrejas Ortodoxas (por exemplo a da Finlândia) suprimiram a diferença entre o tempo litúrgico e astronômico aplicando o princípio do Concílio de Nicéia no calendário civil, o que causa:

levar em conta a data real do equinócio (21 de Março) para fixar o dia da Páscoa;

recolocar as festas fixas em suas datas normais.

Outras Igrejas (em particular a da Grécia) reformaram o calendário das festas fixas avançando suas datas de 13 dias, mas sem modificar o cálculo da data da Páscoa, para a qual o equinócio continua atrasado 13 dias após 21 de Março, sua data astronômica. Essa prática corresponde ao que se chama correntemente “Novo Calendarista,” foi adotado, por certas comunidades ortodoxas, notadamente no Ocidente.

Se se toma como exemplo o Natal, esta festa, é indicada nos livros litúrgicos a 25 de Dezembro. Nas comunidades que seguem o novo calendário, é nesta data que será celebrado o Natal. No caso do velho calendário, a festa será deslocada 13 dias após o 25 de Dezembro, ou seja 7 de Janeiro. Para elucidar melhor, as comunidades onde se usam o velho calendário indicam as duas datas, para cada festa  dos livros litúrgicos e a data correspondente (13 dias mais cedo) no calendário civil. (Ex.: São Nicolau festejado a 6/19 de Dezembro).

 

Cânone.

Esta palavra significa originalmente regra. Os cânones, textos preparados entre outros pelos concílios e os Padres da Igreja, são em geral regras, padrões, destinados sobretudo a excluir falsas aproximações sobre tal ou tal questão. Eles constituem de qualquer forma, os parapeitos colocados pela Igreja para evitar os erros e heresias. São menos “leis,” no sentido jurídico do termo do que normas, guias e diretrizes da Igreja e dos fiéis, e para proteger os mistérios e as verdades da fé das interpretações errôneas. Não se trata pois de uma superestrutura jurídica.

O termo cânone se aplica, assim a um grande leque de textos que se pode de modo geral agrupar assim:

  1. a) regras de vida da Igreja (dogmáticas e disciplinares);
  2. b) listas, catálogos dos livros autênticos da Bíblia;
  3. c) coleções de odes e textos litúrgicos.

 

A coleção clássica dos cânones bizantinos que servirá de base para o direito canônico da Igreja Ortodoxa atual é chamado Nomocânone em XIV capítulos. Como textos de origem puramente eclesiástico, ele compreende:

 

os cânones apostólicos;

os cânones dos concílios ecumênicos;

os cânones dos concílios locais;

os cânones dos santos Padres.

Existe aliás um certo número de outros livros de referências e de manuais canônicos em uso na Igreja.

 

Cânone. (Ícones e Iconografia)

A Igreja Ortodoxa e os fiéis atribuem uma grande importância ao ícone. A vida litúrgica e sacramental é inseparável do ícone. Desta forma existem cânones concernentes aos ícones, sua veneração e sua pintura (ver Iconografia*).

Aqui muito resumidamente, a história desses cânones:

 

  1. A arte do ícone suscitou, no seio da Igreja uma grande crise que durou cento e vinte anos, nos séculos VIII e IX. Alguns — os iconoclastas, ou destruidores de ícones se levantaram ferozmente contra os ícones, acusando seus defensores de idolatria e exigindo a destruição das imagens. Na realidade não se tratava de duas concepções de arte cristã, mas de uma outra questão extremamente grave: no fundo o que os iconoclastas negavam exigindo a interdição das imagens, era a realidade da Encarnação* do Cristo. Os defensores dos ícones insistiam de justa causa sobre o fato de que o Filho de Deus, o Verbo, tornando-se verdadeiramente homem, tornou-se visível (“O Verbo indescritível do Pai fez-se descritível em Se encarnando-se”), e podia então ser representado. Sua Carne sendo deificada, as imagens deviam refletir o caráter divino. Ou melhor, é a pessoa representada que é venerada e não a pintura e a madeira. Não existe aí idolatria alguma.

A Igreja viu-se então obrigada a definir pelos cânones a natureza dogmática da veneração dos ícones (“veneração, não se trata pois de “adoração” ou “culto”). Os Padres do VII Concílio ecumênico (Nicéia, 787) declararam nos cânones que os Santos ícones deviam ser expostos nas igrejas de Deus, nas paredes, nas casas, etc., e, que eles deviam ser honrados: “Aquele que venera a imagem venera nela a realidade que ela representa.”

Um novo ataque foi lançado pelos iconoclastas em 815 e dura até 843. A vitória final das imagens (Concílio de 843) é conhecida pelo nome de “Triunfo da Ortodoxia” e é comemorado no primeiro domingo da Quaresma.

São João Damasceno (675-749) foi o mais importante defensor dos ícones durante o primeiro período e São Teodoro Estudita (759-826) durante o segundo.

 

 

  1. No que concerne a arte iconográfica em si, os Padres do VII Concílio ecumênico sublinharam que essa arte não foi inventada pelos pintores, mas é, ao contrário, regida, por uma regra confirmada e pela tradição da Igreja.

Não é apenas o valor artístico que conta num ícone, mas seu valor de pregação. É então natural que a Igreja seja exigente quanto a seu conteúdo e a sua forma.

É no Concílio Quinisexto (692) que foi formulado pela primeira vez uma direção de princípio concernente ao caráter da arte sagrada e que foi formulado o primeiro cânone iconográfico.

O cânone, nesse sentido, é pois um ensinamento, um critério correspondente à experiência espiritual da Igreja — da qualidade litúrgica da imagem, um princípio que permite julgar se a imagem é um ícone ou não.

 

Catafática. (VIA).

Ver Transcendência.

 

Catecúmeno.

Do grego katékhoumenos: “instruído de viva voz.” No início da era cristã, a maior parte dos que queriam se batizar eram adultos e recebiam o sacramento durante a noite pascal. Com bastante antecedência os candidatos ao batismo, chamados de catecúmenos, eram gradualmente introduzidos na vida da Igreja por certos ritos que incluíam exorcismos, unções, orações, explicações da Santa Escritura, etc. O Padre Alexandre Schmemann no livro consagrado ao batismo da água e do espírito (Of water and the Spirit — De L’eau et de l’Espirit) = (New York, St. Vladimir’s Seminary Press (SVS Press), 1974), nota que o ofício atual do batismo relativamente curto, é tudo o que subsiste de tal preparação, que podia durar de um a três anos.

A Comunidade inteira era envolvida, uma vez que ela devia se preparar para receber os novos membros. É a partir desta dupla ação — a dos catecúmenos e a comunidade -que se desenvolveu o período pré-pascal, hoje chamado a Grande Quaresma, que se encerra na santa noite de Páscoa e na “iluminação” daqueles que “vêm a Cristo e procuram n’Ele a salvação e uma vida nova.” A liturgia de Páscoa é essencialmente uma liturgia batismal. Páscoa, a festa das festas, é verdadeiramente o complemento do batismo e o batismo é verdadeiramente um sacramento pascal.

O fato de a maior parte dos novos batizados serem hoje bebês parece tornar anacrônicas certas partes do ritual do batismo. Deve-se contudo compreender, diz o Padre Schmemann, que a preparação é um dos aspectos permanentes e fundamentais da vida litúrgica. A Igreja é por sua vez “preparação” e complemento. Ela nos prepara para a vida eterna. Por seu ensinamento das doutrinas e suas orações ela nos revela sem cessar que os “valores” que dão sentido a nossa vida são aqueles que estão “por vir,” aqueles que aguardamos, que esperamos. Complemento, pois o Cristo veio. N’Ele, o homem foi deificado e subiu aos Céus. O Espírito Santo veio e sua vinda inaugurou o Reino de Deus.

Preparação e complemento não acontecem um sem o outro. Assim se esclarece o pleno significado da palavra catecúmeno. Hoje em dia são aqueles que levam para o batismo a criança: os padrinhos, os pais — e também todos os fiéis -que devem se preparar para o sacramento.

Ao longo de cada liturgia eucarística, a Igreja reza pelos catecúmenos “a fim de que o Senhor lhes tenha misericórdia, lhes ensina a verdade, que lhes revele o Evangelho de Justiça.” Antigamente, eles se retiravam pois não podiam ainda participar do “mistério,” quer dizer, da comunhão do sangue, e do corpo do Cristo, reservado, como hoje ainda, somente aos batizados.

 

Católica (Catolicidade “Sobornost”).

Nós recitamos no Credo* “Creio na Igreja Una, Santa Católica e apostólica.” A palavra católica é pois um dos quatro atributos ou qualidades (notas) da Igreja, que juntas exprimem a plenitude de seu ser. Mas, enquanto os termos “una,” “santa” e “apostólica” compreendem-se com facilidade, a palavra católica fica às vezes mal definida e toma ao longo do tempo uns sentidos que podem levar as confusões (por exemplo pensar que “católico” se aplica unicamente à Igreja romana ou latina).

Etimologicamente “católica” vem da palavra grega katholikos (ela mesma formada de duas palavras significas “conforme o todo”) que se traduz comumente por universal, mas que evoca a idéia de plenitude. Os teólogos ortodoxos traduzem com freqüência esta palavra por sobornost. Nos parece útil citar a este propósito Vladimir Lossky, que deplora o “uso abusivo da palavra sobornost por certos autores russos que não tomam cuidado de a traduzir por seu correlativo catolicidade.”

Na Igreja antiga, fala-se da “Igreja Católica de tal lugar.” Considerava-se a Igreja presente em sua plenitude, em cada assembléia Eucarística locais da mesma forma que o Cristo inteiro está presente no mistério eucarístico, assim a Igreja — Seu Corpo — está presente inteiro em cada Igreja local. O termo “ortodoxos” servia para designar os fiéis, os membros da Igreja Católica, em oposição aos heréticos, o termo católico sendo empregado para designar a Igreja.

A palavra “católica” evoca pois uma realidade concreta diferente da que se prende à noção de “Universal” Ela designa a verdade cristã, revelada, dada à Igreja, destinada a todos. A Igreja católica, é a Igreja na sua plenitude, em toda a profundeza da verdade. Assim, trata-se de uma tradição viva conservada sempre, em todo lugar, e por todos. Entretanto, “não se deve crer… que a verdade católica seja submetida, em sua expressão, a alguma coisa de semelhante à aprovação universal, à afirmação da maioria: toda história da Igreja testemunha o contrário. A democracia, compreendida neste sentido, é estranha à Igreja: é uma caricatura da catolicidade” (V. Lossky, Imagem e Semelhança de Deus — A I’ Image et à Ia Ressemblance de Dieu, Paris, Aubier Montaigne, 1967 pg. 170-171).

O Padre Dumitru Staniloae, teólogo romeno contemporâneo, sublinha que a noção de comunhão está no coração da catolicidade. Como “a unidade de um organismo vivo, é uma unidade na qual as partes se condicionam, e se completam umas com as outras em uma mesma vida. É um dom oferecido e recebido perpetuamente, uma espécie de unidade sinfônica na qual há diversidade de dons, mas “o Espírito é o mesmo” (1 Cor. 12:4; Teologia e Igreja — Teology and Church, New York SVS Press, 1980, pg. 220).

É isto que faz que seja impossível identificar a Igreja com um grupo particular, qualquer que seja de uma nacionalidade, de uma classe, de uma localidade, de um grupo de interesse ou de uma comunidade.

A Igreja guarda fielmente sua catolicidade que realiza nela o dogma trinitário: “e uma identidade inefável da unidade e da diversidade, à imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Trindade consubstancial e indivisível” (V. Lossky, op. cit. pg. 179) Oliver Clement considerava que se trata no plano humano “da livre unidade dos cristãos na fé e no amor.”

Veja também Igreja.

 

Ceia.

Da palavra latina cena que significa “refeição.” A Santa Ceia é a última refeição do Senhor com seus discípulos, durante a qual Ele partiu o pão e o lhes deu dizendo: “Isto é o meu corpo, que por vos é dado, fazei isto em memória de mim.” Do mesmo modo, “tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice  é o Novo Testamento no meu sangue que é derramado por vós (Luc. 22, 19-20).”

A Comemoração da Ceia é um dos elementos da Eucaristia.* A Ceia nos é narrada nos Evangelhos Sinópticos e na Primeira Epístola aos Coríntios (1 Cor. 11). No Evangelho de João (Joã. 6:27-64), o Senhor pregando ao povo no dia seguinte da multiplicação dos pães e antes de partir para Jerusalém, onde Ele seria crucificado, lhes revela que Ele é o “pão da vida” e que “quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (Joã. 6:54).”

 

Cenáculo.

Do latim Cenaculum, “câmara alta.” Designa a “câmara alta” onde o Senhor celebrou a Santa Ceia, na tarde da quinta-feira Santa, ou seja, antes da sua prisão, é no cenáculo que os Apóstolos se reuniam após a Ascensão do Senhor, “Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com os seus irmãos” (At. 1:14). É sem dúvida neste lugar que o Espírito Santo desceu sobre os discípulos no dia de Pentecostes.

 

Crisma.

Ver Santos Óleos,

 

Cristãos.

Na igreja primitiva, chamavam-se discípulos, crentes, santos, irmãos, os que seguiam o Cristo e que “era um coração e uma alma” (At. 4:32). Parece que foi do meio dos não cristãos que veio o termo cristão, quer dizer partidário, adepto de Cristo (formado sobre Christos: “Cristo,” “ungido”).

Nos Atos dos Apóstolos, São Lucas escreve: “Em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez chamados cristãos (At. 11:26) .”

 

Cristo.

Ver Messias e Verbo.

 

Comunhão Dos Santos.

Nós falamos noutra parte dos santos* e da santidade. Queremos, abordar agora o que se chama, bastante misteriosamente parece, a comunhão dos santos, e para tal, tentemos compreender o que é a comunhão nesse contexto, examinando três aspectos dessa palavra:

 

  1. Comunhão entre todos os fiéis

Lembremo-nos antes de tudo que se o único santo é Deus, somos todos chamados a participar desta santidade, pois, segundo São Paulo “amados de Deus, chamados santos” (Rom. 1,7). Na Igreja dos primeiros tempos, chamava-se “santos” todos os que seguiam o Cristo (Ver Cristão*) e muitos Padres da Igreja usam a palavra “santo” para designar os que, hoje em dia, chamamos de “fiéis.”

Não existe aí nem confusão nem equívoco. Com efeito, juntos formamos um só corpo, a Igreja, onde o chefe é o Cristo, e é juntos que seremos salvos, portanto santificados pela graça do Espírito Santo. E nós — que somente somos santos por “vocação” “pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas” (Heb. 12:1) que, são os santos acabados, prontos, que venceram, vivem e viverão do princípio ao fim do mundo, e que intercedem por nós e nos mostram o caminho. Nossa aceitação, mesmo implícita e fraca das exigências concretas dos Evangelhos, nossa participação na Igreja Santa e nos seus sacramentos, significa que podemos esperar por nosso passo no rastro dos santos, mesmo muito atrasados. Esta é, nossa “vocação,” e nossa comunhão uns com os outros e com os santos.

A santidade não é pois conhecida como o apanágio de alguns. Todo cristão, por seu batismo, sua crisma, os santos mistérios, participa da santidade da Igreja. O homem inteiro corpo e alma torna-se receptáculo do Espírito Santo.

 

  1. Comunhão dos fiéis com os santos.

Entretanto, alguns dos que chamamos santos, representam “o ser humano purificado… onde a transparência restaurada deixa ver seu modelo de bondade, sem limite, de poder e de sensibilidade infinitas: o Deus Encarnado. “O santo é” aquele que conseguiu a maior semelhança com o Cristo que, mesmo estando no céu, está ao mesmo tempo conosco… Ele é uma pessoa ligada num diálogo totalmente aberto e incessante com Deus e com os homens (Dumitru Staniloae: Oração de Jesus e experiência do Espírito Santo — Prière de Jesus et expérience du Saint — Esprit, Paris, Declée de Brouwer, 1981, pg. 32-33). Comunhão constante, pois, entre os Santos e nós mesmos.

 

  1. Comunhão dos Santos com os fiéis, entre eles e com Deus.

O domingo que segue o Pentecostes é consagrado na Igreja Ortodoxa à memória de todos os santos. Isto não é uma coincidência, pois a santidade provém da descida do Espírito Santo sobre a pessoa humana. No Santo, o milagre do Pentecostes se realiza de novo. Um texto litúrgico recapitula o sentido de tal festa:

 

Celebramos aqueles que se inclinaram diante de Deus desde a origem dos séculos — a honra dos Padres, os Sábios, os Patriarcas, a assembléia dos Profetas, a beleza dos Apóstolos, a comunhão dos Mártires, a glória dos Ascetas, a memória de todos os Santos. Pois eles não cessam de interceder para que seja dado ao mundo a paz e às nossas almas o grande amor.

A palavra-chave aqui é “interceder” pois é ela que nos faz compreender que se trata de comunhão. Só se pode interceder junto d’Aquele com quem se está em comunhão, e por aqueles com os quais se está em comunhão. Ou, os santos, testemunhas do Cristo ressuscitado e da presença do Espírito Santo no mundo, estão em comunhão com Deus, com os homens e entre eles. Esta comunhão santa, à imagem da que existe entre as três pessoas da Trindade Santa e que reflete a Santa Igreja, é o que podemos chamar a comunhão dos santos, é um aspecto da “catolicidade” (veja Católica) da Igreja.

São Simeão o Novo Teólogo lhe dá o nome de “corrente de ouro.”

 

(…) os, santos, iluminados pelos anjos de Deus, ligados e reunidos pelo elo do Espírito, tornam-se pares e êmulos dos anjos, vindo atrás daqueles que os precederam, os santos, que de geração em geração vêem pela prática dos mandamentos de Deus se juntar aos precedentes, recebem como eles a lua na participação da graça de Deus; eles tornam-se como uma corrente de ouro, cada um deles sendo um elo ligado ao precedente pela fé, pela caridade e pelas obras até formar em Deus uma corrente que não se pode romper facilmente. (Capítulos teológicos, gnósticos e práticas — Chapitres théologiques, Gnostiques et pratiques, Sources chrétiennes, nº 51, pg. 81).

A descida do Espírito, o dia de Pentecostes, é o nascimento da comunhão dos Santos. Ela é, para os fiéis, sentida como uma grande unidade. A Igreja celeste e a Igreja terrestre, a Igreja visível, e a Igreja invisível estão indissociavelmente ligadas.

Esta comunhão dos santos é pois uma corrente de amor mútuo e de orações, onde todos os membros da Igreja, vivos, mortos e por nascer, têm seu lugar. Cada liturgia terrestre é uma participação na Liturgia que se celebra sem cessar no céu. A liturgia e o culto dos santos formam uma unidade e o lugar onde se realiza a descida do Espírito Santo é ao mesmo tempo o lugar onde se reúne a comunhão de toda a Igreja, de todos os santos.

 

Não nos deixemos confundir com essa explicação um pouco árdua. Lembremo-nos somente que temos os Santos em sua comunhão — canonizados ou não — como intercessores junto a Deus, e que podemos lhes orar e lhes pedir para vir em nosso auxílio em qualquer circunstância; eles que, mesmo tendo deixado esta vida, estão mais vivos que nós.

 

Ver também Santos.

 

Confissão.

A confissão dos pecados faz parte do sacramento da penitência* (ver também Metanóia*). Os pecados são os atos e os pensamentos que nos separam de Deus e dos outros homens e nos deslocam interiormente. Um galho separado da árvore, resseca e morre. Do mesmo modo, nós também, se ficamos “separados” em nosso pecado, perdemos pouco a pouco nossa “semelhança” com Aquele que nos criou à Sua imagem e à Sua semelhança. Nos encontraríamos num estado “contra a natureza” que conduz à morte espiritual. O pecado é um prejuízo no sentido de não chegarmos a nos realizar enquanto pessoa na comunhão com os outros e com Deus. Ele pode entretanto significar o ponto de um retorno a Deus.

Pois “…o Filho do homem tem sobre a terra poder de perdoar pecados” (Luc. 5:24). “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo. 3:17). O padre, por sua ordenação, pode nos absolver de nossos pecados em nome do Senhor. É pois ao padre que nos apresentamos para nos confessar, mas é o Cristo que sempre está lá, invisivelmente presente, que recebe nossa confissão.

Em nos confessando livre e humildemente, exprimimos nosso arrependimento (veja Penitência*) nossa concordância com a vontade de Deus e nossa confiança em Sua misericórdia infinita. Nós reconhecemos a impossibilidade de sermos salvos de nossa situação atual sem a intervenção de Deus. Entregamos nossa vida, incluindo os pecados, a Deus, por meio da Igreja.

O padre nos exorta: “Coragem, você veio atrás do médico, não parta sem estar curado.” E uma vez que recebemos a Absolvição*, a via da reunificação e da reintegração nos é aberta.

 

Cosmos.

Palavra grega que significa “ordem.” O universo considerado em seu conjunto como criação harmoniosa de Deus.

O pecado do homem introduziu a desordem no cosmos. Em Seu amor, Deus enviou Seu Filho para que Ele restaure a imagem de Deus decaída no homem (ver Deificação.) e transfigure assim todo o universo. A Igreja com a missão de fazer do mundo decaído um mundo transfigurado. É por isso que ela associa toda a criação para a glorificação de Deus pelos sacramentos* e pela ação de graças. A encarnação* é um acontecimento cósmico, pois a restauração do homem em Cristo é também a do cosmos em sua beleza primitiva (Rom. 8,19 e seguintes).

Um teólogo ortodoxo romeno contemporâneo, o padre Dumitru Staniloae, diz a esse respeito:

(O Cristo) espera que façamos do cosmos um uso responsável. O cosmos é uma linguagem de comunhão entre Deus e os homens. As fontes da natureza são dadas por Deus a todos, que ele tratasse da terra arável, da água, do ar, de todas as formas de energia. Deus quer que pelo trabalho humano, essas fontes sejam divididas por todos, afim de que todos possam aproveitar desse dom de Deus. Devemos libertar a natureza de nossa avidez, devemos respeitá-la, embelezá-la, espiritualizá-la afim de que a glória de Deus a penetre de acordo com o desígnio original da criação. (Unité des Chrétiens, n° 58).

Outros autores, sem ter escutado os ecologistas, nos prescrevem tratar a natureza como uma “noiva” com respeito e amor.

 

Credo.

O Credo é a formulação da fé cristã. A palavra latina credo significa “eu creio.” O símbolo que recitamos a cada celebração eucarística começa pelas palavras: “Creio (em um só Deus).” Estas palavras dizem respeito aos artigos que seguem e dão a esta expressão da fé comum o valor de um engajamento pessoal de cada membro da Igreja que diz, com todos os outros: “Creio,” “Confesso,” “Espero.”

A recitação do Credo faz parte integrante da Liturgia eucarística e deve inspirar nossa vida. “O Credo não nos pertence até que o tenhais dominado (Filareto de Moscou).

“Desde o tempo apostólico, o culto cristão comporta os elementos de uma confissão de fé. Existia, desde o início do II século, numerosos “símbolos” ou formulações breves da fé cristã, ligados sobretudo ao batismo e à preparação catequética.

O primeiro Credo dogmático formulado por um Concílio foi o de Nicéia (325). E foi completado pelos pais em Constantinopla (II° Concílio, 381) para responder à necessidade de definir o ensinamento ortodoxo face a doutrinas heréticas. Foi lido dessa forma no IV° Concílio (Calcedônia, 451) como uma fórmula dogmática oficialmente reconhecida. Por volta do fim do V° século, o Credo litúrgico de Constantinopla será considerado como a fórmula completa e definitiva do Credo de Nicéia, que ele substituíra. O VI° Concílio (Constantinopla, 680) vai confirmar o caráter de autoridade do Credo que usamos hoje em dia, o Credo dito de “Nicéia-Constantinopla.”

A Igreja católica romana conservou, à parte deste Credo — modificada por ela pela interpretação do “Filioque” no começo do XI° século — um outro símbolo dito “Símbolo dos Apóstolos.” Este último símbolo constitui a profissão de fé mais difundida nas Igrejas saídas da Reforma:

 

Creio em Deus Pai Todo Poderoso

Criador do Céu e da Terra

E em Jesus Cristo um só Seu Filho,

Nosso Senhor

Concebido de Espírito Santo,

nascido de Maria Virgem

Padeceu sob Poncio Pilatos,

foi crucificado, morto e sepultado

e desceu aos infernos,

Ao terceiro dia ressuscitou dos mortos

Creio no Espírito Santo

Na Santa Igreja Católica

Na Comunhão dos Santos

Na remissão dos pecados

Na ressurreição da carne

Na vida eterna.

D

 

Decálogo.

Do grego deka (dez) e logos (palavra), dez palavras. Na aliança do Sinai, Moisés deu ao povo, vinda de Deus, uma Lei resumida em “dez palavras”: o Decálogo (Êx. 20:1-17; Deu. 5:6-22) ou os Dez Mandamentos (ver Tábuas da Lei*).

Deus falou a Moisés, e, por ele, aos homens, e Sua palavra preparava o acontecimento central do Novo Testamento: essa Palavra — o Verbo de Deus — tornar-se-á carne pela Encarnação.*

Os Dez Mandamentos se aplicam a todos os homens e não foram anulados pelo Evangelho, mas a Nova Aliança vai além da Antiga e seus mandamentos alcançam e ultrapassam o Decálogo.

O Senhor disse:

“Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir (Mat. 5:17).”

Se o Cristo nos diz para observar os mandamentos e para amar a Deus com toda a nossa alma e com todo o nosso espírito e ao próximo como a nós mesmos, Ele nos manda também amar aos nossos inimigos. Assim, a lei de Moisés não deixa de ter validade, mas é acompanhada em sua plenitude no Verbo Encarnado.

 

Deificação.

Os Padres da Igreja repetiam este adágio: “Deus Se fez homem para que o homem se torne Deus” e: “o homem é uma criatura que recebe a ordem de tornar-se Deus.”

De fato o homem é chamado a viver em Deus, a participar de Sua Glória,* a estar unido a Ele, e transformar-se pela graça* o que Deus é por natureza. Trata -se de uma união com Deus pelas energias divinas,* união mas não fusão ou confusão. Cristo tomou nossa natureza para nos fazer comungar a Vida divina e nos tornar “participantes da natureza divina” (2 Ped. 1:4), participantes das energias e não da essência de Deus.

A deificação é o processo pelo qual o homem crê em Deus de glória em glória. Os justos serão deificados no último Dia, mas o processo deve começar desde já, amando a Deus, observando Seus mandamentos. O cristão é ajudado nisto por sua vida na Igreja e pelos sacramentos.

A “deificação” não é apenas um dom livre do Espírito Santo, mas exige a cooperação do homem, é pois necessário um processo dinâmico que implica níveis de comunhão com Deus e uma religião de experiência pessoal (Jean Meyendorff, The Byzantine Legacy in the Orthodox Church, New York, SVS Press, 1982, pg. 150).

Veja também Eternidade, Parusia, Redenção, Salvação e Teologia.

 

Dogma.

Segundo o dicionário, esta palavra significa: “ponto fundamental de doutrina, em religião ou em filosofia.” Os dogmas são freqüentemente compreendidos como sendo definições categóricas ou infalíveis formuladas a respeito da fé pela “igreja docente.” Isto não corresponde à realidade da forma como é vivida na Igreja Ortodoxa. De fato, se as doutrinas fundamentais da fé cristã existem como a rocha sobre a qual é erigida a Igreja, e o Credo e os textos litúrgicos representam cotidianamente a expressão preservada fielmente pela Tradição da Igreja, significa que a noção de dogma no sentido comum das verdades especulativas forma um sistema filosófico coerente que não lhe convém.

É preciso lembrar que para a Igreja Ortodoxa, os textos teológicos, elaborados entre outros pelos Concílios ecumênicos, são as formulações feitas para preservar as verdades da fé ameaçadas pelas heresias. Era pela necessidade de interromper o caminho ao erro que os Padres foram levados a estabelecer tais textos. Um teólogo contemporâneo sublinha que, nesse contexto, “o dogma parece pois como o princípio de uma experiência decisiva, de uma luminosa evidência no Espírito Santo” (O. Clément, L’Eglise Orthodoxe, Paris. P.U.F., coll. “Quesais-je?” nº 949, 1965, pg. 36).

 

Doxologia.

A Doxologia (do grego doxa: glória) é a ação de glorificar. Para o Cristo trata-se de louvar a Deus em Três Pessoas, a Santa Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Cantar a Glória* de Deus é próprio do homem, e encontra-se textos doxológicos em numerosos livros do Velho Testamento, em particular nos Salmos. O homem ao glorificar Deus participa na louvação dos anjos.* É um tema central em Isaías, onde se encontra o seguinte texto:

Serafins… e chamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos: toda a terra está cheia de sua glória (Isa. 6:1-3).

Este “Três vezes Santo,” ou Trisagion, esta louvação, existe com variações em todos os ofícios litúrgicos, seja diretamente (na Liturgia eucarística, por exemplo) sob esta forma, ou sob uma forma ampliada, ou como um filigrana em todas as ações de graça.

Cristo está no centro de numerosas doxologias do Novo Testamento. “Glorificando e louvando a Deus” (Luc. 2:20), suas mensagens (Atos 11:18; 21:20), seus milagres (Mac 2:12). Quanto a São Paulo, ele pontua suas Epístolas de doxologias (por exemplo, Gál. 1:3; Tit. 2:13). Enfim, as doxologias do Apocalipse recapitulam toda a obra salvífica de Nosso Senhor (Apo. 1:8 e 15:3).

Ao nos aproximarmos de Deus, compreendemos de imediato a transcendência* de Sua Glória, de Seu Poder, de Sua Grandeza; o que resulta sentimentos de admiração, de surpresa e outros análogos: a doxologia é assim uma conseqüência natural. (N. CabasiIas, Explication de Ia Divine Liturgie).

Cada ofício é entremeado por doxologias: “Glória a Ti…” “Glória ao Pai…,” “Glória a Deus…” A própria Liturgia eucarística começa por uma doxologia “Bendito e Glorificado seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

O que se chama a Grande Doxologia se situa ao fim do orthos (ofício matutino: matinas e laudes), aos domingos e aos dias de festa. Ela começa por estas palavras: “Glória a Ti que nos fizeste ver a verdadeira luz.” Em seguida vem o canto “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra…” Segue-se o Trisagion: “Santo, Santo, Santo.” A pequena doxologia se situa no ofício das completas.

Se a Divina Liturgia começa por uma doxologia recitada pelo padre, ela termina por uma outra cantada pelo coro e seguida pelos fiéis: Que nossos lábios se encham de Teu louvor, para cantarmos a Tua Glória…”

 

E

 

Ecfonese.

Fórmula abreviada de doxologia trinitária pronunciada pelo bispo ou pelo presbítero. A palavra vem de um advérbio grego que significa “em voz alta.”

A ecfonese conclui seja uma litania proclamada pelo diácono, seja uma oração recitada pelo bispo ou pelo presbítero, em voz alta ou baixa. Como seu nome indica, a ecfonese é sempre pronunciada em voz alta.

 

Éden.

“E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do oriente e pôs ali o homem que havia formado” (Gên. 2:8). Era o paraíso, com todas as espécies de árvores agradáveis de ver e produzindo frutos bons para comer. Um rio cortava esse jardim aonde Deus vinha conversar com Adão e Eva na “brisa da tarde,” É deste Éden que Adão e Eva foram expulsos após a queda. Querubins com espadas fulgurantes foram postados diante do jardim “para guardar o caminho da árvore da vida (Gên. 3:24).”

 

Epiclese.

De uma palavra grega que significa: “invocação.” Momento do cânone eucarístico onde o bispo ou o presbítero, após haver, ao longo da anamnese,* relembrado a instituição da Santa Ceia,* pede ao Pai para enviar Seu Espírito Santo “sobre nós e sobre os dons que foram aqui oferecidos,” e de fazer o pão e do vinho o Corpo e Sangue de Cristo.

Todos os sacramentos, uma vez que a ação de Deus é invocada, comportam uma invocação do Espírito, uma epiclese, que lhe dá sua eficácia.

Assim a Liturgia é atravessada desde o princípio por súplicas a Deus para o envio do Espírito Santo. Deve-se sublinhar que o mistério é acompanhado pela oração de toda a Igreja que é ouvida por Deus, pois a Igreja é a Nova Aliança à qual Deus se engajou por meio de Seu Filho e pelo Espírito Santo. A epiclese é o cumprimento da ação eucarística.

 

Epístola.

Do grego epistole (latim epistola). No Novo Testamento, uma epístola é uma carta escrita por um Apóstolo ou um Discípulo às comunidades cristãs. Existem epístolas de Paulo, Tiago, Pedro, João e Judas, Ao longo da Liturgia eucarística, lê-se um ou vários extratos de uma epístola antes da leitura do Evangelho.

 

Escatologia.

Do grego eschaton: último e logos: discurso. A definição do dicionário é: “conjunto de doutrinas e de crenças sobre os fins últimos do homem e do universo.” Como fins últimos entende-se: sua morte e o que advém após sua morte.

Todo homem sabe que deve morrer. Freqüentemente ele não sabe mais nada a esse respeito e tem medo. O cristão, este, tem algumas certezas concernentes a seus “fins últimos”: trata-se de verdades de fé comprovadas pelas Escrituras e pela Igreja. Algumas dessas verdades nos são afirmadas de modo claro, outras permanecem ainda, ao menos parcialmente, envolvidas em mistério. A Igreja Ortodoxa jamais procurou dar uma doutrina precisa sobre o além. Lázaro após sua ressurreição por Cristo, não fez revelações sobre o que aconteceu durante os quatro dias de sua “morte” (João 11:1-44). Na prática o que existe são crenças populares. Nós nos ateremos aos ensinamentos da Escritura e da Igreja.

 

* * *

O que sabemos é que todos ressuscitarão (João 5:28) no dia da Parusia, dia da segunda Vinda do Senhor. O Credo que recitamos a cada Liturgia, termina com as seguintes palavras: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir.” Sabemos assim que haverá o julgamento antes que o reino do mundo torne-se o Reino de Deus (Apo. 11:15), mundo novo, vida nova.

E o Julgamento tem um aspecto, temível… o inferno existe. É a Igreja e seus sacramentos que nos preparam a ter “um julgamento favorável no temível tribunal de Cristo” (Litania de Súplica).

Assim o destino humano é orientado para uma finalidade, num movimento dinâmico e livre da pessoa chamada a realizar sua semelhança divina. Cremos na ressurreição dos homens, corpos e almas, no julgamento e na Vida Eterna, a vida nova, já começada aqui. “(…) o Reino de Deus está entre vós” (Luc. 17:21): isto é o eschaton.

 

A Ressurreição. “Se o Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé” (1 Cor. 15:17).

O cristianismo toma a sua força na vitória de Cristo sobre a morte: se Cristo não houvesse ressuscitado, toda nossa fé, nossas convicções, nossa vida interior, nossa esperança, tudo repousaria sobre uma mentira.

Cristo morreu para a vida do mundo (“Pela cruz a alegria entrou no mundo”: tropário pascal da ressurreição). A morte foi vencida precisamente porque o próprio Deus a provou enquanto pessoa, na humanidade que ele assumiu. Esta é a mensagem pascal do cristianismo.

Sem dúvida, a morte permanece como um fenômeno físico, mas ela não domina mais o homem enquanto destino inevitável e final: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1Cor. 15:22). Como se expressa Atanásio: “Estamos aqui apenas por um tempo, na natureza mortal de nosso corpo, a fim de receber uma melhor ressurreição: como os grãos jogados na terra, não pereceremos, mas, semeados na terra, cresceremos de novo, ficando a morte reduzida a nada pela graça do nosso Salvador” (J. Meyendorff, Iniciation à Ia Theologie Bizantine, Paris, Cerf, 1975, pg. 218).

A alegria da ressurreição é algo que nós também como os Apóstolos, devemos aprender a sentir. Mas só poderemos fazê-lo se percebermos primeiro o sentido da cruz. Para ressuscitar é preciso morrer: morrer a esse egoísmo que nos entrava, morrer às nossas crenças, morrer a tudo que torna o mundo tão mesquinho, tão frio, tão pobre, tão cruel. Morrer de tal modo que nossas almas possam viver, reencontrar a alegria, descobrir as fontes da vida.

A Ressurreição está presente na Cruz, e a Cruz na Ressurreição. A Cruz é a Ressurreição e não há Ressurreição sem a Cruz (Nicolas Lossky).

A Ressurreição de Cristo é um acontecimento que pertence ao mesmo tempo ao passado e ao presente. Ao passado ela é evidente. Ao presente, porque Cristo uma vez ressuscitado está para todo sempre vivo, e cada um de nós pode conhecê-lo pessoalmente.

A eternidade,* não é qualquer coisa mais qualquer um. É o próprio Deus que podemos encontrar no decorrer do curso efêmero do tempo. Ele nos oferece essa comunhão com Ele na graça e no amor, num clima de liberdade mútua.

 

O Julgamento. A segunda vinda será também o momento do julgamento, pois o critério de toda justiça, o Cristo em pessoa em todo Seu poder e toda Sua evidência, estará presente, aguardando a resposta livre do homem. Deus fará um novo céu e uma nova terra e não se deve esquecer que o inferno existe como o céu existe. Diante do aspecto temível da justiça de Cristo, lembremo-nos que sua prerrogativa suprema é a misericórdia, e que Ele ama os homens. A Igreja aguarda a segunda vinda como o triunfo visível de Deus sobre o mal no mundo e a transfiguração de toda a criação. O amor de Deus — esta é nossa firme convicção — é oferecido sempre ao homem.

 

A Vida Nova. Em Cristo, a vida nova já começou. Ele é a vida eterna, a plenitude, a ressurreição e a alegria do mundo:

“Portanto ninguém se gloria nos homens; porque tudo é vosso; (…), seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós de Cristo e Cristo de Deus (1 Cor. 3:21-23).

A vida nova em Cristo, “eternamente agora e sempre,” implica um engajamento pessoal e livre. No último dia a ressurreição será universal, mas a bênção será dada apenas àqueles que tiverem um desejo ardente e que se arrependerem de seus pecados. O estado escatológico, repetindo, não é apenas uma realidade futura mas sim uma vivência presente, acessível em Cristo pelos dons do Espírito.

O cânone eucarístico da liturgia (de São João Crisóstomo e de São Basílio) comemora a segunda vinda de Cristo ao mesmo tempo que os acontecimentos do passado, a Cruz, o Túmulo, a Ressurreição, a ascensão. Na presença eucarística do Senhor, Sua vinda futura já é realizada e o “tempo” transcendido. O Espírito Santo atualiza tanto os acontecimentos salvíficos do passado como atualiza o futuro. Nos faz comungar com a eternidade de Deus. Desde já, os cristãos podem ter a experiência da visão de Deus e da realidade da deificação.

Os teólogos a isto algumas vezes chamam de “escatologia realizada.”

Não esqueçamos, também, que em sua ascensão a Deus o cristão não está só, ele é um membro do Corpo de Cristo; Ele pode realizar esta comunhão desde já antes de sua morte como após, e nos dois casos terá necessidade das orações de todo o Corpo, ao menos até o final dos tempos, quando Cristo estará “Tudo em tudo,” Até a “aparição” última de Cristo, Seu Corpo, mantido pelos laços do Espírito, encerrando ao mesmo tempo os vivos e os mortos; o que é simbolizado durante a liturgia sobre a patena onde os pedaços de pão relembram aqueles que repousam em Cristo e os que ainda fazem parte da comunidade cristã visível na terra, todos unidos numa só comunhão eucarística. Esta comunhão em Cristo, indestrutível pela morte, torna possível e necessária a intercessão incessante de todos os membros do Corpo uns para os outros. A oração para os “mortos,” do mesmo modo que a intercessão pelos santos defuntos para os “vivos,” exprime uma só e indivisível comunhão dos santos*.

 

* * *

Ser cristão no contexto da escatologia significa o seguinte, em resumo: saber que Cristo é vida, fonte de toda Vida, que é Ele a Vida: “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo. 1:4).

Apenas, esta possessão de Cristo como vida, “alegria e paz” da comunhão com Ele, a certeza de sua presença, dão um sentido à proclamação da morte de Cristo e à confissão de Sua ressurreição.

A grande alegria que os discípulos sentiram ao ver Cristo ressuscitado, esse “coração ardente” que eles experimentaram a caminho de Emaús (Luc. 24:13-35), não tinha como causa a revelação dos mistérios de um “outro mundo.” Tinha como causa a visão do Senhor. E Ele os manda pregar o arrependimento e a remissão dos pecados, a vida nova, o Reino. Eles anunciaram o que sabiam: que em Cristo, a vida nova já começara, que Ele era a vida eterna, a plenitude, a ressurreição e a alegria do mundo. Em Cristo, essa grande passagem, a “Páscoa” do mundo já havia começado, a lua do “mundo futuro” nos veio na alegria e na paz do Espírito Santo, pois Cristo ressuscitou e é o reinado da vida.

A Igreja é o sinal da nova era, a antecipação escatológica da nova criação: o cosmos* criado restaurado em sua integridade inicial. E a Eucaristia é uma antecipação dessa realização. Na Eucaristia os membros da Igreja já estão nos últimos tempos e conhecem as primícias do Reino.

Esta visão escatológica não implica uma recusa à vida presente com seus engajamentos e suas responsabilidades. Não se trata de uma fuga para fora do tempo, uma negação das realidades concretas e da história. Muito ao contrário. Uma frase do Padre Basílio Gondikakis de Stavronikita (Contacts, nº 89, pg. 108) sublinha com força ao nos lembrar o que devem ser os outros homens para nós, e nossa responsabilidade a esse respeito:

 

O outro é o verdadeiro lugar de nossa vida, nosso meio mais caro e mais insubstituível, que nos dá o dom — por nossa própria doação a ele — do sentido e da realidade da vida eterna que já começou (…); “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1 Jo. 3:14).

 

* * *

Este texto foi redigido após a leitura, entre outros, dos seguintes livros:

A L’Image et à Ia Ressemblance de Dieu (V. Lossky, op.cit);

Vogage spirituel (Mgr Antoine, Paris, Seuil, 1974);

Iniciation à lá théologie byzantine (J. Meyendorff, op. cit.);

Pour Ia Vie du Monde (ò. Schmemann, Paris, Desclée de Brower, 1969);

L’Orthodoxie (K.Ware, Paris, Desclée de Brower, 1968).

Veja também: Deificação, Inferno, Eternidade, Misericórdia, Mistério, Parusia, Redenção e Salvação.

 

Escritura.

Veja Bíblia.

 

Essência e Energia Divinas.

A Igreja Ortodoxa distingue entre essência de Deus e Suas energias. Ao falar de Sua essência, afirmamos que Deus é absolutamente transcendente* além de tudo criado, incognoscível, inatingível. Aliás, afirmamos também que Deus “está presente em tudo e enche tudo” e que podemos participar n’Ele pela graça.

De fato, Deus permanece o Todo-Distinto, se manifestando a nós por Suas energias, sob a forma de graça deificante e de luz divina.

A Igreja e os Padres repetem:

Conhecemos nosso Deus por Suas energias, não podemos ousar nos aproximarmos de Sua essência, mas estas energias chegam até nós e Sua essência fica fora do alcance (São Basílio).

São Gregório Palamas (Séc. XIV) diz que Deus é luz e a experiência das energias divinas toma a forma de luz. Esta luz incriada é a mesma daquela vista pelos apóstolos no Monte Tabor na Transfiguração do Senhor e daquela percebida pelos santos como São Simeão, o Novo Teólogo e São Serafim de Sarov.

“A essência é Deus, Deus em sua integralidade, tal como ele é em si mesmo. As energias são Deus em si mesmo. As energias são Deus em sua integralidade, tal como ele é em ação. Estabelecer uma distinção entre a essência e as energias, é reconhecer que Deus, em sua integralidade, é inacessível, mas ainda que Deus, em sua integralidade, tornou-se acessível ao homem o envolvendo com seu amor (Kallistos Ware, Approches de Dieu dans Ia Tradition Orthodoxe, Paris, Desclée de Brower, 1982, pg. 39).”

As energias incriadas não são pois algo que existe fora de Deus, nem um simples dom de Deus aos homens, mas a manifestação de Deus Vivo. Elas são o próprio Deus agindo e Se revelando ao mundo. Deus existe total e plenamente em cada uma de Suas energias comuns às três Pessoas da Trindade.

Ver também Graça.

 

Eternidade.

Quando lemos no Evangelho estas palavras do Senhor : “Antes que Abraão existisse, eu sou” (João 8:58), esta estranha flexão feita à gramática (eu sou e não era) deveria nos ajudar a entrever o que é a eternidade divina misteriosa que ultrapassa os limites humanos de tempo e de espaço.

Ao confessar no Credo que o Filho é “nascido do Pai antes de todos os séculos,” não afirmamos que Seu nascimento é simplesmente anterior à criação, mas sim que ele está fora do tempo.

De fato, a noção de tempo é ligada à da criação. O tempo é algo criado. A eternidade, transcende o criado. Lemos portanto, no evangelho de João: “No princípio era o Verbo” (Jo. 1:1), mas este princípio é fora do tempo, pois o Verbo, o Cristo, “que é, e que era e que há de vir” (Apoc. 1:8), é toda a eternidade.

Não se deve opor eternidade e tempo, como se faz, por exemplo, com “longo” e “curto.” A eternidade divina não significa imobilidade, estado estático, pois ela transcende tanto o movimento como a imobilidade. Ela não é o contrário do tempo. Ela não nega a história, pois Deus Se encarnou na história em um determinado tempo e lugar. Assim como o homem e toda a criação, o tempo também será transfigurado na Parusia*: mundo novo, céus novos, tempos novos. Mas Deus, “o Deus vivo e para sempre permanente, e o seu reino não se pode destruir; o seu domínio é até ao fim (Dan. 6:26).”

São Basílio mostrou que o mistério do tempo e da eternidade se resume no significado do Domingo. O Domingo é ao mesmo tempo o primeiro e o oitavo dia: é o primeiro dia da semana consagrado a Ressurreição do Senhor, é também a imagem do mundo que há de vir, o dia que marca a recriação, a entrada no Reino, o instante em que a Igreja acolhe a eternidade, o oitavo dia, que não terá fim. Basílio acrescenta que não precisamos nos ajoelhar aos domingos, porque escapamos nesse dia único na Igreja, da condição temporária de escravo, para entrar simbolicamente, de pé, salvos, no Reino.

 

Eucaristia.

Vem de uma palavra grega que significa: “render graças,” “ação de graças,” “agradecimento.” Quando Cristo instituiu a Santa Ceia,* Ele “rendeu graças” e benzeu o pão e o vinho. Por esse motivo essa ação do Senhor recebeu o nome de Eucaristia. A assembléia de fiéis ao redor do bispo ou seu representante — o presbítero — comemora, torna atual, o sacrifício único de Cristo e rende graças em nome dessa assembléia à Santíssima Trindade.

Comemorando a paixão salvífica do Senhor que venceu a morte pelo oferecimento que fez de Sua Vida, os fiéis oferecem a Deus o pão e o vinho que se tornarão Corpo e Sangue de Cristo, eles se oferecem eles mesmos e toda a criação, por todos, vivos e mortos, e por tudo. E na epiclese,* o presbítero pede ao Pai para mandar o Espírito Santo sobre os fiéis e sobre suas oferendas* a fim de serem penetrados pelo poder divino. O pão e o vinho, transformados em Corpo e Sangue de Cristo serão repartidos entre os fiéis a fim de que “eles se tornem para aqueles que dele participam, purificação de suas almas, remissão de seus pecados, comunhão com o Espírito Santo, plenitude do Reino dos Céus.”

A Liturgia* eucarística não é pois apenas a invocação do Sacrifício único de Cristo, ela é também a passagem deste mundo para o mundo futuro, a vinda e a presença do Reino de Deus que apenas será dada plenamente na Parusia.* O instante da verdade que restaura a ordem do mundo depois da queda. A eternidade invade o tempo — que não será entretanto abolido, mas transcendido — e podemos dizer que nos lembramos da Cruz, do Túmulo, da Ressurreição, do Trono à direita do Pai e também da segunda e gloriosa vinda (Parusia) aqui e agora.

Na Eucaristia, a economia salvífica de Cristo torna-se presente e atual. Sendo comunhão, a Eucaristia nos introduz na vida da Santíssima Trindade. Ela é também o próprio fundamento da Igreja, o sacramento* por excelência, que é de fato o “Corpo de Cristo” (1 Cor. 10:16).

Veja também Anáfora.

 

Evangelho.

Ver Bíblia.

 

Ex Nihilo.

Ver Transcendência.

 

F

 

Fidelidade.

A fidelidade é antes de mais nada característica de Deus, associada à Sua bondade para com o povo da Aliança. Deus é “grande em beneficência e verdade” (Êx. 34:6), “a palavra de nosso Deus subsiste eternamente” (Isa. 40:8), “Suas promessas são sempre cumpridas” (Tob. 14:4). Deus pede ao homem que seja fiel a Ele também. Contudo o povo de Israel, ao longo de sua história, traiu com freqüência esta fidelidade e Deus, depois de lhes castigar, lhes perdoa diversas vezes suas infidelidades.

Os profetas anunciavam a vinda de um Servo do Senhor (Isa. 42). O Cristo, Filho e Verbo de Deus, será o Servo fiel. Ele cumpre todas as suas promessas (2 Cor. 1:20). N’Ele se manifesta plenamente a fidelidade de Deus (1 Tess. 5:24).

Os que seguem Cristo são chamados Seus fiéis. Esta fidelidade baseia-se nos dois mandamentos que o Senhor disse não existirem maiores: “Amará o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento… o teu próximo como a ti mesmo” (Mat. 22:37-40).

O segredo da fidelidade ao Senhor e da observância da Nova Aliança é pois o amor — não apenas o amor pelos que nos amam, mas o amor pelos inimigos (Mat. 5:43-44).

 

Filioque.

Veja Credo.

 

Fins Últimos.

Veja Escatologia.

 

G

 

Gênesis.

Veja Bíblia.

 

Gentios.

Para o povo judeu do Antigo Testamento, existia de um lado Israel, o povo de Deus e de outro lado “gentios” (ou “Nações”), quer dizer os “pagãos” que não conheciam Deus.

No Novo Testamento, a noção de povo de Deus se ampliou para tornar a Igreja. A unidade humana foi restaurada. “…não há judeu nem grego” (Gál. 3:28). Cristo veio reunir todos os homens, Israel e os gentios, chamando o homem novo e uma vida nova em Cristo.

A Epístola dos Efésios insiste: Lembrai -vos que vós noutro tempo éreis Gentios… Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade d ‘Israel e estranhos aos concertos da promessa… Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio. Na sua carne desfez a inimizade… para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz. (Efe. 2:11-16).

São Paulo é chamado “o Apóstolo dos Gentios,” ou “das Nações,” porque ele pregou o Evangelho aos habitantes do Império Romano que não pertenciam ao povo judeu.

Veja também Israel.

 

Glória.

“Glória a Ti, Senhor, glória a Ti.” A Santa Escritura é farta em expressões referentes à glória de Deus. Da mesma forma que os textos litúrgicos e toda a literatura patrística.

Encontramo-nos diante de tal riqueza que é difícil escolher exemplos para tentar “definir” o que é esta glória, esta luz de Deus que é também Sua graça.

No sentido comum, esta palavra, sabe-se significa honra, renome, poder, riqueza, brilho das vitórias, etc; todos os valores que são perecíveis. Na Bíblia, existe freqüentemente tal sentido. Jó clamou: “Da minha honra me despojou” (Jó 19:9). Fala-se da glória das vestes de Aarão (Êxo. 28), da riqueza e da glória de Salomão. Existe entretanto outros sentidos que nos deixam entrever uma realidade infinitamente mais profunda, mais misteriosa, uma verdade difícil de conceituar por palavras, pois ela pertence ao domínio do mistério divino eterno. Assim, as intervenções e o poder de Deus são associados à Sua glória. A glória do Senhor revela Sua majestade, Sua santidade, é o próprio Deus.

Entre as inúmeras manifestações da glória de Deus no Antigo Testamento, escolhemos a experiência de Moisés no Monte Sinai (Êx. 33:18) “então ele disse: “Rogo-te, que me mostres a tua glória.” E Deus lhe responde: “Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá” (Êx. 33:20). Deus disse a Moisés para ficar na fenda da penha (rocha) e quando minha glória passar… e te cobrirei com minha mão.” Sua face, Sua presença e Sua glória são uma mesma realidade a qual o homem é chamado à participar por meio de Cristo.

No Novo Testamento, a glória de Deus é também chamada luz (1 Jo. 1:5). Na sua Transfiguração no Monte Tabor, diz-se a respeito de Nosso Senhor: “Seu rosto resplandeceu como o sol” (Mat. 17:2).” No ícone notamos a auréola de Cristo — brilho de luz ao redor de Cristo — que transfigura os homens e a natureza. São Macário escreveu a esse respeito que o “corpo do Senhor foi glorificado quando foi para a montanha e foi transfigurado na glória de Deus, (…) da mesma forma os corpos dos santos são glorificados e resplandecem uma brancura fulgurante.”

Pela Encarnação, Cristo, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, é despojado de Sua glória (veja Kenose*; Ele se fez homem, aceitou a Paixão e a Cruz. Ele ressuscitou, e foi “recebido acima na Glória” (1 Tim. 3:16) à Ascensão. “De novo há de vir cheio de Glória para julgar os vivos e os mortos” (Credo).

Devemos também acrescentar uma outra noção ao significado da glória, noção que revela o laço que existe entre a glória de Deus e o homem, como diz Santo Irineu: “A Glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus” (Contre lês hérétiaves, IV, 20,7) e: “A Glória do homem é Deus” (Ibid., III, 20:2).

Compreendemos pois porque a criação inteira aspira à revelação da Glória de Deus. São João vê a Nova Jerusalém “e a cidade não necessita de sol nem de lua para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado..” (Apoc. 21:23). No último dia, Deus virá em toda a Glória de Sua luz e os justos O verão.

Ele, Deus e Mestre do universo, brilhará nesse momento na Glória de Sua Divindade, (…) revelará a todos o que Ele é, cobrirá, todas as coisas de Sua própria luz e tornará para Seus Santos o Dia de júbilo eterno, sem declínio e sem fim. (São Simeão, o Novo Teólogo, Traités théologiques et ethiques, X, 19-35).

Nós somos a imagem dessa Glória indizível. Como contamos no ofício para os defuntos: “Eu sou a imagem de Tua Glória mesmo quando trago os estigmas do pecado.”

 

Graça.

Perguntou-se um dia a um fiel ortodoxo pouco ligado a teologia: “O que é a Graça?” Ele respondeu após um momento de reflexão: “A Graça é o amor.” O dicionário nos dá esta definição: “Ajuda, socorro, que Deus concede tendo em vista a salvação.”

Voltemo-nos a São Paulo que, por meio de diversos textos, diz a mesma coisa ao afirmar que esta Graça é o dom de Deus que contém todos os outros, o de Seu Filho: (Deus quis):

“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas de Sua graça, pela Sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Efe. 2:7). “Mas segundo seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2 Tim 1:9).

Já no Antigo Testamento é comum a questão da graça. Ela é freqüentemente associada à misericórdia,* à fidelidade* e à bênção. Deus manifesta ininterruptamente Sua graça a Seu povo de Israel. Esse Deus “misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade” se dirige a Moisés que Lhe responde: “Senhor, se agora tenho achado graça aos teus olhos, vá agora o Senhor no meio de nós” (Êx. 34;9).” De fato, a graça é dupla: ela desce sobre o homem e faz que este último encontre por meio dela favor à Seus olhos, quer dizer torna-se digno dos benefícios de Deus, pois recebe a graça.

Para nós, cristãos, cremos que Deus Se revelou em Jesus Cristo com quem veio “a graça e a verdade” (Jo. 1:17). Esta graça fecunda é fonte da transformação do homem e de todas suas boas obras. Ela é dada gratuitamente e não pode ser “comprada” por esta ou aquela ação. Quer dizer que o homem deve se preparar pelo dom de toda sua vida, pelo amor de Deus e de Seus mandamentos, e sua abertura ao Senhor, é a manifestação — as energias* — de Deus Vivo.

A graça significa em geral (…) toda a riqueza da natureza divina ao se manifestar aos homens. O que é comum ao Pai e ao Filho é a divindade que o Espírito Santo comunica aos homens da Igreja, fazendo-os “participantes da natureza divina” (2 Ped. 1:4), conferindo o fogo da divindade, a Graça incriada àqueles que se tornam membros do Corpo de Cristo” (V. Lossky, Théologie mystique de l’Eglise d’0rient, op. cit. pg. 159).

Sendo manifestação de Deus aos homens, a graça é fogo e luz, portanto gloria.*

Para exprimir a relação entre a Graça de Deus e a liberdade humana, utiliza-se o termo sinergia, quer dizer cooperação. “Nós somos os cooperadores de Deus” diz São Paulo (1 Cor. 3:9). Ninguém pode ser salvo sem a ajuda de Deus, mas o homem deve contribuir para esta obra comum.

São Cirilo de Jerusalém resume claramente esse papel duplo: Deus concede a graça, nosso dever é aceitá-la e conservá-la.

Veja também Glória e Justiça.

 

H

 

Hesicasmo.

Esta palavra vem do grego hesy chia e significa “repouso,” quietude,” “tranqüilidade,” ela significa o silêncio e a paz interior na qual procuram viver aqueles que se consagram à oração incessante e à sobriedade espiritual (nepsis).

Desde o século IV, o termo hesychia é utilizado na literatura cristã para qualificar o modo de vida escolhido pelos eremitas — os hesicastas — que se consagram à oração incessante. O hesicasmo designa essa tradição espiritual e seus métodos de oração, essencialmente monástica na origem e viva até os dias de hoje.

A princípio transmitidos por via oral, de mestre a discípulo, nos mosteiros, os métodos do hesicasmo foram a seguir pouco a pouco registrados por escrito. Seus principais centros foram, desde o século IV, os mosteiros do Sinai e depois os do Monte Athos, onde ocorreu no século XIV um grande renascimento do hesicasmo.

O grande santo Gregório Palamas, monge de Athos e mais tarde bispo de Tessalônica, defende vigorosamente o movimento por ocasião das controvérsias sobre a doutrina na natureza de Deus e os métodos da oração, estabelece seus fundamentos teológicos e suas bases dogmáticas e salienta, em particular, a unidade do homem, corpo e espírito. Ele alcança uma vitória completa: os concílios de Constantinopla de 1341, 1347 e 1351 confirmam seus ensinamentos. O padre João Meyendorff resume da seguinte forma a posição teológica de São Gregório Palamas sobre esse ponto:

O conhecimento de Deus é uma experiência dada a todos os cristãos pelo batismo e por sua participação permanente na vida do corpo de Cristo por meio da eucaristia. Ele exige também a participação do homem inteiro na oração e o sacrifício, pelo amor de Deus e do próximo; Desta forma pode-se reconhecê-lo não apenas por uma experiência “intelectual” somente do espírito mas também por um “senso espiritual” que permite uma percepção nem puramente material. Em Cristo, Deus assumiu a totalidade do homem, corpo e alma; e o homem da mesma Forma foi deificado, Pela oração, o “método” (hesicasta) por exemplo, pelos sacramentos, pela vida inteira da Igreja enquanto comunidade, o homem é chamado a participar da vida divina: esta participação (metoché) é também o verdadeiro conhecimento de Deus (Initiation à Ia théologie; byzantine, op. cit. pg. 104).

Ao final do século XVIII, o hecicasmo se expandiu para fora dos mosteiros, graças a uma obra importante saída de uma imensa enciclopédia de textos dos padres espirituais, publicada por um monge grego, Nicodemo o Agiorita e editada em seguida em Russo por Paissi Velitchkovsky e traduzida depois em várias línguas.

Esta obra, chamada “A Filiocalia dos Padres Népticos” (filocalia: amor à beleza; népticos: aqueles que praticam a sobriedade espiritual), contém numerosos textos sobre a oração incessante pelos Padres, tais como São Macário, São Isaac, São João Clímaco, São João o Hesi- casta, Diadoco de Fótico, São Simeão o novo Teólogo, São Gregório Palamas, Calixto, Inácio Xanthopoulos e etc…

A oração incessante

São Paulo (1Tess 5:16) nos prescreve: “Orai sem cessar.” Um teólogo contemporâneo sublinha: “Toda a presença do homem diante de Deus é uma oração. Mas é preciso que esta oração torne-se uma atitude constante sempre consciente: a oração deve tornar-se perpétua e ininterrupta, como a respiração, como a batida do coração” (V. Lossky, Théologie mystique de l’Eglise d’Orient, op. cit. pg. 206). As palavras chaves: oração constante, consciência, a respiração, o coração — são de fato o coração do hesicasmo, a arte da oração incessante, essa disciplina tão fácil e tão difícil ao mesmo tempo.

Qual é a forma dessa oração perpétua?

Ela é toda centrada no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Existem várias formas — todas muito curtas mas a mais utilizada é; “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador” (N.T. em nossa Igreja usamos: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus Vivo, tem piedade de mim, pecador”), ela une a súplica do publicano (Luc.18:13): “Ó Deus, tem misericórdia de mim pecador” e os gritos dos dois cegos (Mat. 9:27): “Tem compaixão de nós, filho de Davi,” A invocação que, repetida sem cessar, em geral silenciosamente, com cada respiração, torna-se por assim dizer a segunda natureza daqueles que a ela se consagra.

Certos procedimentos relativos ao domínio da respiração e ao ritmo da oração são utilizados. Esses métodos destinados a favorecer a concentração não devem ser de forma alguma considerados como os fins por si só. Não existe nenhum meio mecânico ou técnica para obter a graça de Deus. Todo o recurso dos “exercícios” que alguns comparam talvez um pouco rápido demais a práticas orientais (Yoga hindu ou dhikr muçulmano) pode ir contra os fins procurados e apresenta graves perigos. A parte mecânica é secundária e método algum pode de qualquer forma ser praticado sem o conselho de um mestre com experiência. O que conta sobremaneira é descartar todos os pensamentos, que nos assaltam sem cessar. Os mestres dizem que se trata de fazer descer o intelecto ao coração. O coração nesse sentido não designa o lado emocional, mas o ponto central do homem, o centro espiritual da pessoa, onde o intelecto e o coração se unem. A oração pois não é mais somente dita com os lábios ou pensada com a inteligência, mas é oferecida por todo o ser, intelecto, razão, vontade e corpo físico. A oração contínua conduz a um estado tranqüilo do espírito, que pela pacificação das profundezas do ser pela graça, torna-se orientada em direção a Deus.

Entende-se porque esta oração é chamada Oração de Jesus (ou a Jesus), ou Oração do Coração.

Qual é a forca e o poder dessa oração?

Enquanto invocação do poderoso nome divino, ela tem suas raízes no Novo Testamento, mas ela tem também suas origens longínquas no Antigo Testamento. O nome divino em todo Antigo Testamento é portador de poder, exprime a pessoa, e numerosos são os textos que se referem à “Santificação do nome” e “para o nome.”

No Novo Testamento, o Anjo anuncia à Maria que seu filho. “…Chamarás o seu nome Jesus porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mat. 1:21). O nome de Jesus significa: “Aquele que Salva.” São Paulo usando, um hino dos primeiros cristãos, lembra o poder desse nome, sinal e portador do poder divino:

“Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;

Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra;

E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai” (Fil. 2:9-11).

O evangelho de São João descreve o que Jesus disse a seus discípulos: “Na verdade, na verdade vos digo, que tudo quanto pedirdes ao meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de dar” (João 16:23). As referências ao poder do nome de Jesus são inumeráveis (veja por exemplo: Mac 9:38-40) e é sempre lembrado que é impossível fazer desse nome um uso eficaz se não existir uma harmonia interior entre aquele que o invoca e o Senhor. A oração de Jesus não é um meio de fugir da realidade ou uma fórmula mágica que não se vincula com a necessidade de realizarmos uma perpétua metanóia, uma penitência e nos transformamos. A invocação do nome de Jesus tem um aspecto eclesial. Este nome é um meio de nos unir à Igreja, pois a Igreja é o Corpo de Cristo. Esta oração acompanha a vida em Igreja e os sacramentos, mas não os substitui, como imaginam alguns equivocadamente.

Deve-se lembrar também que se trata de uma oração trinitária. Ela é dirigida a Jesus, Filho de Deus, Filho do Pai e embora o Espírito Santo não seja chamado, sabemos que somente pelo Espírito Santo pode-se dizer que “Jesus é o Senhor” (1Cor. 12:3). O Espírito Santo é chamado implicitamente na palavra “Cristo” que significa “unção,” ou seja, portador do Espírito. Ao repetir esta oração nos colocamos, pois, sobre o signo da Santíssima Trindade.

O padre Lev Gillet, em seu livro sobre a oração de Jesus (Un moine de l’Eglise d’0rient, La Prière de Jesus, Chevetogne, 1963), encoraja cada um de nós a praticá-la com o coração puro. Ela pode estar diz ele, “em todo o tempo, em todo o lugar; igreja, quarto, rua, escritório, atelier.” Ele acrescenta que “o nome de Jesus é um meio concreto e poderoso de transfigurar os homens em sua mais profunda e divina realidade (…); vamos em direção a eles com o nome de Jesus em nosso coração e em nossos lábios, pronunciemos silenciosamente sobre eles esse nome (que é seu nome verdadeiro); chamemo-los desse nome num espírito de adoração e de súplica.”Quando você recita a oração de Jesus lembra-te que a coisa mais importante é a humildade, vem em seguida a facilidade (…) de observar sempre o senso aguçado das responsabilidades para com Deus (…) para com o outro, para com todas as coisas.

 

Hierarquia.

Originalmente esta palavra significa “ordem sagrada.” No sentido habitual, ela carrega uma noção freqüentemente rejeitada em nossos dias, pois ela é entendida como correspondente a uma ordem injusta onde qualquer um — qualquer coisa — teria um lugar arbitrário na escala de valores. Contesta-se tal sistema onde um posto “superior” seria designado a alguns e um “inferior” a outros. Reivindica-se para cada um, um lugar igual ou pelo menos: “análogo” na sociedade.

É justamente partindo-se da palavra “análogo” que podemos tentar compreender o que é a hierarquia, para nós cristãos. Lugar análogo, sim, mas não necessariamente o mesmo. De fato, análogo significa, no contexto a cada um de acordo com seu modo, de acordo com suas forças reais e também de acordo com seus esforços. Um autor antigo, Denis o Aeropagita escreveu bastante a respeito da hierarquia celeste e da hierarquia eclesiástica entre as quais existe uma correlação estreita. De acordo com ele, a noção de analogia é importante. Ele considera que cada um recebe a luz divina na medida em que possa dela participar, e é assim que se termina seu lugar numa hierarquia “que não é deste mundo.”

Vejamos primeiro a hierarquia celeste. Nos é dito que as Potestades, os Querubins e os Serafins estão postados perto de Deus numa proximidade superior a de toda as outras ordens angélicas. Vindo a seguir as Dominações, Principados e as Virtudes. Uma terceira ordem compreende os Anjos, os Arcanjos e os Tronos. Não nos deixemos espantar com esta nomenclatura. Compreendamos apenas que isto significa que mesmo nesse contexto existem graus de proximidade em torno do Trono celeste, proximidade não no espaço mas sim, na amplitude de receber os Dons divinos.

Passemos agora à hierarquia no plano da Igreja terrestre. Trata-se aqui de diversos graus de “diaconia,” ou seja de “função.” A continuação do colégio dos doze Apóstolos é a origem da hierarquia na vida da Igreja e o bispo, sucessor dos Apóstolos, representa Cristo, que ele testemunha.

O sumo Sacerdote de nossa confissão é o Cristo (Heb. 3:1) e o bispo é aquele que na terra, o representa e recebe d’Ele seus poderes para guiar e ensinar, pela graça do Espírito à tropa confiada a seu comando, e lhes ministrar os sacramentos. O bispo delega aos padres alguns de seus poderes. A vida sacramental necessita que a Igreja tenha uma estrutura interna, uma hierarquia. O bispo preside a sua autoridade; Não a exerce sobre, mas no seio da comunidade que é o Corpo de Cristo e onde cada um por sua vez, tem sua função. Essa autoridade é aberta, discernimento, trabalho e amor. O sacramento da ordem engloba três degraus de sacerdócios episcopado, presbiterado e diaconato e duas ordens menores: subdiaconato e leitorado.

Deve-se entender tudo isto em termos de “diaconia,” de “função,” confiada pela comunidade, ao apelo de Deus, àquele que parece “capaz” e — apenas por essa razão — digno dessa diaconia. Os fiéis exclamam por ocasião da ordenação de um padre: “Axios, Axios, Axios!” que significa “Ele é digno.” O próprio Cristo dá a todos o exemplo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mat. 20:28).

Não esqueçamos jamais que Deus se manifesta plenamente a todos, ele está plenamente presente em suas energias e os seres participam nelas, elevando-se a Ele, de acordo com suas possibilidades. A salvação é oferecida a todos, mesmo ao mais humilde e sua salvação depende não de obras de mérito individual, mas da participação nesta unidade litúrgica, nesta hierarquia. A “conciliaridade” (ver Católica.) ou o acordo pleno de todos é a chave ou sinal, e o amor é o que faz a união.

Quanto mais elevado o cargo, mais pesados são os deveres e responsabilidades diante de Deus. Nem todos podem assumir os mesmos deveres mas todos são chamados à mesma salvação. São Paulo insiste no fato da Igreja ser o Corpo de Cristo, composta de diversos membros que, mesmo tendo o mesmo valor, diferem quanto a seu lugar e sua função:

“E há diversidade de ministério, mas o Senhor é o mesmo… Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil” (1Cor. 12:5-7).

Concluindo, podemos dizer que a hierarquia bem entendida, livremente aceita por todos nós é amor, é algo verdadeiro, é bem-fazê-lo, bastante diferente do que é “justo” e “injusto” no sentido jurídico e primário dessas palavras (veja também Justiça*). Em vez de contestá-la, podemos pois agradecer ao Senhor que dá e pede de cada um segundo suas forças.

Ver também Sacerdócio e Igreja.

 

Hierático.

Este termo vem de uma palavra grega que significa “o que diz respeito a coisas sagradas.” é utilizado para descrever o gesto ou atitudes rituais impregnados de uma calma e de uma dignidade que nos fazem adivinhar o mundo celeste.

 

Hino Dos Querubins.

Hino cantado no início da Liturgia dos Fiéis, durante a Grande Entrada e ao longo da qual os Dons são transferidos da mesa da Prótese até o Altar,* para a sua consagração (veja Liturgia Eucarística*).

Este hino marca o início da Liturgia dos Fiéis, que se preparam para celebrar a Eucaristia. Para que isto aconteça, eles afastam os pensamentos mundanos, seguindo o exemplo dos Querubins. Este afastamento é necessário para poderem receber o Rei de todas as coisas, que cada um acolhe ao comungar. Este momento constitui igualmente um movimento ao longo do qual a Assembléia dos Fiéis, ou a Igreja terrestre, junta-se ao coro dos anjos nos Céus, para a celebração comum do Mistério.

 

Hipostase.

Veja Pessoa.

 

Hirmos.

De uma palavra grega que significa “ligação” ou “continuação.” Nos livros litúrgicos, o hirmos designa o primeiro tropário de cada uma das odes de um cânone. O hirmos possui uma função musical: é um modelo de ritmo e de canto para a execução dos tropários que o seguem. O papel do hirmos é também textual: por seu conteúdo, ele une o tema da ode bíblica com o da festa celebrada nos tropários. Mas às vezes também o hirmos constitui uma simples paráfrase de um ou vários versos da ode bíblica, ou, ao contrário, que seja unicamente consagrado à festa celebrada. Por exemplo, no cânone das matinas de Páscoa, os hirmos cumprem bem seu papel ao celebrar a Ressurreição do Salvador graças a uma série de alusões aos temas das odes bíblicas, mostrando a realização das profecias na obra salvífica de Cristo.

 

Holocausto.

O sentido principal desta palavra é “sacrifício,” no qual a vítima é totalmente consumida pelo fogo. Ela se aplica também à própria vítima. Para os cristãos, “holocausto” significa sacrifício, oferenda total. Diz-se que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, foi oferecido em holocausto para a vida do mundo (ver Isa. 53).

 

I

 

Iconografia.

Relativo à arte e à teologia do ícone. O que é o ícone; O que ele representa na vida da Igreja e dos fiéis; O que significa sua veneração; Estas são algumas das dúvidas que alguém não prevenido pode ter ao entrar numa Igreja Ortodoxa e constatar a importância que os ícones têm — tanto materialmente quanto no decorrer dos ofícios — e a veneração da qual eles são objeto.

Existem obras bastante complexas sobre os ícones e sobre a iconografia e nos reportaremos a elas para nos aprofundarmos nesta questão (ver, em particular, Theologie de l’Icone dans l’Eglise Orthodoxe, De L. Ouspensky, Paris, Cerf, 1980, que representa uma “súmula” autorizada).

Antes de tentar responder brevemente às dúvidas acima, lembremo-nos que o ícone causou, ao longo dos tempos, querelas e controvérsias dilacerantes que testemunham a importância das questões em jogo. (Ver o vocabulário Cânone,* a respeito dos ícones e da iconografia. onde é narrada essa história e a posição dos iconoclastas que rejeitavam a veneração dos ícones e sua presença na Igreja. A vitória final dos Santos ícones, em 843, é conhecida pelo nome de “Triunfo da Ortodoxia” e é festejada no Primeiro Domingo da Quaresma*).

Nem tudo é representável no ícone. Deus-Pai, não encarnado, invisível, não pode ser representado. A pessoa incriada no Filho de Deus, Jesus Cristo, é representada, uma vez que Ele nos foi revelado. O ícone representa, não Sua natureza divina, inatingível (ver Transcendência*), mas Sua Pessoa*: na figura de Cristo, ele não representa nem Sua divindade, nem Sua humanidade, mas Sua Pessoa que une de um modo incompreensível Suas duas naturezas, sem confusão e sem divisão. Isto pode nos ajudar a compreender o elo que existe entre a encarnação e o ícone.

Está implícita toda uma teologia, pois o ícone do Filho de Deus feito homem é uma prova da encarnação verdadeira de Deus e da deificação do homem.

O que é o ícone?

O ícone é uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Mãe de Deus, dos santos, a ilustração de uma festa litúrgica. Ele é pintado segundo técnicas precisas e conforme certos “cânones” tradicionais destinados a lhes garantir autenticidade. Não se trata, pois, de um quadro qualquer sobre religião, de uma imagem piedosa aonde a realização seria deixada por conta da inspiração individual e submetida às “modas” ou aos estilos artísticos profanos. O critério não é a beleza — embora ela exista, evidentemente, mas a verdade.

Não se deve crer, entretanto, que as regras que regem a arte do ícone fazem dele algo monótono ou estereotipado. Longe disso. É suficiente comparar dois ícones que ilustram a mesma festa litúrgica pintados por iconógrafos da mesma época ou de períodos diferentes, para ver que eles são distintos entre si, embora representem uma mesma verdade. A fidelidade à tradição não é repetição, cópia, mas uma revelação sempre nova da vida interior da Igreja. O iconógrafo fala a língua de sua época e se exprime de seu próprio jeito nos moldes da tradição da Igreja.

O que representa o ícone na vida da Igreja e do fiel; O que significa sua veneração?

“Se um pagão vos pedir para lhe explicar vossa fé, dizia São João Damasceno, faça-o entrar na igreja e ponha-o de frente aos ícones.” Ao entrar na igreja, de fato, ele verá os fiéis acender as velas diante dos ícones, beijá-los, orar diante deles com veneração. Verá o presbítero e o diácono incensar os ícones e os afrescos. Por ocasião das festas litúrgicas, o ícone da festa é colocado sobre um púlpito no meio da igreja, e enfeitado com flores e venerado por todos. A vida litúrgica e sacramental da Igreja é inseparável do ícone. O ícone “é um objeto cultual no qual repousa a graça divina e faz parte integrante da Liturgia (…) é freqüentemente chamado, com razão, de “teologia por imagens” (…) Completam e explicam a Liturgia (…) Seu conteúdo e significado são os mesmos que os da Liturgia, (…) é o mesmo simbolismo, a mesma sobriedade, a mesma profundidade de conteúdo (L. Ouspensky, Essai sur a théologie de l’icone dans L’Eglise Orthodoxe, 1960, pg. 10-11).”

O ícone proclama a mesma verdade que o Evangelho, à sua maneira, representaria o mesmo papel que os escritos dos Padres. “O que a palavra comunica pelo ouvido, diz São Basílio, a pintura o mostra silenciosamente.” O ícone possui pois, uma função didática para ajudar e guiar os fiéis em suas orações e em suas vidas. O culto aos santos está ligado à veneração dos ícones, sendo estes um ponto de contato entre os vivos e mortos, entre as pessoas representadas e os Fiéis, fazendo-os comungar na graça da vida dos santos.

Lembremo-nos, a propósito de acusação de idolatria feita algumas vezes a respeito dos ortodoxos, que a veneração dedicada às santas imagens não é dirigida à madeira ou às tintas, mas sim à pessoa representada. São João Damasceno, este grande defensor dos ícones, faz uma distinção precisa à maneira que os ícones devem ser venerados e honrados e à adoração que é devida somente a Deus.

Existe muito mais a ser dito sobre o ícone e sobre a iconografia, esta imensa riqueza da Igreja. Devia-se falar da relação entre ícone e retrato (os santos são reconhecíveis), das indicações que eles dão sobre a participação do homem na vida divina, da contemplação do invisível no visível à qual ele nos convida, da realidade concreta que ele traduz (a dos textos sagrados), da sobriedade, da paz e da harmonia que eles manifestam, da expressão do dogma da transfiguração que eles oferecem. Devia-se falar também, de um tipo de loucura em Cristo pictórico que eles representam, em contradição com o espírito de “gravidade,” de “realismo,” ou de abstração ilusória da arte profana; ou dar algumas indicações sobre as razões da “perspectiva invertida” que se encontra neles habitualmente, da tez escura dos santos (o ícone representa não a carne corruptível, mas a carne transfigurada, iluminada pela graça, a graça do século futuro), das proporções não realistas dos detalhes, etc.

Nos encontramos diante de um assunto vasto e profundo, mas não é necessário ser sábio ou teólogo para receber a graça auferida pelo ícone, para beneficiar-se de suas ajudas é suficiente venerá-los e orar diante deles na vida da Igreja.

Ver também Cânone, a respeito dos ícones e da iconografia.

 

Iconostase.

A iconostase é um dos elementos arquitetônicos mais impressionantes de muitas igrejas ortodoxas. Trata-se de uma parede recoberta por ícones entre o Santuário, onde é celebrado o sacramento da Eucaristia,* e a nave onde ficam os fiéis. A iconostase que conhecemos sob uma forma que pode variar segundo as regiões e as épocas — é um fenômeno relativamente recente. As igrejas antigas do Oriente ou do Ocidente não possuíam iconostase. Nas igrejas dos primeiros séculos, o Santuário era separado da nave por um véu ou por uma barreira de altura e composição variáveis.

Após a crise iconoclasta (ver cânones, a respeito dos ícones e da iconografia.), começa um novo período no desenvolvimento da iconostase. Dos séculos XI a XIV surgiram grandes pinturas de ícones nas paredes laterais e sobre a iconostase: o ícone do Salvador, da Mãe de Deus e dos santos aos quais era consagrada a igreja.

Acima das Portas Reais, coloca-se a Déesis. Déesis significa “oração”: é a intercessão da Igreja do Novo Testamento na pessoa da Mãe de Deus à direita de Cristo e a intercessão da Igreja do Velho Testamento na pessoa de São João Batista à Sua esquerda. O ícone da Déesis é o germe que dá seqüência a todo o conteúdo temático da iconostase clássica.

A partir do século XIV apareceram, na Rússia em particular, as iconostases de várias fileiras. Em seguida as fileiras se multiplicaram, bem como os elementos arquitetônicos de todos os estilos.

Entretanto, o conteúdo iconográfico da iconostase é sempre, e em toda parte, fundamentalmente o mesmo, É característico que o termo “déesis” veio, na Rússia, a ser aplicado à iconostase como um todo. O que significa que ela representa a obra de Cristo, a economia divina por completo. Todas as fileiras da Déesis, as festas litúrgicas, os profetas, os patriarcas, os santos, os mártires, etc. não são, definitivamente, nada mais que um desenvolvimento do sentido do ícone principal, o primeiro ícone da antiga barreira do Altar: a imagem do Cristo e da Cruz.

Sobre as Portas Reais ou Santas, habitualmente, são representadas a Anunciação e os quatro evangelistas. Sob essas mesmas portas via-se a Eucaristia: transposição litúrgica da Ceia, onde Cristo dá a Comunhão aos Apóstolos, de um lado Ele estende o pão a seis deles, do outro a taça a seis outros.

Assim, diante da iconostase, seja ela qual for, deve-se lembrar que, longe de ser uma simples coleção maior ou menor de ícones, é o fruto de um desenvolvimento muitas vezes secular e orientado para um fim preciso. As figuras que ela ostenta preenchem, cumprem um papel bem definido: revelam o sentido do limite entre o Santuário e a Nave, entre o eterno e o temporal. O sentido é a interpenetração de um e de outro, sua unidade. Esta unidade é o tema essencial da iconostase. Se a Liturgia realiza e constrói o Corpo de Cristo, a Igreja, a iconostase o mostra colocando diante dos olhos dos fiéis uma imagem desse Corpo onde eles entram como membros; ela mostra o corpo da Igreja construído à imagem da Santa Trindade, imagem colocada no alto da iconostase: é a multi-unidade à imagem da tri-unidade divina.

No desenvolvimento da Liturgia é mostrada toda a economia de nossa salvação. A iconostase revela esta economia de imagens. Desta forma, o fiel participa nela pelos olhos e pelo espírito. Assim como a igreja é o espaço litúrgico que contém a assembléia dos fiéis e, simbolicamente, engloba todo o universo, a iconostase mostra o que virá, a crença da Igreja no tempo e sua vida até seu coroamento pela Parusia.

Desta forma, a vida da Igreja encontra-se aqui resumida em seu destino supremo e constante; a intercessão dos santos e dos anjos para o mundo. Todos os personagens representados estão reunidos em um só corpo. É a união de Cristo com Sua Igreja. (L. Ouspensky, Contacts, nº 46, pg. 109).

Ver também Iconografia e Cânones, a respeito dos ícones e da iconografia.

 

Igreja.

De uma palavra grega Ekklesia, que significa “Assembléia do Povo.” Ela corresponde à palavra hebraica Gahal que designa a assembléia litúrgica de Israel. A Igreja é, de fato, a reunião dos homens chamados por Deus.

Trata-se de quais homens e de qual Deus?

Quando Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, começou na terra Sua obra salvífica, foi cercado de discípulos e de apóstolos. Sobre eles foi enviado o Espírito Santo no Dia de Pentecostes, e essa comunidade constituiu a primeira Igreja. A vida nos primeiros anos desta comunidade cristã é descrita no livro dos Atos dos Apóstolos. Depois a Igreja cresceu sobre o testemunho dos apóstolos e graças ao Espírito Santo que vive nela. Ela é, pois, “Santa” e “Apostólica” e chama todos os homens a ela. É a mesma Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica, que existe hoje e contra a qual “as portas do inferno não prevalecerão” (Mat. 16:18). Ela é o edifício indestrutível feita de pedras vivas.

São Paulo, na Epístola aos Efésios (Efe.1:22-23), salienta energicamente “sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja. Que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos,” ou seja, o Espírito Santo, que é a fonte de sua vida. Esse texto de São Paulo é muito importante para compreender que as duas Pessoas divinas completam a mesma obra: elas criaram a Igreja na qual se fará a união com Deus (ver V. Lossky, Teologia Mística das Igrejas do Oriente, op. cit. pg. 171). Também pode-se dizer como Santo Irineu: “onde a Igreja estiver, lá estará o Espírito” (Contre les heresias, III, 24) e como Santo Inácio: “Onde está Cristo, lá se encontra a Igreja” (Epitre aux Smyrniotes, VIII, 2).

A Igreja é a imagem da vida divina da Santa Trindade: unidade e multiplicidade ao mesmo tempo. Ela une os seres humanos conservando a diversidade pessoal de cada um. Não existe na Igreja de Cristo conflito algum entre liberdade e autoridade, unanimidade mas não ditadura. O dom do Espírito Santo foi dado a todos: “e todos, foram cheios do Espírito Santo” (Atos 2:4). É um dom de unidade: “estavam todos reunidos num mesmo lugar” (Atos 2:1). E, ao mesmo tempo, um dom pessoal a cada um de seus membros, pois é um dom de diversidade: “línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles” (Atos 2:3). é na Igreja, por seus sacramentos, que repousam na Eucaristia, que podemos ser salvos: “a Liturgia Eucarística é a Igreja em sua plenitude” (Mgr Antoine, Conference a Notre Dame de Paris). A Igreja local é a comunidade dos fiéis reunidos em torno do bispo ou de seu representante para celebrar a Eucaristia. A Igreja Ortodoxa é a comunhão de todas as Igrejas locais que possuem, cada uma, a plenitude da catolicidade* e são unidas pela identidade de sua fé e de seu testemunho.

Ninguém é salvo sozinho. Só se é salvo na Igreja, como um de seus membros e em união com todos seus outros membros (Khomiakoff).

Não se deve confundir o “culto,” os ofícios litúrgicos, com a Igreja, embora esse culto seja inseparável da Igreja e a Igreja não possa viver sem o culto. Mas a verdadeira natureza da Igreja é a vida nova do homem em Cristo, a vida na Igreja é de se manifestar, de se realizar como “Corpo de Cristo.”

A Igreja tem aspectos visíveis e humanos, isso é evidente, mas também invisíveis, uma vez que ela é também a Igreja dos santos e dos anjos, dos vivos, dos mortos e dos que ainda não nasceram; e também aspectos divinos, como Corpo de Cristo e morada do Espírito Santo.

Existem, com certeza, fraquezas e pecados dos homens membros desse Corpo, mas a assembléia dos pecadores que se arrependem torna-se algo distinto e os ultrapassa. “Pois o homem sabe que ele é simultaneamente, pecador e transfigurado” (Mgr Georges Khodr, Contacts, nr. 93). Enquanto instituição, a Igreja apresenta imperfeições e o pecado de seus membros desbota sua imagem. Diante desse aspecto humano, fujamos da tentação do desespero:

Sendo um organismo eucarístico, a Igreja é também um milagre perpétuo. Está além de todos os nossos problemas de estruturas eclesiais, além de todos os nossos mal-entendidos canônicos e jurídicos; não percamos jamais de vista o milagre e o mistério da Igreja: o fato de que, apesar de nossas falhas humanas, a Igreja permanece sempre “Deus conosco,” o ícone da Santa Trindade (Mgr Kallistos Ware, Contacts nr. 122).

A Igreja é o lugar, o único lugar possível de reencontro pessoal com Deus vivo, o único lugar possível de nossa deificação. (ver V. Lossky, Messager de 1’Exarchat du Patriarche Russe en Europe Occidentale, nr. 30/31, pg. 185).

A Igreja, Esposa de Cristo, e nossa Mãe. O Padre João de Cronstadt, se expressa da seguinte forma: “Ela é Una como o Senhor. Seu Corpo é feito de Sua carne e de Seus ossos. Ela é a vinha viva, alimentada d’Ele e se desenvolvendo n’Ele. Não se pode pensar jamais na Igreja fora do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo.”

Um monge contemporâneo escreveu: A Igreja é o próprio Cristo, o Cristo de Deus, “o reino de Deus que está entre vós” (Luc. 17:21). Ela é o céu na terra. Seu objetivo é de habitar na terra, de não deixar o mundo escapar, uma vez que ela o prende nele, até que ela faça dele o céu” (Padre Basílio de Stravonikita, Chante d’entréee, Génève, Labor e Fides, 1980, pg. 45).

 

* * *

Quando escrevemos Igreja com maiúscula, trata-se da Igreja que falamos acima. Enquanto igreja com minúscula é a construção onde os fiéis se juntam e participam de um culto a Deus de acordo com a fé cristã.

Veja também Católica.

 

Igreja Local.

Veja Católica e Igreja.

 

Ikos.

Ver Kondakion.

 

Incenso.

O incenso é uma resina aromática que exala, ao queimar, um odor perfumado. Os magos, quando foram a Belém, levaram incenso entre outros presentes, ao Menino recém-nascido, o Deus-Homem e isso é muito revelador. De fato, já no Livro do êxodo (Êx. 30:35-37), lemos que o Senhor havia dito a Moisés, nas ordens a respeito dos perfumes que deviam ser preparados a partir do incenso e que deviam ser queimados no Altar, que esse incenso era “puro e santo,” “coisa muito Santa,” reservado a Deus (Jer. 7:9) havia recebido de Deus a advertência de não oferecer incenso a Baal (o que quer dizer falsos deuses). Isso não seria apenas inútil, mas uma traição.

Oferecer incenso, incensar, é pois oração, oferenda,* saudação, louvor. Ao cantarmos o Salmo 141 nas Vésperas ou na Liturgia dos Pré-Santificados, diz-se: “Suba a minha oração perante a tua face como incenso, e seja o levantar das minhas mãos como o sacrifício da tarde”; todo o sentido do incenso e da incensação encontram aí seu verdadeiro significado.

 

Inferno.

Este termo vem de uma palavra latina que significa “lugar abaixo,” e é correntemente considerado como lugar de suplício eterno dos condenados.

O significado do termo: “inferno” é muito complexo e deu lugar a numerosas interpretações, algumas verdadeiramente heréticas. Pode-se talvez dizer que o inferno, mais que um lugar, é um estado, estado daqueles que, após o Juízo Final, por ocasião da segunda vinda do Senhor, não quiseram se arrepender de seus pecados e não aceitaram o amor de Deus, sempre oferecido. Deus criou o homem livre, e o homem pode pois recusar, se crispar em sua recusa orgulhosa. Em definitivo, pode-se dizer, que esta recusa é o inferno.

Alguns fazem, com razão aliás, uma diferenciação entre a noção de “inferno” e de “infernos, os infernos sendo, segundo eles, a habitação dos mortos (em grego: Hades, em hebraico: Scheol) e o inferno, o tormento eterno” (Mat. 25:46), “a segunda morte” (ver Apo 20:14 e 21:8).

Trata-se, deve-se salientar, de uma realidade misteriosa que não se pode perceber de forma definitiva; no entanto cremos que Cristo desceu aos infernos, habitação dos mortos, “e pregou aos espíritos em prisão” (1Ped. 3:19).

 

Israel.

Este nome significa, provavelmente, “Deus luta” “Deus é forte,” que foi dado por Deus a Jacó, filho de Isaac, neto de Abraão, ancestral das doze tribos, após sua luta com o anjo no vau de Jaboque. Após esse combate, Jacó foi chamado Israel, pois havia sido forte com Deus (Gên 32:28).

Por extensão, esse nome foi dado ao povo judeu, povo escolhido, nação consagrada, à qual foi concedida a adoção filial, as alianças, a Lei, o culto e a promessa da vinda do Messias.

Com a vinda de Jesus Cristo, o Messias esperado, a Igreja é chamada a ser a Israel espiritual, “a Israel de Deus” (Gál. 6:16), o povo da Nova Aliança (“Novo Concerto”; Heb. 8:8). Nela acontece a assembléia dos eleitos.

Veja também Gentios e Tribos De Israel.

 

 

J

Judaísmo.

O Judaísmo é a religião dos judeus descendentes dos antigos hebreus e herdeiros de seus livros sagrados, é uma palavra que tem origem, sem dúvida, no nome de Judá, filho de Jacó, chefe de uma das doze tribos de Israel. O Judaísmo é uma das grandes religiões monoteístas (ou seja, que reconhecem apenas um Deus), começou com Abraão e encontrou seu desenvolvimento com Moisés que recebeu de Deus a Lei (Torah).

 

Julgamento.

Ver Escatologia e Parusia.

 

Justiça.

É freqüente o assunto “justiça” do Antigo e do Novo Testamento. A justiça é tratada aí em correspondência com a fé, a caridade e a vida e oposta à falta de fé, à perversidade e à morte. “Na vereda da justiça está a vida, e no caminho de sua carreira não há morte” (Prov. 12:28).

Trata-se, como se vê, de algo distinto do que evoca comumente a justiça exercida no plano humano, segundo os critérios do direito e da equidade. Com certeza, a justiça deste mundo é indispensável, mas ela não é suficiente.

Na Escritura, a justiça vai além do direito e suas leis. Isto é extremamente importante para nós, pois se no Dia do Julgamento* a justiça puramente humana fosse aplicada, não teríamos muita esperança em razão de nossos numerosos pecados. Mas Deus é Amor e Sua Justiça se alia, paradoxalmente, à Sua Misericórdia. “Mas o Senhor dos Exércitos será exaltado em juízo e Deus, o Santo, será santificado em justiça” (Isa. 5:16). A santidade de Deus é a garantia de Sua Misericórdia.

No Sermão da Montanha, o Senhor disse: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos” (Mat. 5:6). É da justiça divina que o homem tem fome e sede, aquela que “todo homem pode desejar quando se volta para o Evangelho: rico ou pobre, empregado ou patrão, nobre ou escravo, nenhuma situação aumenta ou diminui a verdadeira justiça” (São Gregório de Nissa).

É claro que a seu próprio nível o homem deve, a exemplo do Senhor, exercer a justiça para com os outros homens, uma justiça cheia de misericórdia. Lembremo-nos, a esse respeito, da parábola do credor incompassivo (Mat .18:23).

 

* * *

Ao falar em justiça, deve-se evocar a epístola de São Paulo aos Romanos, onde está dito: “Porque nele (Evangelho), se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” (Rom. 1:17). Frase misteriosa, que foi (e ainda permanece) objeto de difíceis e freqüentemente dolorosas meditações e controvérsias (em particular para Lutero). Nós não teremos a temeridade de abordar os problemas surgidos pelas noções de “justiça” e da “justificação” no contexto de interpretações legais da salvação, tais como a doutrina da “satisfação.” Dizemos, entretanto, que a justiça de Deus é, para nós, bastante diferente da “justificação” do homem para ele próprio, por suas “boas” obras.

A noção de mérito é alheia a Tradição Ortodoxa. A graça e o livre arbítrio do homem são dois pólos de uma mesma realidade. A graça não é a recompensa do mérito da vontade humana, nem a causa de seus “atos meritórios.” “A justiça das obras e a graça do Espírito, ao se unirem, preenchem de vida bem-aventurada as almas com as quais “elas se identificam,” declara Gregório de Nissa (citado por Vladimir Lossky em Théologie Mystique de 1’eglise d’0rient, op. cit. pg. 194).

Uma frase de São Irineu poderá nos guiar em nossas reflexões a esse respeito. Parafraseando Isaias, diz que “os homens serão salvos pela fé e pela caridade.” Essa declaração sucinta resume a justiça (predication des Apôtres et sés preuves, 3:87).

Ver também Glória e Graça.

 

 

K

Kenose.

Palavra grega que significa “esvaziar-se,” “aniquilar-se,” encontrou seu significado cristão no texto da epístola de São Paulo aos Filipenses:

“Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz” (Fil. 2:7-8).

Desta forma, Cristo, ao assumir a condição de homem, Se despoja voluntariamente de Suas prerrogativas. Ele Se abaixa, Se empobrece, mas — e este é o grande mistério da fé cristã — Ele o fez permanecendo Deus. Ele desceu na morte para a vida.

Deus esvazia-Se, torna-Se vulnerável, primeiro no ato da criação, depois na Encarnação, na morte e na descida aos infernos.

Trata-se, pois de uma kenose vivificante, pois Cristo, ao ressuscitar, nos faz participar da Vida divina.

Daí a exigência do evangelho: seremos um com Cristo na medida em que nos “neguemos” por Ele; e nossa “kenose” pela Cruz (Mac. 8:34-36).

 

Kondakion-Ikos.

Antigamente, chamava-se kondakion a uma longa composição poética consagrada a uma festa ou a um tema do ano litúrgico. As diversas estrofes do kondakion constituíam um desenvolvimento dos temas teológicos evocados pela festa celebrada. O kondakion começava por uma curta estrofe de introdução chamada proemion0 e seguia com uma série de estrofes mais longas chamadas ikos.

Na prática atual, apenas a estrofe de introdução (proemion) foi conservada, seguida do primeiro ikos. A estrofe de introdução tomou o nome de kondakion. O conjunto kondakion-ikos (no sentido atual da palavra kondakion) tomou lugar no ofício das matinas; o kondakion só está presente em outros ofícios (em particular na Liturgia Eucarística).

O kondakion evoca brevemente um ou vários temas da festa; esses temas são, em seguida, retomados e melhor desenvolvidos nos ikos (A.L.).

 

 

L

Laudes.

Conjunto composto pelos salmos 148, 149 e 150, nos quais, entre os últimos versos, são intercalados nos dias de festa, os estiquérios. As Laudes têm seu lugar no fim das Matinas, um pouco antes do nascer do dia, saudado pela proclamação: “Glória a Ti que nos fizeste ver a verdadeira Luz.”

Os salmos e os estiquérios das Laudes exprimem um louvor triunfal do Criador por cada uma de Suas criaturas, animadas ou não.

 

Litania.

Oração rápida pronunciada mais freqüentemente nas procissões. Na prática litúrgica atual tem dois tipos:

Litania das festas, constituída por uma procissão, ora da igreja ou do mosteiro (a procissão limita-se, com freqüência, ao nárthex), enquanto o coro canta uma série de estiquérios. Essa procissão é seguida por uma súplica com invocação de um grande número de santos e orações para todas as necessidades da Igreja e do mundo que a cerca.

Litania dos defuntos, podendo ter lugar durante a semana ao fim das Matinas e composta por uma série de tropários de orações para os defuntos, seguida de uma Litania rápida.

Seja qual for a forma, a Litania consiste, sobretudo, de uma súplica rápida da Igreja para seus membros e para o resto do mundo.

 

Liturgia.

“Liturgia” origina-se da palavra grega leitourgia, que significa: “obra” “obra do povo.” Trata-se, com efeito, de uma obra comum, uma vez que ela é presidida pelo bispo (ou pelo presbítero, em sua ausência) em nome do Senhor com a população de fiéis que são seus co-litúrgicos (ou seja, que celebram com o presbítero, eles não são passivos).

A palavra “Liturgia” é geralmente reservada a celebração da Eucaristia. (ver esta palavra, que significa: agradecimento, ação de graças, e também Liturgia Eucarística*) com a consagração dos Santos Dons e a comunhão. A Divina Liturgia eucarística é celebrada nas igrejas cristãs desde a época em que os discípulos, após o Pentecostes, “se mostraram assíduos ao ensinamento dos Apóstolos, fiéis à comunhão fraternal, à fracção do pão e às orações.”

Existem diversas tradições locais, mas a celebração da Liturgia eucarística é sempre uniforme, com algumas variações, a um esquema idêntico que remonta à tradição dos Apóstolos.

Na Igreja Ortodoxa, a Liturgia mais freqüentemente celebrada é a de São João Crisóstomo. A Liturgia de São Basílio é celebrada todos os domingos da Quaresma assim como nas Vésperas do Natal e da Teofania e no dia da festa de São Basílio (I° de Janeiro), na Quinta-feira Santa e no Sábado Santo. A Liturgia de São Tiago é a Liturgia da Igreja de Jerusalém e pode ser celebrada também no dia da festa do santo. A Liturgia de São Marcos é a da Igreja de Alexandria. Na Quaresma, celebra-se, com exceção do Sábado e do Domingo, a Liturgia dos Pré-Santificados, ao longo da qual participa-se dos Dons consagrados na Divina Liturgia eucarística do Domingo precedente.

 

* * *

A palavra grega leitourgia designava na antiguidade pagã uma função ou um serviço público. Esse termo veio designar mais particularmente o serviço do culto religioso, público na medida em que é destinado à assembléia do povo.

O termo cristão de Liturgia significa oração e ação de graças, endereçadas a Deus pela totalidade de Seu Povo, ou seja, a Igreja. As celebrações litúrgicas são ordenadas segundo os diferentes ciclos do dia, da semana e do ano, e seu objetivo é o de santificar cada instante da vida pela oração, ou, segundo as palavras do Apóstolo Paulo, de redimir o tempo (Efe. 5:16 e Col. 4:5), de orar sem cessar (1Tes. 5:17). As celebrações divididas entre os diversos momentos do dia constituem dessa forma, os marcos da oração incessante recomendada pelo Apóstolo. A oração da Igreja permite que o tempo não passe em vão, mas sirva para a preparação da Vinda do Reino.

 

Liturgia Eucarística.

Celebração em cujo decorrer tem lugar a Eucaristia,* fundamento da Igreja e sacramento por excelência. A palavra eucaristia vem do grego e significa “ação de graças.” Pela Liturgia eucarística, o homem dá graças a Deus, O agradece por todas as coisas.

Por ocasião da última Ceia com Seus discípulos, Jesus lhes deu como alimento Seu próprio Corpo e Seu próprio Sangue (Mat. 26:26-29). Ele lhes convida a repetir esse ato: “Fazei isso em memória de mim” (Luc. 22:19), engajando Sua presença a cada assembléia eucarística. Assim, pela participação a essa assembléia, as gerações sucessivas de fiéis recebem os mesmos Corpo e Sangue do Salvador.

A celebração se compõe de duas partes principais: Liturgia dos Catecúmenos (ou da Palavra) e Liturgia dos Fiéis. A Liturgia da Palavra compreende essencialmente a leitura do Novo Testamento (Epístola e Evangelho) e uma homilia. Sua função é de instruir na Palavra de Deus os catecúmenos (aqueles que se preparam a receber o Batismo) e os fiéis.

É ao longo da Liturgia dos Fiéis, reservada em princípio somente aos batizados, que tem lugar a Eucaristia propriamente dita. O pão e o vinho, destinados a tornarem-se Corpo e Sangue do Salvador, foram preparados durante uma cerimônia especial chamada Preparação (ou Proscomídia, Ofertório ou Prótese) e que acontece antes do início da Liturgia dos Catecúmenos. Na Grande Entrada, os Dons assim preparados são solenemente colocados sobre o Altar para serem consagrados. Esta consiste de uma oração longa chamada Anáfora* (ou Cânone Eucarístico) e constituída de várias partes: ação de graças, memória das etapas sucessivas da Obra Salvífica de Cristo (em particular a Santa Ceia.) e, por fim, a invocação ao Pai para que Ele envie o Seu Espírito Santo sobre os fiéis e sobre os Dons.

 

Livros Litúrgicos.

Os fiéis ortodoxos, às vezes, ficam espantados com a quantidade de livros litúrgicos utilizados pelo clero e pelo coro durante os ofícios. De fato, o rito bizantino não possui nada parecido com os breviários ou missais latinos. Ele conservou a diversidade de textos que existia no ocidente antes da Idade Média. Um mesmo ofício exige o emprego de vários livros e um conhecimento profundo do typicon (livro que contém, detalhadamente, as regras a seguir na celebração dos ofícios).

Cada ofício é composto por uma parte fixa e por elementos que dependem do Calendário Litúrgico*: datas, festas e tons. É necessário, pois, nos ofícios, agregar as estruturas de base, o que corresponde ao dia em que o ofício acontece, ou mesmo suprimir certos textos.

Os principais livros litúrgicos são:

Os textos das Divinas Liturgias (de São João Crisóstomo, São Basílio e dos Pré-Santificados).

O Horológio, ou Oração das Horas, que contém os ofícios cotidianos (fora da Liturgia). Esses ofícios são essencialmente o Orthos (as Matinas e as Laudes), as Horas (Primas, Tércias, Sextas, Nonas), as Vésperas e as Completas.

O Octoéquo, “Livro dos Oitos Tons.” São textos poéticos dos diferentes ofícios, repartidos em oito semanas correspondendo a oito modos musicais, cada modo possui textos que lhes são próprios.

Os Menólogos, livros que, para cada mês, contém dia a dia os ofícios das festas fixas, em particular a dos santos.

O Eucológio, ritual que reúne os diferentes ofícios sacramentais (Batismo e Crisma, Penitência, Casamento, Funerais, Consagração de uma igreja, etc.) e as orações para diversas circunstâncias.

Todos os ofícios litúrgicos comportam a recitação de diversos salmos (inteiros ou em parte), reunidos no Saltério.

As perícopes — passagens — Evangelhos e Epístolas lidos ao longo da Liturgia são, habitualmente, como as leituras do Antigo Testamento, tiradas da Bíblia. Às vezes fazem parte de volumes separados.

Durante o período que precede a Páscoa, a Igreja utiliza um livro particular, o Triódio; da Páscoa ao Pentecostes, esse livro é substituído pelo Pentecostário.

Os fiéis dispõem de diversas compilações e manuais de orações ortodoxas.

 

Logos.

Ver Cristo, Messias e Verbo.

 

Luz Incriada.

Ver Essências e Energias Divinas.

 

 

M

Magos.

Ver Astrologia.

 

Mandamentos.

Ver Decálogo e Tábuas Da Lei.

 

Messias.

De uma palavra hebraica que quer dizer: “consagrado por uma unção.” Cristo (em grego Christos) tem o mesmo sentido. A espera messiânica atravessou toda a história de Israel. O povo judeu sempre esperou o Messias anunciado pelos Profetas do Antigo Testamento, que é representado como um Messias terrestre, um ungido de Deus, um rei procedente da casa de Davi, e recebeu às vezes o aspecto de uma figura celeste, um ser sobrenatural associado a Deus, em vantagem em relação aos homens.

Para nós passa-se de outro modo, as profecias do Antigo Testamento são lidas pelos Cristãos à luz do mistério de Cristo, como o próprio Senhor o mandou: “Examinais as Escrituras porque Vós cuidais ler nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” (João 5:39).

É assim que são compreendidos em particular os textos do Antigo Testamento que anunciam o Messias: Jesus Cristo é o Messias descendente de Davi, nascido em Belém, o Rei anunciado por Zacarias, o servo sofredor de Isaías, a criança Emanuel anunciada por Isaías, o Filho do Homem de origem celeste anunciado por Daniel. Esse Messias é o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade. Ele mesmo testemunhou ao sumo-sacerdote que o interrogava: “És tu o Cristo, filho do Deus Bendito; “Jesus disse-lhe: “Eu o sou” (Mac. 14:61-62).

 

Metanóia.

Esta palavra, que vem do grego metanóia, designa a conversão, o arrependimento,* a volta, ou melhor o “retorno.” Essa mudança de sentimento, de direção, essa alteração de perspectiva, esse “restabelecimento” por assim dizer que se opera pelo arrependimento.

Já no Antigo Testamento, Deus havia dito pela boca do profeta Ezequiel (Eze. 33:11), que ele não quer a morte do pecador, “mas que se converta e viva.” Se arrepender e viver — retorno a Deus pela Igreja — isto se faz por um sacramento que se exprime pela confissão* e se realiza com a absolvição.*

A Igreja insiste fortemente sobre a união do corpo e da alma, e os fiéis manifestam seu humilde arrependimento e seu sentimento do tamanho da misericórdia de Deus não apenas por um movimento da alma, mas por gestos físicos, as prostrações chamadas metanóias. Existe a pequena metanóia, aquela que o fiel se inclina e toca o solo com a mão direita, e a grande metanóia, quando se inclina completamente, tocando a testa no solo.

 

Mirófora.

Portadora da mirra. Designa-se assim as mulheres que após ter “olhado de longe” (Mat 27:55) a crucificação do Senhor, se dirigiram ao túmulo ao terceiro dia, a seguir ao Sabat, para ungir com aromas o Corpo de Jesus. Foram elas as primeiras a anunciar a nova da Ressurreição.

A presença entre as miróforas de Maria de Magdala (ou Maria Madalena) é confirmada pelos quatro evangelistas. Maria, mãe de Tiago (segundo os sinópticos.) Salomé (segundo São Marcos) e Joana (segundo São Lucas) e “outras mulheres” (segundo São Lucas) o acompanharam depois à Galiléia.

 

Misericórdia.

As diferentes palavras hebraicas e gregas que se traduzem habitualmente por misericórdia tem um conteúdo extremamente rico que só se pode definir reunindo o significado de termos: ternura vinda das entranhas, perdão pelas infidelidades, paciência, compaixão, fidelidade, bondade, graça e clemência.

O Antigo Testamento reteve o grito dos pecadores que imploram a misericórdia de Deus: “Tem misericórdia de mim ó Deus, segundo a tua benignidade” (Salmo 51) e que aguardam com esperança: “porque a sua benignidade é para sempre” (Salmo 136) do “Deus misericordioso e piedoso,” como ele mesmo se definiu a Moisés (Êx. 34:6). Este aspecto de Deus — ligado à sua Justiça* e ao arrependimento (ver Penitência) do homem — é assim sublinhado no Antigo Testamento onde significa, sobretudo, paciência e exigente fidelidade de Deus a Israel.

Nosso Senhor Jesus Cristo proclama a boa nova da misericórdia. Para nós cristãos, a misericórdia de Deus é um dom gratuito. É a obra de Deus, “Pai das misericórdias” (2Cor. 1:3), que não rejeitou para sempre sua criatura caída, mas guiou-a pela Lei, os profetas, os santos e resgatou-a por seu Filho que morreu por nós, “sendo nós ainda pecadores” (Rom. 5:8) e “que Sou manso e humilde de coração” (Mat. 11:29). Ele é nosso “misericordioso e fiel sumo-sacerdote” (Heb. 2:17) que nos alcança Sua misericórdia, a nós pecadores (Mat. 5:7).

Cristo nos recomenda para sermos misericordiosos como “Vosso Pai é misericordioso” (Luc. 6:36). O amor de Deus somente habita naqueles que exercem para com a misericórdia (João 3:17). Assim seremos julgados segundo a nossa misericórdia (Mat. 25:31-46).

 

Mistério.

Segundo o dicionário, essa palavra significa seja o que é mantido secreto (“carregado de silêncio”), reservado aos iniciados, seja dos dogmas,* verdades de fé inacessíveis à razão.

Para os cristãos a palavra mistério se aplica ao que está além da compreensão, de onde a definição e a explicação, não é a realidade Divina ao qual eles participam não pelo intelecto, mas pela Graça do Espírito Santo. Assim diz-se que a Eucaristia e os outros Sacramentos* são mistérios. Da mesma forma tudo o que concerne a encarnação de Cristo, Sua morte e Sua Ressurreição constitui o Mistério da Salvação. São Paulo revela aos colossenses a carga que Deus, “que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus; o mistério que esteve oculto, desde todos os séculos… e que agora foi manifesto… que é Cristo em vós” (Col 1:25-27).

Os padres da Igreja* e os teólogos fizeram freqüentemente alusão ao “mistério,” contemplação do invisível.” Mas se nosso Deus é um Deus escondido, eles sublinharam, é também um Deus que nos é revelado como Pessoa e como Amor : “revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto. Mas que se manifestou agora” (Rom. 16:25-26).

Assim pois mistério não significa algumas doutrinas secretas, reservadas a uma elite, ou coisas proibidas e incompreensíveis. Toda verdade nos foi revelada pelo Senhor e a nova é dada a todos os homens nas Escrituras. O que é “escondido” e que permanece “mistério” é o sentido completo que não nos é ainda totalmente conhecido, mas que será no Reino. Quando estivermos no movimento incessante em direção a Deus, transformados de “claridade em claridade” é que se nos revelará inesgotavelmente o mistério da vida da Trindade Santa.

 

Ver Também Igreja e Sacramentos.

 

Morte.

Ver Escatologia.

 

N

Nepsis.

Ver Escatologia.

 

O

Oblação.

A história bíblica nos ensina a universidade da oblação ou oferenda, sacrifício ritual, oferenda de animais ou de produtos do solo, com uma diversidade muito grande de ritos.

Cristo veio e Se ofereceu Ele mesmo em sacrifício para nossa salvação. Tornou-se o Cordeiro imolado. Doravante, após esta oblação do Filho de Deus, não há mais necessidade de sacrifícios sangrentos. Fomos salvos (Redimidos; Heb. 9:15-28).

O que é pedido agora, são “Sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus” (1Ped. 2:5). E cada vez que a Eucaristia é celebrada na Igreja, é a oblação do Senhor que é representada nesse mistério*: “Com atenção para oferecer em paz a Santa Oblação.”

 

Ver também Anáfora, Proscomídia, Oferenda.

 

Ode.

Ode bíblica no ofício das matinas existe um conjunto de nove cânticos ou orações tiradas da Santa Escritura. Este conjunto é chamado “cânone.”* Cada uma dessas orações foi pronunciada por um personagem do Antigo ou do Novo Testamento. O conteúdo dessas orações nos remete à vinda do Messias; por esse motivo cada um dos cânticos foi escolhido e integrado na oração da Igreja. A segunda ode só é utilizada durante a Grande Quaresma. Contudo o cânone só é composto de algumas odes escolhidas entre as nove, estando as duas últimas sempre presentes.

A palavra ode designa também um conjunto de tropários consagrados à festa ou ao Santo do dia, e intercalados entre os últimos versículos das odes bíblicas. O número de tropários é variável segundo os cânones. O primeiro tropário é chamado hirmo e o último, consagrado à Mãe de Deus, theotokion.

Na prática atual, as odes bíblicas são freqüentemente omitidas e a execução do cânone é reduzida somente aos tropários.

 

Oferenda.

Dom oferecido. Ao longo da Divina Liturgia, o presbítero pronuncia as palavras: “…Aquilo que é Teu, recebendo-o de Ti, nós Te oferecemos por todos e por tudo.” Reconhecemos desta forma que tudo o que temos vem de Deus. Como diz o Eclesiastes (Ecl. 9): “Dê ao Altíssimo como Ele te deu.”

Desta forma a oferenda é o ato sacrificial mais antigo; Caím e Abel: cada um apresentou sua oferenda a Deus (Gên. 4:3-4) que agrada a um e rejeitou o outro. Durante toda sua história, Israel ofereceu a Deus oferendas — primícias, dízimos, sacrifícios para os pecados. Todas essas oferendas eram prefigurações do único sacrifício salvífico, o do Senhor Jesus que “se ofereceu a Si mesmo” para a salvação* dos homens (Heb. 9:14).

Como diz uma oração secreta do presbítero: “Pois és Tu que ofereces e és oferecido. Tu que recebes e és distribuído, ó Cristo nosso Deus!” Na Liturgia que comemora o único Sacrifício do Senhor, nós oferecemos não somente os Santos Dons (ver Holocausto* e Oblação), “dom de paz, sacrifício de louvor,” mas nós mesmos, uns e outros, e conosco toda a criação. É esta oferenda que nos permite realizar o objetivo de nossa vida: a comunhão com Deus e com os outros.

Ver também Anáfora, Eucaristia, Proscomídia.

 

Oração.

O Apóstolo Paulo nos manda, em sua Epístola aos Tessalonicenses, “Orai sem cessar” (1Tes. 5:17). Em uma outra epístola (1 Tim. 2:1-8), indica diversos aspectos da oração.

…”antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões e ações de graça por todos os homens;… Isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.”

O próprio Senhor utilizou estes modos diferentes de oração nos dando o exemplo. Devemos orar todo o tempo, em todo lugar, em toda ocasião, para pedir, suplicar, implorar o perdão das faltas, prometer, agradecer, dar graças (ver Ação de Graças*)… e, às vezes, apenas balbuciar. São Isaac o Sírio (VII séc.) diz que a oração é uma conversa que se faz com Deus em segredo. Trata-se — como repetem os Padres da Igreja — de uma relação pessoal do homem com Deus. “É o elo entre os seres racionais com seu Criador” (São Gregório Palamas).

Essa relação é pessoal, mas não individual, o que significa, como sublinha o Padre Georges Florovsky, que a ‘oração privada’ somente é possível no contexto da ‘oração celestial’. “Ninguém é Cristo por si só, mas somente enquanto membro do Corpo de Cristo. Mesmo na solidão de seu quarto, um cristão ora como membro da comunidade resgatada da Igreja” (Prayer, Private and Corporate, citado por T. Ware em L’Orthodoxie, pg. 403). Trata-se de uma participação na vida divina, na vida trinitária. Formamos, todos juntos, um só corpo, conservando cada qual nossa realidade pessoal. Para ser uma pessoa verdadeira, devemos estar em comunhão com Deus e com todos os outros.

As orações tradicionais que os fiéis fazem em casa vêm, em parte, dos textos litúrgicos e das Santas Escrituras. Existem diversos livros e manuais de orações ortodoxos. Devemos saber, entretanto, que os textos litúrgicos não são obras coletivas. Quase todos foram compostos por homens (ou mulheres) freqüentemente conhecidos. Aqui, já estamos na comunhão dos santos.* A leitura das Escrituras — os Evangelhos e os Salmos em particular — faz parte de nossa vida de oração. A oração litúrgica e a oração privada se completam, têm o mesmo objetivo: a união da alma purificada com Deus.

O corpo também é envolvido no ato de orar: os gestos que o acompanham fazem participar todo nosso ser. Um espiritual contemporâneo, o Bispo Antoine, que escreveu páginas notáveis sobre a oração, insiste no fato de que a vida e a oração são inseparáveis:

Uma vida sem oração é uma vida que ignora uma dimensão essencial da existência (…) O valor da oração consiste em descobrir, afirmar e viver o fato de que tudo tem uma dimensão de eternidade e que tudo tem uma dimensão de imensidão (…) Não orar é deixar Deus de fora, excluir, e não apenas Deus, mas tudo o que Ele significa para o mundo que Ele criou, o mundo em que vivemos.

Para aprender a orar deve-se, inicialmente, diz ele, fazer-se solidário de toda a realidade do homem, de seu destino e do mundo inteiro. E este é o ato essencial que Deus realizou na Encarnação. “É o aspecto total do que chamamos intercessão.”

Oramos para os santos* e para os anjos* intercederem por nós. Oramos para nós mesmos e para os outros, para os vivos, para os mortos (ver a esse respeito Escatologia.), “para os que nos amam e os que nos odeiam.” Nossa oração deve ser compreendida como um engajamento. Não poderíamos, em verdade, orar por aqueles a quem não estivéssemos prontos a ajudar.

O sentido da oração seria incompreensível sem a confiança de quem ora no poder da oração, na força de Cristo operando pelo Espírito. São João Cássio, citando as palavras do Senhor: “Tudo que pedirdes, orando, crede recebereis e tê-lo-eis” (Mac. 11:24); “se tiverdes fé como o grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá — e há de passar; e nada vos será impossível” (Mat. 17:20);…”qualquer que pede recebe; e quem busca acha, e a quem bate abrir-se-lhe-á (Luc. 11:9); e ainda: “E tudo quanto pedirdes na oração, crendo, o recebereis” (Mat. 21:22) — e acrescenta: “Pois o que nós precisamos para sermos atendidos e obtermos satisfação é a fé no cuidado de Deus para conosco e a confiança de que Ele tem o poder de atender o que se Lhe pede.” Quando o Senhor diz: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mat. 18:20) é Cristo que está presente, ou seja, a Igreja passada, presente e futura.

São João Cássio lembra que “nenhum pensamento de desespero deve vir abalar a firmeza de nossa fé quando nos apercebemos que não obtivemos o que pedimos; e não duvidemos da promessa do Senhor.” Devemos voltar à palavra do evangelista João a esse respeito: “E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1Jo. 5:14). Também nossa fé confiante deve nos fazer acrescentar a todas as nossas orações, como o Cristo: “todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mat. 26:39). Nos falta, com freqüência, clarividência em nossas demandas; por isso devemos entregar tudo em Suas mãos.

Um, outro esforço nos é demandado o de nos deixar transformar pelo fato da oração. De fato, do jeito que queremos ficar no momento da oração, do mesmo modo precisamos nos esforçar para ficarmos antes.

Não são nossas emoções, nossos sentimentos, que fazem a boa oração. Teófano, o Recluso, diz a esse respeito:

Não procureis saber se vossas emoções foram profundas ou se você compreende melhor as coisas divinas. Perguntei -vos: Será que compreendendo melhor que antes a vontade de Deus; Caso sim, a oração trouxe seus frutos, caso não, ela passou ao lado de seu objetivo.

 

* * *

A única oração que Cristo nos deixou é a Oração do Senhor : “Pai nosso..,*” que repetimos diariamente e que, segundo São João Cássio, contém toda plenitude da perfeição, aconselhamos ao leitor ler o que o Padre Boris Bobrinskoy escreveu a respeito dessa oração em “Deus está Vivo,” pg. 468. Ver também, nesse mesmo livro, o texto da oração da Quaresma dita “de Santo Efrém,” pg. 464, um comentário dessa oração, assim como de várias outras.

 

* * *

A ‘Oração de Jesus’ é uma curta invocação profundamente enraizada no espírito do evangelho e que ocupa um lugar importante na vida dos ortodoxos (ver Hesicasmos*).

A vida dos monges, é bom lembrar, é consagrada à oração, “arte das artes e ciência das ciências.” Eles oram pelo mundo inteiro. O Patriarca Justiniano da Romênia apontou um aspecto importante desta oração perpétua: “os monges realizam o dever da oração em favor daqueles que não podem orar e, especialmente, daqueles que não oraram jamais.”

 

* * *

Agora, para concluir, o texto de uma belíssima oração matinal escrita no século XIX por Filareto, Metropolita de Moscou — exemplo, entre outros, da permanência da criação litúrgica na Igreja:

Acorda-me, Senhor, para acolher em paz o dia que se levanta; ajuda-me, em todas as coisas, a apoiar-me na Tua Santa Vontade; a cada hora do dia revela-me a Tua vontade. Abençoa meu comportamento com meus companheiros; ensina-me a aceitar com a alma serena todos os imprevistos do dia e dá-me a convicção profunda de que nada me acontecerá que não seja com Teu consentimento. Guia meus pensamentos e meus sentimentos em todas as minhas palavras e todas as minhas ações, e que eu me lembre que todo acontecimento imprevisto o é com Teu consentimento. Ensina-me a agir com firmeza e sabedoria, sem exercer de aflição ou de opressão para com os outros. Dá-me a força de suportar todas as fadigas deste dia; dirija minha vontade; ensina-me a orar, ora em mim. Amém.

 

Oração De Jesus.

Ver Hesicasmo.

 

Oração Do Coração.

Ver Hesicasmo.

 

P

Padres De Igreja.

Todos os autores cristãos dos primeiros séculos de nossa era não estão colocados num mesmo plano. Entre os que são considerados como os verdadeiros “Padres” da Igreja, venerados e amados como tal, e que a autoridade e a santidade fizeram deles testemunhas privilegiadas do ensino e da Tradição,* pode-se citar Santo Irineu, São Gregório de Nazianzo, São Basílio, o Grande, São João Crisóstomo (estes três últimos sendo os “Três Grandes Hierarcas”), São Gregório de Nissa. São João Damasceno, São Máximo, o Confessor, São Simeão, o Novo Teólogo e vários outros. A lista não é fechada e nossa época talvez produza novos “Padres,” pois o Espírito está sempre em ação.

Citando a frase do Padre Georges Florovsky: “A Igreja é verdadeiramente apostólica, mas é também verdadeiramente patrística,” o padre João Meyendorff sublinhou, que não se pode permanecer fiel ao Evangelho sem saber como os “Padres” defenderam-no. Nós os chamamos de “Padres,” porque a Igreja reconheceu neles como sendo aqueles que souberam transmiti-la em uma língua compreensível a seus contemporâneos.

Lembremos que não é suficiente estudar os escritos dos padres de uma maneira intelectual. Devemos mergulhar na experiência vivida e verdadeira da Igreja que é a mesma fonte do que os Padres escreveram em seu tempo e que deve ser aquela a qual devemos beber também hoje.

 

Paixão De Nosso Senhor.

O próprio Cristo anunciou várias vezes a Seus discípulos, que “o Filho do Homem sofreria muito, seria rejeitado pelos anciãos, sumo-sacerdotes e escribas, seria morto, e, ao terceiro dia ressuscitaria” (Luc. 9:18-22, Mac. 8:31, Mat. 16:21).

Todos os acontecimentos relativos a esses sofrimentos, o mistério da morte de uma das Pessoas da Trindade,* de Deus feito homem na Cruz, Sua descida aos infernos,* a tudo isso chama-se os três dias da Paixão de Nosso Senhor (O Triódio Pascal). Um dos mistérios mais profundos de nossa fé é essa humilhação e essa morte do Filho de Deus que é entretanto na glória da eternidade. No Jardim das Oliveiras, ele chorou, orou, pediu ao Pai que esses sofrimentos e essa morte lhe fossem poupados, que “afaste esse cálice,” depois, imediatamente após, Ele disse: “Todavia não seja como Eu quero, e sim como Tu queres” (Mat. 26:39). E aceitou as injúrias, as bofetadas, o sofrimento e a morte.

O Padre Lev Gillet escreveu:

A natureza humana de Jesus em Sua Paixão experimentou todas as tentações e inseguranças onde nossa natureza é susceptível, Sua natureza divina permaneceu entretanto na paz perfeita… “Não existe amor maior que o de dar a vida por quem se ama.” Nesta frase está contida a explicação mais completa, mais profunda da Paixão do Salvador. O maior amor é máximo. Exige o dom que conduz até a morte. O Gólgota: não uma exigência de justiça, uma exigência de amor (Jesus, simples regard sur le Seigneur, Chevetogne, 1967, pg. 164-165).

Assim a Cruz do sofrimento é também a Cruz da Luz pois “a alegria veio ao mundo” (matinas).

 

Pantocrator.

Palavra grega que significa “todo Poderoso,” literalmente “Que possui todas as coisas” ou “Senhor de todas as coisas.” Existe um tipo de ícone dito “Cristo Pantocrator” que manifesta sob os traços do Filho encarnado a Majestade Divina do Criador e Salvador do mundo, Senhor de todas as coisas. Geralmente pintado sentado sobre o trono de glória, o Cristo Pantocrator abençoa com a mão direita e segura na mão esquerda um livro ou um rolo sobre o qual pode-se ler versículos do Santo Evangelho. Este ícone ilustra a visão profética do Salmo: “O Senhor reina, está vestido de majestade; o mundo também está firmado, e não poderá vacilar” (Sal.93).

 

É um Cristo Pantocrator que está representado no ícone da Déesis com a Mãe de Deus e São João Batista a seu lado, intercedendo a Ele pelo mundo, sobre a iconostase das igrejas (Ver Iconostase*).

Da mesma forma, no centro do ícone do julgamento final, encontra-se freqüentemente tal representação de Jesus juiz vindo em Sua glória julgar os vivos e os mortos.

O ícone do Cristo Pantocrator é colocado nos nichos de várias igrejas. Os mosaicos e os afrescos bizantinos são geralmente monumentais, o que acentua o aspecto de poder do Senhor Mestre do Universo.

Ele é o “Senhor de tudo,” o “Verbo de Deus,” o “Rei dos Reis e Senhor dos Senhores,” “o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida” (Apoc. 7:17). Ele é “imagem de Deus invisível, (…) é nele que foram criadas todas as coisas (…) visíveis e invisíveis (…) porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse” (Col. 1:15-19). Ele que estava no princípio (…) com Deus (…) Todas as coisas foram feitas por ele e sem ele nada do que foi feito se fez.” Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo. 1:1).

Cristo, Senhor de todas as coisas, juiz justo, é também Deus Misericordioso que ama os homens e no qual, o amor nos é sempre oferecido.

 

Parasceva.

Véspera ou “preparação” do Sabat, ou seja sexta-feira. A semana, que dá ritmo à atividade do homem, tem sempre na Bíblia um significado e um papel importante, pois tem por modelo a atividade criadora de Deus,.

Como Deus “repousou” no sétimo dia de Sua Criação, é o sétimo dia da semana, o sábado ou Sabat, que no Antigo Testamento era o dia do repouso da santificação. E é ainda hoje assim para os judeus.

Para os cristãos, é o dia da Ressurreição de Jesus Cristo, o Domingo, que é o primeiro dia, o dia do Senhor. Ele começa a semana e anuncia o Dia da Segunda Vinda de Nosso Senhor, a Parusia..

Quanto à sexta-feira, ela tem um significado próprio como cada dia da semana. Comemora a Sexta-feira Santa, Dia da Crucificação do Senhor e os textos litúrgicos desse dia o recordam.

Uma santa muito venerada, particularmente na Rússia e na Grécia, chama-se Parasceva (ou Prascovia) nome que é a tradução da palavra grega que significa “preparação” (do Sabat). O Tropário cantado no dia de sua festa (26 de Julho) sublinha que ela mereceu esse nome pois estava sempre “preparada” para o combate pela fé e a fazer de sua vida uma oferenda,* como Cristo na Cruz, na Sexta-feira Santa.

 

Parusia.

De um vocábulo grego que significa “presença.” A Igreja espera a Parusia, a Segunda Vinda do Senhor. Ela espera e ela se lembra (ver Anamnese*), significa que não se deve, aliás, pensar em termos de tempo humano, tempo fechado.

Por ocasião da Ascensão do Senhor, dois anjos apareceram aos apóstolos que o olhavam para o céu e lhes disseram:

“Varões galileus, porque estais olhando para o céu; Esse Jesus que dentre vós foi recebido em cima do céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir” (At. 1:11).

Esta Segunda Vinda de Cristo, o Dia do Senhor, será um dia de glória, marcará o triunfo de Cristo sobre todas as forças do mal, a inauguração do Reino de Deus. Nesse dia, todos os homens ressuscitarão com um corpo transfigurado, e toda a criação será transformada: nova terra e novo céu.

Esse dia será também o dia do Julgamento,* quando o Senhor “virá cheio de glória para julgar os vivos e os mortos” (Credo; Mat. 25:31; Rom. 2:5-11).

Não se deve especular a data ou maneira dessa vinda. O próprio Senhor alertou seus discípulos contra o desejo de saber quando acontecerá a Parusia (Mat. 24:36). Mas devemos nos preparar para ela conscientes de que Ele é um Juiz Justo e também o Deus da misericórdia* pelo qual o amor é sempre oferecido aos homens, para que eles se abram a esse amor. A Parusia tem um aspecto duplo: temível, pois seremos julgados — esperançoso pois a vinda de Cristo vai inaugurar definitivamente o Reino de Deus.

“Assim também Cristo (…) aparecerá segunda vez sem pecado, aos que o esperam para a salvação” (Heb. 9:28).

 

Patena.

Em grego diskos: é um prato redondo, sobre o qual o presbítero coloca o Cordeiro, a parte central da prósfora, que será consagrada como Corpo de Cristo. Os outros pedaços são em seguida colocados ao lado e embaixo do Cordeiro, para representar a Mãe de Deus, São João Batista, os profetas, os apóstolos, os mártires, os santos, o episcopado, os vivos e os mortos.

 

Penitência.

O “Vocabulaire de Theologie Biblique” (Cerf) contém uma nota extremamente útil sob a rubrica “Penitência/ Conversão.* Aconselhamos sua leitura aos que pretendem se aprofundar nos diversos significados bíblicos desses termos. Distingue-se nessa nota as noções de arrependimento moral, de volta interior (metanóia: o arrepender, a penitência) e de conversão, que exige que se afaste dos ídolos para se voltar (epistrephein) em direção ao Deus Vivo. Dessa volta a Deus deve resultar uma mudança da conduta prática.

Para certos católicos romanos de hoje em dia, o termo penitência evoca a princípio aspectos de “satisfação” e de “expiação” da penitência, tal qual foi determinado no Concílio de Trento (séc. XVI).

Os ortodoxos não se sentem nem um pouco à vontade com essas noções um tanto quanto jurídicas de “satisfação” que aliás, se eles representavam antigamente um conjunto de atos ascéticos, não consistem nos dias de hoje nada além que a repetição de algumas orações.

O termo “arrependimento” é conseqüentemente preferido ao termo “penitência” por vários ortodoxos, mas a palavra penitência não é de todo descartada dos livros e textos escritos ou traduzidos por ortodoxos contemporâneos, textos nos quais encontramos lado a lado as palavra: “penitência” e “arrependimento.”

 

Pericorese.

Ver Páscoa, Trindade e Catolicidade.

 

Pessoa (Hipóstase).

Na Igreja, ouvimos freqüentemente a expressão: “Um Deus em Três Pessoas.” Sabemos, de fato, que nosso Deus é um Deus pessoal; não uma única pessoa, mas uma trindade de Três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus não é apenas unidade, mas união, pois as pessoas divinas são “unidas sem confusão: distintas, porém não divididas” (São João Damasceno). Cada uma das três Pessoas da Trindade habita nas outras duas, em razão de um movimento perpétuo de amor (o que designa a palavra ‘pericorese’, que significa interpenetração, reciprocidade, fluxo de vida).

Deus é uma essência em três Pessoas. Nesta expressão, a palavra “pessoa” é freqüentemente substituída por “hipóstase” (pessoa vem do latim “persona”: máscara, e corresponde à palavra grega “hopóstasis”: o que se põe por cima, o que se sobrepõe”). Assim, diz-se que a união das duas naturezas em Cristo — a natureza divina e a natureza humana — é uma união “hipostática,” quer dizer, da pessoa. Não podemos aqui entrar em explicações difíceis desses termos, nem estudar a distinção entre natureza e pessoa, mas deve-se compreender que, na teologia ortodoxa, a “hipóstase” designa a “pessoa,” e que “Deus Se fez homem para nos comunicar a plenitude da existência pessoal.

De fato, estas palavras se aplicam também aos homens. Todos os homens possuem uma natureza comum que nos parece fragmentada pelo pecado, dividida em vários indivíduos. Ou, não se deve confundir, como o fazemos com freqüência, “indivíduos” e “pessoas.” Indivíduos, parcelas da natureza humana decaída, aquilo que chamamos liberdade, a submissão aos caprichos, aos desejos, às paixões e a vontade própria, que afirmamos nossa natureza, opondo-a aos outros como nosso “eu” egoísta e separado. Tudo isto é causa de sofrimento e de morte. Mas não somos apenas isto.

Somos, ou antes, nos tornaremos pessoas enxertadas no Corpo de Cristo e recebendo a unção do Espírito pelo Batismo, pelo Crisma, ou seja, os sacramentos e a vida em Igreja. É enquanto pessoa que o homem deve se realizar e tornar-se livre frente à natureza comum para não ser determinado por ela. Para que alguém “seja” realmente, é necessário que ele seja uma “pessoa” (hipóstase) e que ele esteja em relação de “comunhão” (pericorese) com Deus e com os outros, pois a pessoa humana, à imagem de cada uma das Pessoas Divinas, só existe em relação com as outras pessoas.

A pessoa é criada à imagem de Deus. Cada qual é única, indefinível, insubstituível. É na Igreja que a unidade primordial dos homens enquanto pessoa será restabelecida como Corpo de Cristo, reflexo da vida divina da Pessoa da Trindade Santa.

E isto, porque a pessoa não é uma entidade estática, fechada nela mesma, mas uma realidade dinâmica, chamada a realizar “livremente” sua semelhança divina. Ela se determina por sua relação universal de comunhão com Deus e com os outros. Ela é chamada a conhecer Deus e a tomar parte de Sua vida. Enquanto imagem de Deus, o homem é um ser pessoal, diante de um Deus Pessoal. A imagem de Deus e o homem enquanto pessoa. Realizar sua salvação é receber a vida da Trindade, é fazer-se à imagem da Trindade na comunhão de todos.

Ver também Trindade.

 

Portas Reais.

Ver Iconostase.

 

Precursor.

Aquele que “vem antes,” que “anuncia.” João Batista é chamado o Precursor de Nosso Senhor, pois ele foi o profeta que anunciou aos homens a aparição do Messias,* Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ele veio um pouco antes d’Ele, percorrendo a região do Jordão, pregando um batismo de arrependimento, para a remissão dos pecados, dizendo:

“Voz que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor: endireitai no ermo vereda a nosso Deus” (Isa. 40:3).

A multidão que lhe perguntava se ele era o Messias esperado, o Cristo, João respondeu:

Eu na verdade, batizo-os com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do que eu,… esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo (Luc. 3:16).

E ainda, ao ver Jesus dirigindo-se a ele:

“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Este é aquele do qual eu disse; Após mim vem um varão, que foi antes de mim, porque já era primeiro do que eu… Eu vi e tenho testificado que este é o Filho de Deus” (Jo. 1:29-30,34).

Filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, que era estéril, prima de Maria, Mãe de Nosso Senhor, ele teve uma concepção miraculosa. Após a Anunciação, Maria foi visitar Isabel que estava grávida e, assim que esta escutou a saudação de Maria, a criança “estremeceu em seu seio” e “Isabel ficou cheia do Espírito Santo.” Ela exclamou:

“Bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. E donde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?” (Luc. 1:42).

Foi João Batista quem batizou Nosso Senhor Jesus Cristo no Jordão. Jesus testemunhou várias vezes Batista que Herodes prendeu e mandou matar.

Com João Batista conclui-se a Antiga Aliança e começa a Nova.

 

Presbítero.

Ver Sacerdócio e Hierarquia.

 

Pretoria.

            Quer dizer a residência do pretor. O governador (ou procurador) da Judéia, que residia normalmente em Cesaréia, se instalava habitualmente na Pretória, quando subia a Jerusalém e ali tinha seu tribunal. Foi lá que aconteceu o processo romano do Senhor.

 

Profeta.

Um profeta é um homem escolhido por Deus para anunciar, pela graça do Espírito, Sua palavra e Sua Lei a Seu povo.

Numerosos foram os profetas dos quais lemos as proezas e os testemunhos do Antigo Testamento. Entre eles: Moisés, Samuel, Davi, Elias, Eliseu. Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Jonas, Habacuque, Oséias, Miquéias, Joel e Malaquias.

Em Sua vinda, Nosso Senhor foi cercado de profetas: Zacarias, Simão, a profetiza Ana e, sobretudo, João Batista, o Precursor* que assegurava ver n’Ele Aquele que devia vir o Messias, a Salvação do mundo. O próprio Jesus foi, às vezes, chamado profeta pelo povo (Mat. 16:14), mas Ele está acima de toda escala de profetas, pois Ele é o Verbo,* a Palavra de Deus feita carne.

 

Propiciatório.

A palavra propiciação significa “cobrir,” “expiar,” “suprimir,” “que tem a virtude de tornar propício,” ou seja, favorável. No Templo,* o propiciatório era uma mesa de ouro que encontrava-se embaixo da Arca. (Êx. 25:17). O Sumo-Sacerdote. realizava ali o rito sacrificial, a aspersão de sangue. Propiciação é entendida, às vezes, por “expiação” (Lev. 16), “purificação,” para tornar “Deus propício,” ou antes, o homem agradável a Deus.

A Epístola aos Hebreus (Heb. 5:7) assimila o papel redentor de Cristo à função do Sumo-Sacerdote no “dia da expiação,” entendida como “súplica,” “intercessão,” “perdão.” Assim, o Evangelista João, em sua primeira Epístola (1Jo. 2:1-2) escreveu: “E Ele é a propiciação pelos nossos pecados,”

Ver também Arca Da Aliança, Templo e Tenda.

 

Proscomídia. (Ou Protése)

Ofício que se desenrola no início da Liturgia* eucarística, sobre uma mesa situada atrás do altar* e à sua esquerda (do ponto de vista dos fiéis). É o ofício da preparação dos Santos Dons destinados ao Sacrifício, ou oblação,* evocando a imolação do Cordeiro e o sacrifício do Senhor sobre a Cruz. É, em todo caso, a prefiguração do sacrifício que a Liturgia atualiza (ver Anamnése e Eucaristia).

Várias referências do antigo Testamento, aos Evangelhos, às Epístolas são feitas durante a preparação dos presbíteros e o Ofício da Proscomídia (por exemplo, Êx. 15:6-7; Sal. 5:16(17), 17(18), 25(26), 44(45), 92(93), 118(119), 131(132), 132(133), Isa. 53:7; 61:10, Jo. 1:29;

29:34-35; Mat. 2:1; etc.)

Ao longo deste ofício, o presbítero fraciona e separa de uma prósfora (ver Santos Dons.) um cubo de pão chamado Cordeiro que será consagrado na Liturgia dos Fiéis, num lugar sobre a patena onde serão acrescentadas outras parcelas extraídas das outras prósforas e das que serão levadas aos fiéis. Noutra parte, o diácono (ou presbítero) verte no cálice do vinho misturado com água que, durante a Epiclese,* será transformado e se tornará o Sangue de Cristo.

Enquanto o Presbítero faz o gesto necessário à proscomídia, ele recita os versículos da profecia de Isaías (capítulo 53) que prefiguram a Paixão do Senhor. Ele termina por uma oração pedindo ao Pai para abençoar a prótese, para aceitá-la sobre Seu altar celestial e para proteger os celebrantes e os fiéis “sem pecado na realização dos Santos Mistérios.”

 

Prósforas.

Ver Proscomídia e Santos Dons.

 

Protése.

Ver Proscomídia.

 

Providência.

Esta palavra é empregada freqüentemente para designar a ação de Deus no mundo, a suprema sabedoria de Deus que conduz todas as coisas, ou mesmo o próprio Deus que ajuda e protege. Assim, a Providência é vista como participação de Deus em nossa vida. Noção bastante diferente daquela de “destino” inevitável dos pagãos, uma vez que Deus respeita a liberdade do homem, que pode aceitar ou recusar a via proposta por Deus.

 

 

Q

Quaresma.

Do latim guadragesima dies: “quadragésimo dia.” Essa palavra designa os períodos onde somos convidados a jejuar e a se arrepender. A Igreja, que olha o homem como um todo, corpo e alma, exige sempre que ele participe por inteiro do arrependimento. Existem quaresmas diferentes, de duração e intensidade diversas. A Grande Quaresma é a que começa sete semanas antes da festa de Páscoa.

 

Querubins.

Segundo as Santas Escrituras, o número de anjos — os mensageiros de Deus — é imenso (Dan.7:10). Eles repartem-se, tradicionalmente, segundo uma hierarquia misteriosa da qual fazem parte os Querubins.

São João Crisóstomo diz que a palavra “Querubim” significa “sabedoria” ou “plenitude da ciência” (“Sobre a Incompreensibilidade de Deus,” 724 D.S.C,* n° 28). Trata-se de uma atitude de contemplação a Deus e da transmissão desse conhecimento.

No livro do Êxodo (Êx.25:18-22), Deus, ao dar a Moisés as descrições relativas à construção da Arca* do Testemunho, indica:

Farás também dois Querubins de ouro nas duas extremidades do propiciatório (…) do meio dos dois Querubins, tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.

O Hino dos Querubins, cantado no momento da Grande Entrada, durante a Liturgia: “Nós que misticamente, representamos os Querubins,” exprime fortemente que nós nos preparamos para concelebrar a Liturgia celeste com os “Poderes Bem-aventurados.”

Ver também Anjos.

 

 

R

Redenção.

De uma palavra latina que significa “resgate,” “remissão.” O homem havia sido criado por Deus à Sua imagem e semelhança para participar da Vida divina. Ele tornou-se, com a queda, escravo do pecado e da morte, e a semelhança foi assim perdida. E disto, deste pecado e desta morte que Deus quis salvá-lo.

Ele não cessou de velar por ele e lhe enviou os Profetas. para anunciar a salvação vindoura. Como diz Isaías (Isa. 63:9): “Pelo Seu amor e pela Sua compaixão Ele os remiu.” O próprio Deus encarnou-Se, tomou nossa carne, salvou-nos por Sua Paixão* e Sua Ressurreição*.

Para restituir o homem à sua vocação primeira, Cristo desceu voluntariamente aos Infernos.* Ele nos redimiu da morte do pecado, pois, por Sua Ressurreição e Sua Ascensão, Ele colocou nossa natureza à direita do Pai, permitindo nossa união a Deus pela Graça.

 

Ressurreição.

Ver Deificação, Escatologia, Parusia, Redenção, Salvação.

 

Revelação.

Revelar significa: “tornar conhecido o que era desconhecido.” No caso da revelação divina, trata-se da ação de Deus deixando conhecer aos homens as verdades que sua razão não saberia descobrir. Esta é uma definição de dicionário.

O que é ela para os cristãos?

De início deve-se saber que se trata de revelação por e sobre Deus e Seus desígnios sobre os homens nas diversas religiões. Essas revelações se efetuam de diversas maneiras, algumas vezes pela iluminação e visões de um único homem que se torna o fundador de uma religião.

Entretanto, não foi assim que se passou com a Bíblia. No Antigo Testamento, temos um conjunto muito vasto de textos revelados ao longo de quinze a vinte séculos da história dos homens, por patriarcas, profetas,* reis e santos. Esses homens e essas mulheres foram escolhidos por Deus que lhes falou: “muitas vezes e de muitas maneiras” (Heb. 1:1) e lhes revelou Suas instruções e Seus desígnios. Sua palavra é Revelação e Presença ativa. No seio da história humana, Deus não cessou de manifestar Sua presença por Seus gestos e Suas palavras. Nestes textos, vemos aparecer com freqüência, como em transparência, o anúncio profético da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo (Isa. 7:14 e 9:6), por exemplo.

Estas revelações ainda eram obscuras e parciais; depois veia e Encarnação* do Filho de Deus, o “Verbo Se fez carne” e deus nos fala pelo Filho (Heb.1:5). E o profeta Simeão, tomando o menino Jesus nos braços, pôde dizer:

“Agora Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra:

Pois já os meus olhos viram a tua salvação,

A qual tu preparastes perante a face de todos os povos;

Luz para alumiar as nações e para glória de teu povo Israel” (Luc. 2:29-32)

De fato, Deus disse: “Que das trevas resplandecesse a luz,” é quem resplandesceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, que está na face de Jesus Cristo (2 Cor. 4:6).

O Novo Testamento apresenta o cumprimento, a realização da Revelação. O Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, disse: “Eu sou a verdade,” e foi Ele que nos foi revelado.

A totalidade da Fé nos foi revelada em Jesus Cristo de uma vez por todas. A mensagem apostólica presta testemunho, através dos textos (ver Escrituras*) e da tradição oral, mas os homens, na liberdade que Deus lhes deu, podem experimentar esta revelação em níveis diferentes e sob diferentes formas (Jean Meyendorff, “Iniciação à Teologia Bizantina”). Compreendemos, por esta frase, que a mensagem da Revelação, tal qual nos foi dada no Novo Testamento, não se trata de verdades abstratas, mas sim de uma Pessoa, o Cristo. O cristianismo é uma experiência viva onde a integridade da Revelação é confiada à Igreja e onde o conteúdo é transmitido de geração em geração por toda a comunidade da Igreja. Não se trata de idéias, de conceitos intelectuais, de opiniões individuais, de filosofia. A experiência autêntica dos santos, dos membros da Igreja, é idêntica à dos Apóstolos e dos Padres. O conteúdo da fé — a Revelação,* a Pessoa* de Cristo* — tal e qual nos é dada na Escritura revelada, é imutável. Estas são as formulações da fé e suas implicações com o mundo que podem ser precisadas, e isto sobretudo uma vez que é necessário refutar interpretações falsas.

Em suma, poder-se-ia dizer que a Revelação é o que, pela graça do Espírito Santo, os Apóstolos “escutaram,” “o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida” (1Jo. 1:l) e nos transmitiram nas Escrituras.

O Novo Testamento inteiro manifesta a revelação de Deus em Jesus Cristo, revelação por Sua vinda, Seus milagres, os sinais, a Paixão, a descida aos infernos, a Ressurreição, o Espírito Santo enviado sobre os Apóstolos.

No livro do Apocalipse (esta palavra significa Revelação) que finaliza a Bíblia, é a luz da Revelação final da vinda de Cristo em Glória, que nos é anunciada para o fim dos tempos.

 

 

S

Sabaoth.

Palavra hebraica que significa provavelmente “Senhor dos Exércitos” — não apenas os exércitos de Israel, mas todos os poderes celestes postos por Deus a serviço de Seu povo, em particular quando Ele combatia com eles. Esse nome é freqüentemente associado ao de Javé, nome pelo qual Deus Se chamou (Êx. 3:14).

Na visão de Isaías (Isa. 6:3) que está inserida no nosso Santos,* os Serafins gritam uns aos outros: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos: Toda a terra está cheia da sua glória!”

 

Sacerdócio.

Esta palavra significa: “o que se reporta à pregação e às suas funções: a função do presbítero existe em muitas religiões desde os tempos mais remotos. São freqüentes os assuntos de sacerdócio e função sacerdotal do Antigo Testamento. Mas essas expressões se revestem de significados diversos de acordo com a época e o meio. Todo o povo de Israel tinha um caráter sacerdotal. Lemos no êxodo: “e vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo” (Êx.19:6)

Para os cristãos, a noção de sacerdócio evoca, de início, Cristo, único Sumo-Sacerdote* onde, na Epístola dos Hebreus (Heb.7:24), diz que “possui um sacerdócio perpétuo.” O Senhor, “Apóstolo e Sumo-Sacerdote da nossa confissão” (Heb.3:1), realiza o sacerdócio de presbítero-rei” anunciado por Melquisedeque (Gên.14:17-20; Sal. 109(110), Heb.7), figura profética do Cristo. A passagem do Novo Testamento onde se encontra o tema do Êxodo sobre o sacerdócio universal do povo de Deus figura na Primeira Epístola de São Pedro:

“Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1Ped. 2:5)

Os Apóstolos representam a vida cristã em seu conjunto como participação de todos nesse sacerdócio real. O Espírito Santo, de fato, desce sobre todo o povo de Deus: todos, em Cristo, são sacerdotes-reis, pois eles têm a responsabilidade de representar eucaristicamente o conjunto de criação pelo dom deles mesmos:

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncies as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Ped 2:9).

Não existe função “clerical” alguma que não seja em união direta com a comunidade.

Já nas comunidades cristãs primitivas, os apóstolos chamavam certos responsáveis “anciãos” — mesmo que não fossem velhos — (ancião é a tradução de presbítero, palavra que originou o termo “padre”).

Existe, na Igreja, um ministério ordenado feito de bispos, sucessores dos apóstolos, presbíteros e diáconos, cada qual com suas responsabilidades próprias. O bispo pode delegar aos presbíteros o poder de presidir a Assembléia Eucarística, mas presbíteros e bispos existem desde os tempos apostólicos. É o bispo que, num dado lugar, é colocado por Deus para guiar o rebanho colocado sob sua guarda. É ele quem vela pela Igreja, anuncia a Boa-nova, preside a celebração da Divina Liturgia eucarística, testemunha fiel do Santo Evangelho e da Tradição. Tem, pois, a tripla função de dirigir, ensinar e presidir a celebração dos sacramentos.

Em resumo, o bispo — ou aquele que o representa — é aquele que, exercendo seu sacerdócio na Igreja, em união com todos os fiéis, “vaga sem cessar a serviço do Altar e de Deus” (S. Irineu) como servidor do Senhor e recebe, pois, a graça particular por sua função.

Ver também Hierarquia.

 

Sacramento.

Os sacramentos são o próprio centro da vida da Igreja. São definidos pelo dicionário como “atos rituais sagrados, destinados à santificação dos homens.” Os gregos chamavam-nos mistérios.* De fato, esses atos “misteriosos” constituem uma restauração do homem por completo, em sua dignidade de homem criado à imagem de Deus e destinado a tornar-se semelhante a Ele. “A possibilidade de “estar” em Cristo, de participar da vida divina (que é o estado “natural” da humanidade), é essencialmente manifestada nos sacramentos,” escreve o Padre Jean Meyendorff (“initiation à Ia Theologie Byzantine,” op. cit. p. 253). O Padre Staniloac sublinha que esses são “os meios pelos quais se fortifica nossa união com Deus.”

Os sacramentos são considerados, não tanto como atos isolados pelos quais uma graça “particular” seria concedida aos indivíduos pelos ministros especialmente designados, mas antes, como os aspectos de um Mistério único da Igreja, no qual Deus compartilha a vida divina com a humanidade, resgatando o homem do pecado e da morte. O mistério cristão é um mistério único, onde os diversos atos sacramentais exprimem aspectos diferentes. Eles são pessoais: por eles, a graça de Deus se manifesta pessoalmente ao fiel, que é cada vez chamado pelo seu nome. Para a maior parte dos sacramentos, a Igreja utiliza elementos materiais — água, vinho, pão, óleo — e faz deles veículos do Espírito.

A teologia ortodoxa nunca se manifestou formalmente sobre um número preciso de sacramentos, mas quase todos os autores aceitam a lista clássica, de origem ocidental, dos sete sacramentos: Batismo, Crisma, Eucaristia, Ordenação, Casamento, Arrependimento (com a Confissão e a Absolvição) e Unção dos Enfermos. Outros, juntam a essa lista: a Consagração de uma Igreja, o Ofício Fúnebre e a Tonsura Monástica.

Cabasillas chama aos sacramentos “mestres-de-obra de Deus,” “portas da justiça,” que “dão acesso à felicidade celeste.”

 

Salmistas.

Chama-se “salmistas” aos autores inspirados dos 150 salmos contidos no Livro do Salmos do Antigo Testamento. Atribui-se numerosos salmos a Davi, “o suave em salmos de Israel” (2 Sam. 23:1).

Os salmos resumem toda a Escritura e os cristãos lêem neles o anúncio dos mistérios de Cristo, da Igreja e de seus sacramentos, o arrependimento, a súplica, a alegria, as ações de graça, o louvor, cantado nos salmos, são os nossos. É por isso que os salmos não são textos referentes somente ao passado, mas ocupam um lugar destacado nos ofícios litúrgicos e na vida dos ortodoxos.

 

Salvação.

Quando rezamos no Credo; (O Senhor Jesus Cristo) “que por nós homens e para a nossa salvação se encarnou pelo Espírito Santo no seio de Maria Virgem e se fez homem,” afirmamos que a Encarnação* aconteceu para nossa salvação. A Santa Escritura nos diz: “(…) isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem” (1Tim. 2:3).

Tínhamos necessidade de sermos salvos, porque depois da “queda” de Adão surgiu uma nova forma de existência: a do pecado, da doença e da morte. Adão, criado livre, afastou-se livremente de Deus, negando sua vocação: que era a de viver em comunhão com Deus e de esperar a união com Ele através da graça incriada. Ao se separar de Deus que é a vida, por sua desobediência, ele passou ao poder do pecado e do demônio.

Por sua Encarnação, o Verbo de Deus modificou radicalmente a história. Unindo nele a humanidade e a divindade. Ele abriu de novo ao homem a via de união com Deus. Por Sua morte e Sua ressurreição, pôs de novo a semelhança em poder do homem. Os padres da Igreja* repetem sem cessar: “Deus se fez homem por natureza, para que o homem torne-se Deus pela graça.”

O homem criado à imagem de Deus, é chamado apesar da queda a realizar livremente sua semelhança divina. A imagem deformada não é destruída. O homem não é uma unidade estática, fechada, mas uma realidade dinâmica, capaz de se abrir e levar nela um misterioso desejo de Deus. A isto Deus responde. Não deixa o homem ir à deriva; Ele envia em seu imenso amor, Seu filho ao mundo para salvá-lo. Jesus significa: “Aquele que liberta, que salva.”

Deus desce em direção ao homem para permitir ao homem que suba em Sua direção. A descida de Deus até os limites de nossa decadência, até à morte, abre para o homem uma via de ascensão, uma via de união. O filho de Deus desceu dos céus para realizar a obra de nossa salvação, nos libertar das presas do demônio, destruir a dominação do pecado e arrasar a morte anunciando a ressurreição de todos os homens; a humanidade caída foi salva por Ele:

“O homem precisava ser santificado pela humanidade de Deus, precisava que Ele mesmo nos libertasse em triunfo do tirano por Sua própria força, que Ele nos chamasse para Ele por Seu Filho que é o Mediador fazendo tudo para a honra do Pai, ao qual Ele obedece em tudo (São Gregório de Nazianzo).”

 

Santo.

“Um só é Santo, um só é o Senhor, Jesus Cristo, para a glória de Deus-Pai. Amém.” É o que respondem os fiéis durante a Liturgia eucarística, quando o celebrante anuncia: “Os Santos Dons aos Santos.” De fato, “Santo” é o nome verdadeiro de Deus, do Deus Vivo, o Altíssimo, o único.

Mas deus fez o homem à Sua Imagem e cada homem é chamado para santidade. São Paulo chama os cristãos de “santos” (Rom. 1:7) por vocação. Cada um de nós recebe nos sacramentos uma semente de santidade que depende dele fazê-la frutificar. A vida eterna começa aqui embaixo e, alguns, desde esta vida, participam plenamente da Santidade do Senhor: estes são os santos.

A via de santidade, quer dizer, a aquisição do Espírito Santo, é a dos mandamentos e das beatitudes; a humanidade, o amor aos inimigos, a alegria pascal, a oração perpétua, a pobreza, a atenção, a vigilância na luta contra todas as paixões. Sua transparência a sua ausência de vontade individual permitem à luz de Deus brilhar sobre o santo. É esta luz divina que o transfigura, faz dele um “vivo” que santifica tudo à sua volta e que permite a Deus realizar milagres por meio dele. O corpo dos santos às vezes é transfigurado de maneira manifesta pela luz divina. São Serafim de Sarov apareceu luminoso como o sol e seu discípulo Motovilov. Epifânio, em sua ‘Vida de São Sérgio de Radonege’ conta que, após sua morte, o corpo do santo resplandecia de glória. Os livros consagrados às palavras e ensinamentos dos Padres do Deserto (Apotegmas) relatam com freqüência fenômenos deste gênero, por exemplo: Abba José, Abba Pambo e Abba Silvano.

Cada Santo é único e toda a condição pode ser santificada. Assim, existem santos anárgiros (que se ocupam da graça), santos iconógrafos, santos príncipes, santos monges, santos mártires, santas mães de família, etc… Existem também o: “loucos em Cristo,” que simulam a loucura, procurando a humilhação, proclamando o Reino e orando secretamente pelo mundo.

Ver também Comunhão dos Santos e Santo, Santo, Santo.

 

Santos Cremes-Crisma.

Do grego khrisma: “óleo.” O Santo Creme — ou Myron — é um óleo composto de óleo de oliva e de diversos bálsamos preciosos, consagrados pelo Espírito Santo invocado pelos bispos e do qual uma parte é conservada em cada igreja.

A Crisma, que é a unção desse Santo Creme, é feita logo após a imersão do batismo. O presbítero unge a fronte, os olhos, as narinas, a boca, as orelhas, o peito, as mãos e os pés do novo batizado, dizendo a cada unção: “O Selo do Dom do Espírito Santo.” O cristão que foi incorporado a Cristo pelo batismo, recebe assim o Dom do Espírito Santo e torna-se membro do povo de Deus. Um teólogo contemporâneo escreveu:

A Crisma aparece como o sacramento do sacerdócio real… Todo crismado é “portador do espírito.” a o batismo de fogo que vivifica e dinamiza o batismo de água (O. Clement, L’Eglise Orthodoxe, pg. 82).

Desta forma, pela crisma tornamo-nos os “ungidos,” ou seja os “cristos.” Cristo (essa palavra significa: “Ungido” e “Messias”) nos transmite a Unção (crisma) onde Ele é o próprio ungido. Lemos a esse respeito na “La Vie en Christ” de Nicolas Cabasilas (séc. XIV):

O próprio Jesus é chamado o Ungido, na que alguém lhe tenha ungido a cabeça, mas em razão do Espírito Santo (que Deus lhe comunicou) e graças ao qual tornou-se um tesouro de energia espiritual na carne que assumiu. Ele não é apenas o Ungido, mas também a Unção: Teu nome é um óleo espargido” (Cântico dos Cânticos 1:3)… Desde então, a unção se espargiu em sua carne. Cristo tornou-se realmente e é chamado Unção; se comunica para Ele o que é tornar-se a unção e a aspersão.

 

Santos Dons.

Chama-se desta forma, o pão e o vinho que durante a Liturgia* — comemoração da Santa Ceia* — serão transformados pelo Espírito Santo em Corpo e Sangue de Cristo e serão dados em comunhão aos fiéis. Originalmente, o pão e o vinho eram levados pelos próprios fiéis (a palavra prósfora usada ainda hoje em dia significa (“oferenda”).

Nós oferecemos no pão e no vinho, toda a nossa vida e o mundo inteiro em ação de graças (Eucaristia*) benefícios recebidos de Deus para o Sacrifício de Cristo “isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a Si mesmo” (Heb. 7:27). Os Santos Dons são preparados no início da liturgia ao longo de um ofício chamado proscomídia,* que insiste no Sacrifício do Senhor: o Corpo será despedaçado, o Sangue “derramado” para a remissão dos pecados.

Ao longo da Grande Entrada, os Santos Dons são solenemente levados para o Altar onde serão santificados. No momento da epiclese,* após ter proclamado: “Recebendo-o de Ti nós Te oferecemos por todos e por tudo, o padre pede ao Pai para enviar o Espírito Santo sobre nós e sobre os Dons aqui presentes.” Depois ele dirá: “os Santos Dons aos Santos,” pois o Corpo e o Sangue de Cristo devem permitir aos cristãos* reunidos em Igreja receber a ação vivificante do “Sacrifício não Sangrento,” sendo os cristãos “Santos” (Rom. 1:7).

Ver também Oferenda e Anáfora.

 

Santo, Santo, Santo.

Os anjos louvam Deus perpetuamente. O profeta Isaías fala dessa louvação em uma visão:

“Eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono… Serafins* (ver Anjos*) estavam acima dele… e clamavam uns para os outros dizendo: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos, toda a terra está cheia de sua glória” (Isa. 6:1-3).

No último livro da Bíblia, o Apocalipse, aparece essa mesma louvação cantada pelos quatro viventes: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir” (Apoc. 4:8).

Este hino de vitória — ou doxologia* — é retomado na Liturgia,* no momento solene da grande Oração eucarística. O coro canta “Sanctus” em tom triunfal:

Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus Sabaoth, o céu e terra estão cheios de sua glória. Hosana nas alturas.

Um pouco antes após a Pequena Entrada, durante a primeira parte da Liturgia* (liturgia dos catecúmenos), um hino de louvor é cantado igualmente após a oração ao longo da qual o padre diz: Mestre e Senhor, nosso Deus, Tu que firmastes no céu… etc.

Esta louvação é o Trisagion: “Deus Santos, Santos Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós.” Este canto no sentido trinitário forte, de uma louvação a Deus três vezes Santos, a Deus Uno em Três Pessoas, em todas as horas e modelos de orações. Faz parte também de um rito fúnebre, pois ele traduz o triunfo da vida eterna sobre a morte e anuncia a Ressurreição.

 

Santuário.

De uma palavra latina que significa: “lugar santo.” O templo de Jerusalém era composto de três partes correspondendo respectivamente ao nartex (ou parte exterior), à nave e ao santuário de nossas igrejas.

Às vezes chama “santuário” a todo edifício da igreja. Contudo esta palavra se aplica precisamente à parte da igreja situada atrás da iconostase,* trata-se do lugar santo onde se realiza o sacramento eucarístico. Encontra-se habitualmente na parte oriental do edifício, de tal forma que a igreja fique voltada para o Oriente. Léonide; Ouspensky, em seu livro sobre a Teologia do ícone (op. cit. pg. 27), sublinha a esse respeito que:

Isto se explica por sua vez pelo passado e pelo futuro que nos lembra a Igreja, de um lado o paraíso perdido que se encontrava no Oriente, de outro lado e sobretudo, o acontecimento que virá do Reino para o qual é orientado toda a vida do cristão; o Reino de Deus é freqüentemente… chamado o oitavo dia da criação. A vinda desse “dia sem declínio” que esperamos e que preparamos, seu nascimento, é simbolizado pelo nascer do sol, o Oriente.

O altar* está colocado no meio do santuário diante das portas reais. À esquerda do altar e um pouco mais distante está a mesa chamada de proscomídia,* onde se faz a preparação do sacrifício eucarístico (ver Eucaristia.). Estão também dentro do santuário, um candelabro de sete braças, um trono destinado ao bispo, e o necessário para lavar as mãos.

O santuário reservado ao clero e aos que ali precisam fazer um determinado trabalho, representa simbolicamente o santuário celeste onde Cristo entrou, “o sumo-sacerdote” (Heb 9:11), a morada de Deus, o “lugar onde Cristo, Rei de todas as coisas, reina com os Apóstolos” (São Germano). Ali são colocados numerosos ícones de acordo com as possibilidades; os de Cristo, da Mão de Deus Orante, da Comunhão dos Apóstolos, do Pentecostes, dos Santos Padres, os Santos Hierárquicos e os Santos Diáconos.

Quando as portas reais se abrem durante a Liturgia,* e durante toda a semana pascal, isto indica que o próprio céu se entreabre e nos deixa entrever seu esplendor.

A idéia que encontramos na primeira epístola de São Pedro, segundo a qual o povo de Deus constitui um templo que se edifica e onde é oferecido “sacrifícios espirituais” (1Ped. 2:5), nos lembra como diz São Paulo (Efe. 2:20-22) que em Deus somos assim integrados à construção deste templo de Deus vivo, “edificados para morada de Deus em Espírito.”

Assim, nosso coração, imagem do santuário da igreja é o lugar onde prestamos um culto interior e um sacrifício a Deus.

 

Segunda Vinda.

Ver Parusia.

 

Serafins.

Os anjos dividem-se tradicionalmente em várias categorias, entre elas encontra-se os Serafins. O termo “Serafim” vem de uma palavra hebraica que significa: “espírito celeste,” “aquele que queima,” “boca de fogo” (São João Crisóstomo, Sobre a Incompreensibilidade de Deus, S.C. n° 28). Para Denis o Aeropagita, o que revela o nome dado aos Serafins é o poder que eles tem de elevar, e de iluminar com a Luz divina, os que estão abaixo dele: “lhes inflamando de forma que tenham o mesmo calor que eles mesmos, sua virtude purificadora semelhante à do (…) holocausto. (A hierarquia celeste, S.C. nº (58).

Quando cantamos à Mãe de Deus: “Tu (…) incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins,” é em seu caráter luminoso que podemos pensar, pois foi ela que fez brilhar “o Sol de Justiça” (matinas da Natividade) e que é vista como uma “lâmpada luminosa” e uma chama de “brilho múltiplo” (sétima ode das matinas da Anunciação).

 

Setenta.

A tradução grega do antigo Testamento dita dos Setenta (LXX), data de mais de dois mil e duzentos anos e é utilizada (retraduzida em outras línguas) na maioria das Igrejas Ortodoxas hoje em dia. Ela foi feita para colocar a mensagem bíblica ao alcance do mundo grego, aproximadamente no século III antes de Jesus Cristo, a partir do hebreu, por setenta e dois judeus do Egito.

Para os Padres da Igreja e para os autores do Novo Testamento, é a versão dos Setenta que é o texto autêntico por excelência, ao qual eles se referiam habitualmente. Mas, eles, recorriam freqüentemente também ao texto hebreu. Desta forma, o elo que une a versão dos Setenta ao Novo Testamento, aos Escritos dos Padres da Igreja e aos textos litúrgicos, explica o lugar que ela ocupa na tradição ortodoxa.

Ver também Escritura.

 

Símbolo.

O símbolo é uma realidade no mundo visível que corresponde e é ligada a uma outra realidade — maior — às vezes também visível, às vezes invisível, mas sempre além do que está sendo representado, e que o símbolo torna presente. Seu sentido é inesgotável. É uma realidade viva, não apenas uma imagem alegórica, mas uma verdade misteriosa que deve nos ajudar a nos transformar, incitando-nos a ir em direção ao que está sendo simbolizado, e a nos unir a ele. Exemplo de símbolos: o Sol de Justiça* (o Senhor), a Sarça Ardente (a Mãe de Deus).

  1. Ouspensky escreveu:

A cruz (…) em aritmética é apenas um sinal que indica adição, no código de transito ela anuncia o cruzamento de duas estradas, mas para nós cristãos, é um símbolo onde se exprime e se transmite o conteúdo inesgotável do cristianismo (Essai sur Ia Théologie de l’ícone dans l’Eglise ortodoxe, Paris, op. cit. pg. 18).

 

Símbolo Da Fé.

Ver Credo.

 

Sinédrio.

Tribunal composto de sacerdotes, anciãos e escrivãs, que dirigiam Jerusalém e julgavam os assuntos criminais.

 

Sinergia.

“Colaboração” entre a graça divina e o ato livre do homem no caminho em direção a Deus.

Ver Graça e Theotokos.

 

Sinópticos. (Evangelhos)

São os três Evangelhos, segundo São Mateus, São Marcos e São Lucas, muito diferentes do Evangelho de São João, eles apresentam entre si tantas semelhanças que podem com freqüência serem alinhados em colunas e confundidos quando “vistos de relance,” que é o significado da palavra de origem grega “sinóptico.”

Somente São Mateus era apóstolo; mas logo nos primeiros séculos reconheceu-se que os Evangelhos de São Marcos e São Lucas refletem, respectivamente, a catequese de São Pedro e São Paulo. O Evangelho de São Mateus foi redigido em aramaico, a língua falada na Judéia na época de Cristo. Os outros dois foram escritos em grego.

 

Sobornost.

Ver Católica.

 

Sol De Justiça.

Cristo é o Sol que se levanta sobre a nova criação, é o “Sol da Justiça” que salvação trará debaixo das suas asas” (Mal. 4:2). “E eis que a glória do Deus de Israel vinha do caminho do oriente” (Eze. 43:2). No cântico de Zacarias, São Lucas (Luc. 1:78-79), citando Isaías (Isa. 9:1 e 42:7), chama cristo “o Oriente do alto nos visitou; para alumiar aos que estão assentados em trevas e sombra de morte.”

São Simeão o Novo Teólogo escreveu:

O que é o sol para o mundo visível e sensível, Deus O é para o mundo invisível e inteligível.Este sol aqui “brilha sem cessar (…) presente inteiro por toda a parte,” “Ele é chamado o Sol de Justiça.”

 

Sumo-Sacerdote.

Ver Sacerdote e Templo.

 

 

T

Tábuas Da Lei.

Alguns meses após a saída do Egito, o povo de Israel chegou no deserto aos pés do Monte Sinai. Foi no cume desta montanha que Deus revelou a Moisés as Leis de Sua Aliança,* e lhe entregou as Tábuas de pedra sobre as quais elas estavam gravadas (Êx. 24:12).

Quando Moisés desceu a montanha com as duas Tábuas — chamadas Tábuas da Lei ou do Testemunho — encontrou o povo adotando uma estátua de um bezerro esculpido em ouro; jogou as Tábuas longe quebrando-as em pedaços, antes de destruir o ídolo. Em seguida ele pediu perdão por seu povo, e Deus lhe disse: “Lavra-te duas tábuas de pedra, como as primeiras; e eu escreverei nas tábuas as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas, que tu quebraste (Êx. 34:1).” Era preciso que o povo fosse educado; lhe foi dado um pedagogo: a Lei. Aceitando a Lei, o povo se entrega a Deus.

 

Templo.

O primeiro Templo de Jerusalém foi construído pelo Rei Salomão (1Reis 6:2) para substituir o Tabernáculo. que o povo havia transportado durante o Êxodo, do Egito à Terra Prometida, para abrigar a Arca da Aliança. que continha as Tábuas da Lei.*

O lugar onde Deus devia se manifestar no último dia, o Templo, foi construído sob a autoridade do Sumo-Sacerdote* que presidia o Sinédrio, assembléia de setenta membros, sacerdotes e leigos. Para o povo judeu havia somente um só Templo e várias “sinagogas,” lugar de assembléias religiosas, de orações e de ensinamento.

O Templo, onde ocorriam os sacrifícios compunha-se de três partes: o oulam, o hékal e o débir, que correspondem respectivamente ao nartex (ou coro exterior), a nave e ao santuário de nossas igrejas.

Após a Encarnação,* Cristo é para nós o verdadeiro Templo, uno com Sua Igreja que é Seu Corpo onde nós somos membros. Por esta Encarnação e nosso batismo, cada um de nós é, como nos lembra São Paulo, “Templo do Espírito Santo que habita em vós provenientes de Deus” (1 Cor. 6:19).

Ver também Sacerdócio.

 

Tenda de Reunião.

Lemos no Livro do Êxodo (Êx. 25 a 36) que Deus deu a Moisés instruções muito precisas para a construção de uma Tenda de Reunião, sem mobiliário, a investidura dos padres, a consagração do altar e todas as prescrições rituais do culto do povo de Israel. Essa Tenda, na qual se colocava a Arca contendo as Tábuas da Lei durante o êxodo, prefigurava o Templo que Salomão iria construir e tornou-se o modelo de nossas igrejas. A Tenda de Reunião era sempre montada fora do acampamento e quando Moisés entrava nela, a coluna de fumaça, que sombreava o dia e iluminava durante a noite, e que guiou o povo no deserto, descia e ficava na entrada da Tenda onde Deus conversava com Moisés.

 

Tentação.

Certas versões do “Pai Nosso” comportam essas palavras: “Não nos deixeis cair em tentação.” Outras versões: “Não nos submeta à prova.” Existe pois uma ligação direta entre tentação e prova.

Nos sucumbimos à tentação quando, como o primeiro Adão, acolhemos os conselhos do maligno que nos insinua a desobedecer os Mandamentos de Deus. Assim fazendo, não seguimos o exemplo de Cristo que no deserto, afrontou vitoriosamente a tentação (Mat. 4:1-11).

Deus criou o homem livre. Assim somos livres para sucumbir ou resistir à tentação. Esta é a prova. Mesmo quando sucumbidos, ainda somos livres para voltarmos a Deus num humilde arrependimento e sermos salvos. Para nós as tentações tomam cotidianamente a forma de inveja, mentira, avareza, gula, julgamento, orgulho, falta de amor, e também preguiça e desencorajamento. Somos livres para ceder às tentações ou — com a ajuda de Deus — resisti-las, sabendo que sucumbir significa nos afastar, nos isolar de Deus e do nosso próximo, esquecer que, somente somos pessoas verdadeiras em relação (em comunhão) com Deus e com os outros. Não cedamos jamais ao desespero pois, como diz São Paulo, com a tentação Deus nos dá o meio de sair dela e a força para suportá-la. “Não veio sobre vós tentação, senão humana (1 Cor. 10:13).

São Tiago em sua Epístola nos diz “Feliz o homem, que suporte a prova!” A tentação não vem de Deus:

“Ninguém, sendo tentado, digas De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tg. 1:13-14).

A Igreja, seus sacramentos e todas suas orações, estão aqui para nos ajudar pela graça a resistir as armadilhas das tentações e, quando caímos, ajudar nos levantar. Lembremo-nos que Cristo, que também foi tentado, “pode socorrer aos que são tentados” (Heb. 2:18; 4:15).

 

Ver também Ascese.

 

Teofania.

Esta palavra significa: “manifestação” ou “aparição de Deus.” Várias passagens do Antigo e do Novo Testamento nos dizem que Deus é invisível, inacessível para os seres criados. Outras, de fato, nos recomendam procurar a face de Deus. Nós devemos aceitar juntas estas duas verdades aparentemente contraditórias e lembrarmo-nos do texto evangélico que diz que só se conhece o Pai através do Filho “e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (Mat. 11:27).

A vida em Igreja, com suas festas e seus textos litúrgicos, nos ajudam nesse caminho. De fato, Teofania, que significa manifestação de Deus, e o nome da grande festa do Batismo do Senhor, celebrada a 6 (19) de Janeiro. Este Batismo de Jesus não é somente Sua manifestação no mundo como Cristo, como Filho de Deus. Ele é também “Teofania,” pois revela o mistério da Trindade,* Pai, Filho e Espírito Santo.

“Aquele que tem ele só, a imortalidade e habita na luz inacessível,” como diz São Paulo (1 Tim 6:16), é a glória na qual Deus apareceu aos justos do Antigo Testamento, é a luz eterna que, penetrando a humanidade de Cristo, tornou visível aos apóstolos Sua divindade por ocasião da Transfiguração, esta indizível Teofania.

Nós encontramos no Antigo Testamento numerosas “Teofanias.” E frequentemente coma aparição de um anjo que Deus Se põe a serviço do homem (Gên. 16:7-14); 18). Deus permanece invisível, porém Sua presença é assinalada, como no episódio do combate de Jacó com Deus (Gên 32:23-33). Para Moisés, foi de início sob o aspecto da sarça ardente (Êxo. 3:1-7) que Deus se manifestou antes de Se revelar “de costas” sobre o Monte Sinai (Êx. 33:18-23). A presença de Deus Se manifestou a Elias como uma “voz mansa e delicada” (1Reis 19:12).

 

Teologia.

Os dicionários nos dizem que a teologia é uma ciência que tem Deus e a religião como objetivo. Esta é uma definição que pode nos deixar perplexos, pois ela parece querer dizer que Deus pode ser estudado cientificamente, como são estudados os fenômenos naturais, por exemplo.

É verdade que a teologia existe, assim como os teólogos, já ouvimos falar muito a respeito. É igualmente verdade que temos necessidade de guias e instrutores nesse campo como em outros. Conhecemos os nomes de teólogos do passado longínquo ou próximo e do presente e muitos deles são reconhecidos pela Igreja como dignos de nossa veneração e de nossa confiança. Tentemos compreender o que é a verdadeira teologia e o que são os verdadeiros teólogos no sentido mais justo e mais vasto do que o que é dado pelos dicionários?

De início lembremos que o nome “teólogo” foi dado pela Igreja para três pessoas: São João Evangelista, São Gregório de Nazianzo e São Simeão, o Novo Teólogo. Isto não significa que os outros não foram ou não são teólogos, isto é evidente, mas estes três santos têm valor como exemplo, para nos revelar que a teologia não é uma ciência intelectual, uma especulação racional, mas a aproximação de um conhecimento que deve nos transformar. A verdadeira sabedoria, diz São Gregório de Nazianzo, procede da forma dos apóstolos e não de Aristóteles” (quer dizer dos filósofos). Um teólogo contemporâneo francês escreveu o seguinte:

(…) a verdadeira teologia é a alegria da Páscoa. De século em século, a teologia é renovada pelos “homens apostólicos” que vivem por completo a experiência da Igreja e vêem Cristo ressuscitado como São Paulo no caminho de Damasco ou São João em Patmos (O. Clement, Dialogues avec le patriarche Athénagoras, Paris, Fayard, 1969, pg. 250).

Talvez compreendemos um pouco melhor esta frase das vésperas do Domingo de São Tomé: “Ó maravilha inaudita, São João repousa sobre o peito do Verbo (…) dali tira com temor as profundezas da teologia. Por fim esta outra frase que nos concerne a todos; “Se tu és teólogo, tu oras verdadeiramente e se tu oras verdadeiramente tu és teólogo (Evágrio).” Vladimir Lossky cita este adágio e acrescenta que a teologia é a contemplação da Santíssima Trindade e a oração (V. Lossky, La Vision de Dieu, Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, pg. 88).

Assim, se a teologia é um conjunto de conhecimentos, ela é também oração e experiência viva. Ela está a serviço do homem inteiro em seu caminho em direção a união com Deus pessoal. é um serviço da Igreja e não um exercício de reflexão privada sobre Deus. Trata-se pois de algo que deve servir a um fim que ultrapassa todo conhecimento: “Este fim último é a união com Deus ou deificação* (V. Losskg, Theologie Mustigue de l’Eglise d’Orient. op. cit. pg.7).

 

Terra Prometida.

Quando Deus fez uma aliança com Abraão, Ele prometeu-lhe, uma posteridade numerosa e a posse da terra de Canaã, a Terra Prometida.

Após muitas vicissitudes (o povo de Israel era então escravo no Egito) Deus veio e disse a Moisés: “Eu te enviarei para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito” (Êx. 3:10-12) e acrescentou: “Eu serei contigo. O povo de Israel, cajado na mão, partiu em direção à Terra Prometida. E fez a passagem — a Páscoa — das terras do Egito através do Mar Vermelho e do deserto.

Nós também somos peregrinos e nossa Terra Prometida é a Jerusalém celeste, nossa pátria espiritual, construída de “pedras vivas” (1Ped 2:5) e as portas aqui são as portas da Igreja que nos mostra o caminho. E esta Nova Jerusalém, esta nova criação, céus novos e terra nova, que nos promete o Apocalipse.

(…) “e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro e os seus servos o servirão. E verão o seu rosto, e nas suas testas estará o seu nome” (Apoc. 22:3-4).

 

Tetrarca.

De “Tetrarquia,” de suas palavras gregas que significam: “quatro” e “comandar.” O tetrarca era o chefe, o governador de uma região. Herodes era o tetrarca da Galileia, uma das quatro divisões romanas da Palestina. Foi com o título de tetrarca romano que ele julgou Cristo.

 

Theotokion.

Tropário ou estiquério colocado no fim de uma série e dirigido à Mãe de Deus. O theotokion é, às vezes, um simples louvor à Mãe de Deus; ele pode também conter um desenvolvimento dogmático sobre a Encarnação, como é o caso, por exemplo, no fim dos estiquérios do lucernário nos ofícios da Ressurreição.

 

Theotokos.

De uma palavra grega que significa: “aquela que pariu Deus.” A Igreja Ortodoxa venera a Virgem Maria, que ela chama de Mãe de Deus, numa profunda devoção partilhada por todos os fiéis. O lugar que lhe é reservado é único, acima de qualquer outro ser criado. Existe uma concordância completa nesta veneração, os textos litúrgicos e os dogmas se reportam ao que tange o mistério da Encarnação* do Verbo de Deus.

Quando os Padres do Concílio de Efésio (431), respondendo às teses heréticas de Nestórius, afirmaram que Maria é Mãe de Deus porque ela deu à luz “o Verbo de Deus Se fez carne” (João 1:14), eles salvaguardaram a unidade da Pessoa* do Filho de Deus tornado Filho do homem. A Virgem carregou Aquele que é por sua vez verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Foi no Concílio de Constantinopla (553) que o título sempre Virgem lhe foi concedido. O título de toda Santa não é causa de nenhuma definição dogmática, mas é utilizado por toda a Igreja que a chama: “Toda Santa, imaculada, bendita e gloriosa soberana, Mãe de Deus e sempre Virgem Maria.”

Ela é santa, não em virtude de uma exceção ao destino de toda a humanidade, mas porque ela manteve-se pura de toda tentação do pecado. Toda a história sagrada do Antigo Testamento, por suas eleições sucessivas, suas bênçãos e suas purificações, é como uma preparação d’ Aquela que deveria livremente emprestar sua natureza humana para que a Encarnação pudesse se realizar. A Virgem é dita toda imaculada, não por sua concepção que lhe transmitiu, como a todos os homens, a mortalidade hereditária, mas por sua purificação pessoa, auge de toda santidade.

A noção de liberdade é importante: assim como Deus se encarnou voluntariamente, Ele quis que Sua Mãe Lhe desse a luz de sua própria vontade. Maria, por seu livre consentimento, é o exemplo supremo de cooperação entre Deus e a liberdade do homem (sinergia.). Foi por isso que os Padres disseram que a Encarnação não foi apenas obra do Pai; do Verbo e do Espírito Santo, mas também da Virgem Maria. Sua santidade fez dela a eleita, seu consentimento fez dela a Mãe de Deus.

Assim a Mãe de Deus desempenha um papel único em nossa salvação.* Alguns ícones no-la mostram no meio dos discípulos, do dia do Pentecostes, recebendo com eles o Espírito Santo comunicado a cada um numa língua de fogo.

Aquela que pelo Espírito Santo, recebeu em suas entranhas a Pessoa Divina do Filho, recebe por sua vez o Espírito Santo enviado pelo Filho (…) ela participa da glória de seu Filho, reina com Ele; preside, por Sua vez, do destino da Igreja e do mundo que se desenrola no tempo, intercede por todos junto d’Aquele que virá julgar os vivos e os mortos (V. Lossky, A l’Image et a Ia Ressemblance de Dieu, op. cit. pg. 204 et 208).

 

Tom.

O tom é a melodia, sobre o qual deve ser executada uma peça litúrgica. Existem oito grupos de melodias chamados tons. A cada tom corresponde um conjunto de textos litúrgicos destinados a serem cantados sobre as melodias pertencentes a esse tom. Esses textos são utilizados cada dia da semana nos diferentes ofícios (menos nos dias de festas). Cada tom é utilizado durante uma semana do domingo ao sábado seguinte, após o que ele cede lugar ao tom seguinte.

O conjunto desses textos cobre assim um período de oito semanas e está reunido num livro litúrgico chamado “Octoechos” (do grego octo= “oito,” e echos: “melodia” ou “voz”). Nos períodos de festa, o Octoecho é substituído pelos textos próprios à festa.

 

Tradição.

A tradição é a transmissão da vida em Cristo, da fé dada por Cristo à Seus apóstolos e vive desde então de geração em geração. Foi ela que reteve o cânone* das Escrituras, foi ela que expressou o Credo,* as definições dos Concílios ecumênicos; foi ela que se manifestou em alguns escritos patrísticos, nos cânones, na vida litúrgica, nos santos ícones, na vida dos Santos* de Deus.

Os teólogos ortodoxos sublinham que deve-se distinguir entre a Tradição e as numerosas tradições que revelam unicamente os costumes humanos, e que têm apenas uma importância muito relativa. Não é fácil fazer esta distinção. Estejamos atentos.

Georges Florovsky escreveu:

A Tradição é o testemunho do Espírito, a revelação incessante e o incessante anúncio de boas novas (…) Ela não é apenas uma memória verbal, mas ela é a morada eterna do Espírito.

Para Santo Irineu, a Santa Tradição como “transmissão da verdade não é uma memória histórica (…), ela é a memória da Igreja interior.”

A Santa Tradição completa a Santa Escritura no sentido, que ela preserva a integridade da mensagem bíblica (…) Pela expressão “Santa Tradição,” nós queremos traduzir a vida inteira da Igreja no Espírito Santo (Declaração comum anglicano-ortodoxa, 2 de agosto de 1976, Moscou).

É verdade que a Tradição é vida. Não se trata de repetir o que os Padres da Igreja* disseram, mas devemos limitar seu trabalho de discernimento criado e sua abertura aos problemas de sua época. Assim, a Tradição muda não em seu conteúdo essencial, que permanece sempre o mesmo, mas nas expressões que ela deve encontrar para ser entendida pelos homens de cada geração.

A verdadeira e santa Tradição, segundo Philareto de Moscou, “não consiste apenas em uma transmissão visível e verbal dos ensinamentos, das regras, das instituições e ritos, mas ela é ao mesmo tempo uma comunicação invisível e atual de graça e santificação, portanto sempre viva.

De fato, a Tradição cristã autentica não é simples lembrança e respeito do passado. Se ela mantém viva a memória do passado, é porque nele se prepara o futuro. Sem esta dimensão dinâmica, esta abertura escatológica,* a Tradição só seria saudosismo, fuga, refugo da história, arqueologia… Como a Liturgia Eucarística,* a Tradição não se limita apenas a fazer memória do passado: ela prepara, espera e antecipa o futuro.

 

* * *

Recomendamos, para aqueles que querem se aprofundar nesta questão, o capítulo intitulado “A Tradição e as tradições” no livro de Vladimir Lossky, A l ‘Image et a Ia Remblance de Dieu, Aubier-Montaigne, 1976.

 

Transcendência.

Deus tendo criado todas as coisas a partir do nada (ex nihilo) por Sua vontade, é essencialmente diferente de Suas criaturas. Quando dizemos que Deus é absolutamente transcendente, queremos afirmar que, em Sua essência,* Ele está acima e além de toda explicação, de todo conceito, de toda noção de tempo e de espaço, fora de nosso conhecimento, de nossa compreensão. Ele é o que Ele é, Ele é aquele que é (YHWH; Êx. 3:14).

A linguagem utilizada pelos teólogos quando eles se referem a este aspecto de Deus é o da via apofática, quer dizer negativa, pois ao se falar d ‘Aquele que está além de tudo o que Ele fez não se pode separar todas as imagens, todos os qualificativos. Assim diz-se que Deus em Sua essência não é participável, não é conhecível, etc.

Mas Deus Se nos revelou pela Encarnação* e os homens viram o Filho de Deus, verdadeiro Deus tornado verdadeiro homem. Aliás, a ortodoxia distingue entre a essência de Deus — imparticipável — e Suas energias,* que são o próprio Deus e das quais podemos participar pela graça deificante. E a via catafática, ou seja afirmativa, que indica a presença de Deus em todas as coisas criadas e suas relações com elas.

As duas vias são necessárias, uma vez que Deus transcendente é também Aquele que se comunica a nós em Suas energias, que Se nos revelou pela Encarnação,* que está presente em tudo e enche tudo. Devemos compreender em conjunto estas verdades aparentemente contraditórias.

 

Tribos de Israel.

Uma tribo é de um modo geral, um clã, um agrupamento de famílias sob a autoridade de um chefe único. No Antigo Testamento, o termo “Israel, que foi a origem do novo nome de Jacó após seu combate com o Anjo (Gên. 32:23-33), tornou-se por extensão o nome do povo judeu. Esta nação tem como estrutura as doze tribos, recebendo cada uma o nome de um dos doze filhos de Jacó e seus descendentes (Gên. 35:23).

Lemos ao final do livro do Gênesis que antes de morrer o patriarca Jacó reuniu seus doze filhos — que iriam daí em diante transformar as doze tribos de Israel num grande povo — e os abençoou de forma magnificamente profética (Gên. 49).

Alguns estudiosos estabeleceram um paralelo entre a constituição do povo de Deus pelas doze tribos de Israel, conclusão do livro do Gênesis (livro do começo) e a instituição dos doze apóstolos, fundamento da Igreja no Novo Testamento (ver Mat. 19:28).

 

Tríduo Pascal.

Ver Paixão.

 

Trindade.

O dogma da Trindade: um só Deus em três Pessoas* — Pai, Filho e Espírito Santo -, três Pessoas em uma só Essência* (ou natureza), este é o fundamento inabalável da fé cristã. A Pessoa do Pai, sem origem, não procede de nada, é a força à Essência divina. O Filho nascido do Pai antes de todos os séculos. O Espírito procede do Pai de toda a eternidade..

A Trindade Santa “consubstancial e indivisível” é o mistério* da unidade da diversidade, da diversidade na unidade — o que os teólogos chamam “identidade-distinção” pois, as três Pessoas são “unidas sem confusão, distintas, entretanto não divididas: Três luzes numa só,” “sol único de brilho triplo.”

Cada uma das três Pessoas (hipostases) habita nas outras duas num eterno movimento de comunhão e de amor (pericorese). Seu amor é um mesmo amor, sua força uma única força, sua energia uma única energia. Todo ato divino é pois um ato do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

O mistério da Trindade que está além do entendimento e crucifica de certa forma o pensamento humano, tem uma importância concreta para cada cristão, sua vida e sua experiência. De fato, o homem foi criado à imagem da Trindade: cada homem é uma pessoa que só encontra sua plenitude no amor e na comunhão com Deus e com os outros homens. Ele deve estar consciente de sua unidade com os outros e aceitá-los em sua diversidade, estimando “após Deus, todos os homens como Deus” (São Nilo, o Sinaíta).

 

Triódio.

Esta palavra significa literalmente “cânone* com três odes.” Estes cânones encontram-se nos livros litúrgicos aos quais deram-se os seguintes nomes:

 

1) Triódio da Quaresma*: esse livro contém todos os textos relativos à Quaresma e ao período que a precede, assim como da Semana Santa. A característica dominante desses textos é seu aspecto penitencial, a Quaresma que é proposta aos fiéis para que eles se purifiquem e se preparem para as solenidades da Paixão e da Ressurreição do Salvador.

 

2) Triódio pascal ou pentecostal: encontra-se aí os textos utilizados entre a Páscoa e o domingo que se segue ao Pentecostes (nele se encontram essas duas festas). Os textos exprimem antes de tudo a alegria da Ressurreição do Salvador, que torna possível a ressurreição do gênero humano. Os diversos temas evocados ao longo desse período esclarecem, cada qual à sua maneira, o mistério da Redenção e da Salvação, onde a obra se completa com a Ascenção e o Pentecostes.

 

Trisagion.

Ver Santo, Santo, Santo.

 

Tropário.

Estrofe curta poética, que entra na composição de todos os ofícios litúrgicos. A seguir, os tipos principais:

 

1) Cada festa ou memória de santo possui um tropário próprio, chamado tropário do dia ou apolitikion (de uma palavra grega que significa despedida, pois este tipo de tropário é cantado entre outras ocasiões ao final, das vésperas e das matinas). O tropário do dia resume o essencial dos temas evocados na celebração da festa, mencionando eventualmente um ou vários aspectos teológicos.

 

2) Os tropários são intercalados entre os versículos e as odes* bíblicas do cânone das matinas.

 

3) Intercala-se igualmente tropários entre os versículos dos salmos do lucernário, das laudes e dos apósticos: os tropários tomam então o nome dos estiquérios.

 

4) Os “tropários dos catismas” seguem as leituras dos salmos e permitem lhes pontuar. Eles também são chamados “catismas poéticos” ou “sedalene” (de um termo eslavônico), ou ainda simplesmente “catismas.”

 

5) Certas leituras tiradas das profecias do Antigo Testamento são precedidas de uma estrofe chamada “tropário da profecia,” que indica brevemente o sentido da leitura.

 

 

V

Verbo.

Verbo significa palavra (verbum, em latim; logos, em grego). Sempre ao longo do Antigo Testamento, o Deus vivo falou aos homens. Ele Se dirigiu de diversas maneiras aos homens escolhidos, os profetas.* O Novo Testamento nos revela que, para nossa salvação, Deus Se fez homem. Sua Palavra, Seu Verbo eterno, Se fez carne.

O Filho único de Deus, Jesus Cristo, é este Verbo. Enquanto Verbo, Ele é a Palavra criadora “por quem todas as coisas foram feitas” como confessamos no Credo* (ver também o Salmo 32(33), e Jo. 1:3). Ao encarnar, o Verbo se dirige diretamente a nós. Aquele que recebe Cristo guarda em si a Palavra de Deus. O próprio Cristo o confirma: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a executam (Luc. 8:21; 11:28).”

É pelo Evangelho de São João que sabemos que o Verbo, a Palavra, não é alguma coisa, mas Alguém, “um da Trindade Santa,” o Filho.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (…) e vimos a Sua Glória,* como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo. 1:1 e 14).

 

Vigília.

Chama-se de vigília a véspera de uma grande festa, mas esse termo designa mais precisamente a celebração litúrgica que tem lugar nesse dia, e deve começar ao final da tarde para se prolongar pela noite e se completar com a Liturgia eucarística,* na manhã do dia da festa.

A prática russa evoluiu para uma celebração desse ofício muito abreviada, a véspera da festa ao final da tarde e a Liturgia eucarística se realizando na manhã do dia da festa. O ofício da vigília se compõe da véspera e da matina em sua forma festiva, esses dois ofícios sendo reunidos em um só. Todas as partes móveis são consagradas a festa, para constituir desta forma uma celebração solene e iluminosa, misturando freqüentemente louvor e desenvolvimentos teológicos.

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Folheto Missionário número P112

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Redator: Bispo Alexandre Mileant