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Categoria: Espiritualidade

Pe. Dumitru Staniloae: Conhecimento catafático e apofático de Deus

Segundo a tradição patrística, o conhecimento de Deus pode ser catafático (racional) ou apofático (inefável). Este último é superior ao primeiro porque o completa. No entanto, nenhum deles permite conhecer Deus na Sua essência. Através do conhecimento catafático, podemos conhecer Deus apenas como o criador e causa sustentadora do mundo, ao passo que, através do conhecimento apofático, obtemos uma espécie de experiência direta da Sua presença mística, que ultrapassa o simples conhecimento de Deus como causa investida de certos atributos similares aos do mundo. Este último conhecimento é denominado apofático porque a experiência da presença mística de Deus transcende a possibilidade de O definirmos em palavras. Tal conhecimento sobre Deus é, portanto, mais adequado do que o conhecimento catafático.

Contudo, não podemos simplesmente renunciar ao conhecimento racional, pois ainda que o que diga sobre Deus possa não ser inteiramente adequado, nada diz que lhe seja contrário. O que se deve fazer é aprofundar o conhecimento racional por meio do conhecimento apofático. Além disso, mesmo o conhecimento apofático, ao procurar oferecer qualquer explicação de si mesmo, deve recorrer aos termos do conhecimento do intelecto, embora os preencha continuamente com um significado mais profundo do que as noções da mente podem fornecer.

Pe. Alexander Schmemann – O conceito cristão de morte

“Ele sofreu e foi enterrado. E ressuscitou …” Depois da cruz, da descida à morte, houve a ressurreição dos mortos: a confirmação principal, fundamental e decisiva do Símbolo da Fé, uma confirmação do próprio coração do Cristianismo. De facto, “se Cristo não ressuscitou, então a vossa fé é vã”. Essas foram as palavras do Apóstolo Paulo, as quais permanecem fundamentais para o Cristianismo até hoje. O Cristianismo é uma crença, em primeiro lugar e acima de tudo, no facto de que Cristo não permaneceu na sepultura, que a vida brilhou da morte e que, na Ressurreição de Cristo de entre os mortos, a absoluta e abrangente lei da morte, que não tolerava exceções, foi, de alguma forma, dilacerada e superada.

Arquimandrita Emilianos – CATEQUESE SOBRE A ORAÇÃO

Primeiramente, quando nos referimos à oração, é necessário dizer que ela não pode ser independente. Não posso afirmar que oro se, no entanto, a minha oração não está em união com o seu complemento. Existem coisas que, de facto, estão sempre juntas e não podemos separar uma da outra. Como, por exemplo: Porque o Apóstolo Paulo, ao falar da fé, não mencionou as obras (Rm 4:5)? Porque ao dizer “fé”, ele compreendeu uma fé que existe e que se manifesta por meio das obras. São Tiago, ao falar das obras (Tg 2:14-26), disse que a fé não tem sentido algum sem elas. Ele falava constantemente das obras, mas porquê? Porque as obras demonstram a fé. Essas duas realidades formam, então, um todo indissolúvel.

Da mesma forma, a oração está intimamente associada a uma outra realidade. Está ligada à Liturgia e, mais profundamente, à Santa Comunhão. Sem a Liturgia e sem o Sacramento da Comunhão, a existência da oração é quase impossível. Toda a oração seria, então, uma farsa. De igual modo, estejamos certos de que o culto que rendemos a Deus, tal como a nossa comunhão, são vãos diante de uma vida litúrgica marcada pela ausência de oração espiritual (falo de uma oração interior forte, consolidada). Eles não passam de lama, lançada aos olhos de Deus, para Lhe fazer crer que O amamos, quando, na realidade, não temos relação alguma com Ele e eis que, um dia, Ele nos dirá: “Em verdade vos digo que não vos conheço” (Mt 2:12 e Lc 13:25). A vida litúrgica e a oração formam um todo. Elas constituem os dois ramos da vida espiritual. A primeira é a vida sacramental – condição fundamental da vida mística – e a segunda (a oração, que hoje analisamos), é a raiz, o tronco, o ponto central da vida mística, que jorra da vida sacramental. A Santa Comunhão vem, então, em primeiro lugar no seio do culto. E por qual razão? Porquê é ela o preâmbulo indispensável?

Quando falamos da oração interior, não utilizamos a palavra proseuche mas, simplesmente, o vocábulo euche, pois o prefixo “pros” (“em direção a”) indica-nos seguidamente que a oração é um caminho direcionado a alguém, com o desígnio de nos unirmos a essa Pessoa. A oração interior (euche) é uma pausa – se assim o podemos exprimir – um ato de júbilo que tem lugar num certo ponto onde Deus Se encontra. Como vedes, é necessário fazer uma distinção.

Arquimandrita Zacarias de Essex – “Abri largamente os vossos corações”

1ª Pergunta: Poderia expandir sobre o que disse de que como a última geração viverá a fé?

 1ª Resposta: Existem muitas profecias sobre o fim dos tempos nos nossos Padres e o ditado que mencionei anteriormente é apenas um deles. Dizia que as tribulações serão tantas que os Cristãos dos últimos tempos mal conseguirão manter a fé e que receberão mais glória no céu do que os Padres que poderiam ressuscitar até os mortos. Em outro ditado dos Padres do Deserto, há a seguinte história: Um noviço vai a um ancião e pergunta-lhe: “O que pensa de um certo grande ancião, um grande asceta?” E o ancião responde: “Em comparação com a sua geração, ele é grande.” Depois de alguns momentos, o discípulo perguntou novamente, “O que pensa deste Padre?” e o ancião responde-lhe, “eu te disse, comparado à sua geração, ele é grande.” Então ele pergunta-lhe uma terceira vez: “O que acha desse Padre?” E o ancião diz: “Comparado à sua geração, ele é grande”, e continua, “mas eu conhecia alguns Padres em Alta Tebas que podiam fazer parar o Sol no meio do céu”. Ou seja, Deus julga-nos sempre em comparação com a grande árvore da humanidade, da qual somos apenas umas folhas. Não podemos deixar de ser influenciados por esta grande árvore da humanidade, por isso somos como uma gota de água tentando fluir contra a corrente do grande rio. É impossível para os homens, mas para Deus é possível (Mt 19:26). Ele já o fez: nós precisamos apenas de O seguir, e herdaremos o cumprimento das Suas promessas. Não obstante, Deus tem em consideração a situação geral do mundo. Isso é um consolação para nós, não para que relaxemos, mas para nos ajudar a não perder o rumo. Deus sempre julga-nos em comparação com a nossa geração, o nosso ambiente. Ele mesmo declara-nos: “Assim como é, o Pai não julga ninguém, mas Ele deu todo o julgamento ao Filho” (João 5:22), e o Pai “Ele também lhe dera autoridade para executar julgamento, pois Ele é o Filho do homem” (João 5:27). Cristo, o Filho do Homem, por Ele se tornar homem e viver nas condições de vida que nós vivêramos, já é um grande juízo. Mas mesmo Ele não julgará ninguém: Ele dará todos os julgamentos aos seus santos. “Os santos”, diz São Paulo, “julgarão o mundo” (1 Cor 6: 2). Mas eu penso que os santos de todas as gerações julgarão os da sua própria geração. Não creio que os apóstolos nos julguem, seremos julgados pelos santos da nossa geração e do nosso ambiente, que viveram a mesma vida connosco e ainda assim encontraram o caminho. Então Deus permanece verdadeiro nestes julgamentos podendo ir mais além: eu não serei julgado por um santo Americano; serei julgado por um santo do meu mosteiro, porque quem pode entrar em julgamento com Deus? (Sal. 143: 2). Ele julgará em comparação com os da nossa geração.

Harry Boosalis – Os frutos do sofrimento

O sofrimento e as lutas espirituais que dele advêm devem ser vistos sob uma luz positiva, uma vez que estas oferecem uma vasta variedade de virtudes e recompensas. As referências bíblicas e patrísticas sobre os benefícios do sofrimento são numerosas. Será suficiente citar apenas alguns exemplos isolados. O Apóstolo Paulo (c. 5-67) ensina que, “…mas nós também nos alegramos nos nossos sofrimentos, sabendo que o sofrimento produz perseverança; e perseverança, carácter; e carácter, esperança. A esperança não nos desilude…” (Rm 5:3-5).

Arquimandrita Justino Popovich: Homem e o Deus-Homem (fragmento)

Quando o homem desperta para a realidade material de que é apenas “pó da terra” (Gn 2:7) e passa a contemplar a realidade espiritual, sente que as duas realidades existem de facto e o seu espírito as reconhece como tal. Rapidamente, então, depara-se com um paradoxo: o homem, como uma espécie única, é capaz de conhecer a realidade do mundo material com a ajuda do espírito, que não possui as características da realidade física, ou seja, não se pode revelar materialmente como um objeto, ser percebido através dos sentidos ou se manifestar como uma realidade para além do que é subjetivo. No entanto, apesar de o espírito ser ininteligível enquanto realidade material, através da sua essência invisível, ele é o critério de toda a realidade visível no mundo da matéria. Então, cada vez mais, o homem sente e descobre que o pensamento do espírito – apesar de intangível, invisível e incorpóreo – é, ainda assim, mais real do que qualquer realidade material, o que significa dizer que toda a realidade tem como base os pensamentos do espírito, que é, em si, incorpóreo. É aí que residem a primazia, a perplexidade e a majestade do espírito humano. O homem, então, desperto e guiado pelo seu espírito incorpóreo através dos mistérios do mundo material, passa a compreender, gradualmente, que o espírito é a sua maior e mais imediata realidade e, consequentemente, o seu maior valor. Em tal estado de espírito, o homem acaba por sentir a verdade irresistível das palavras do Salvador a respeito de a alma do homem ser mais real do que todo o mundo visível e mais valiosa do que tudo o que há no mundo material: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mt 16:26, Mc 8:36-37 e Lc 9:25). Em outras palavras: no mundo visível não existe valor equivalente ao da alma humana ou através do qual a alma possa ser avaliada e adquirida; a alma é o que há de mais valioso.

Hieromonge Philotheos Grigoriatis – O amor de Deus e a livre escolha do homem

“…Deus é amor.” (1 João 4:8), diz-nos o Evangelista São João. E realmente esta é a melhor característica de Deus, para que nós, o povo, compreendamos o que Deus é. É claro, de acordo com São Dionísio, o Areopagita, e em concordância com a teologia apofática da Igreja, Deus nem é espírito, nem logos (palavra), nem poder, nem luz, nem vida, nem substância, nem tempo, nem ciência, nem verdade, nem Reino, nem sabedoria, nem benevolência… (About Mystic Theology, V).

Vemos acima como Deus está para além da noção humana. Contudo, permitam-me dizer que alguma exceção poderia ser feita para o nome “amor”. Deus é nada mais que Amor. E realmente Deus, o Deus dos nossos Pais (Santos Padres), o único real Deus, não é um Deus vingativo, ou até mesmo um “justo”, de acordo com as medidas e padrões humanos. Não é como um justo polícia que deve impor a ordem ao registar as nossas transgressões em pormenor. Nem Ele é igual a um justo juiz, onde o seu dever é julgar imparcialmente, na ordem de revelar e punir o culpado e portanto, colocando-o como um exemplo, de como trazer a justiça e satisfação para a ordem legal. Não, o nosso Deus não é “justo” nesta forma. Ai, se Ele o fosse! O nosso Deus é o nosso Pai. O nosso Deus “é amor”. Contudo, muitos colocam a questão – dúvidas em relação à fraqueza humana:   “Se Deus é amor, então porque é que há tantas mágoas, tantas injustiças e infortúnios no mundo?”

Kallistos Ware – Orar com o corpo: o método hesicasta e os paralelos não-cristãos 

Lembra-te de Deus com mais frequência do que respiras.

(São Gregório de Nazianzo)

UM FANTASMA NUMA MÁQUINA?

“Glorifica a Deus no teu corpo”, disse São Paulo (1 Co 6:19). Mas como, na prática, isso pode ser feito? Como podemos tornar a nossa parte física um participante ativo no trabalho de oração? Isso é algo que, como cristãos, precisamos pensar, especialmente nos tempos que correm, pois estamos a viver numa época em que, tanto na filosofia como na física e na psicologia, mostra-se cada vez menos útil defender uma dicotomia entre o espírito e a matéria, entre a alma e o corpo. A declaração de Carl Gustav Jung é típica: “O espírito é o corpo vivo visto de dentro e o corpo é a manifestação exterior do espírito vivo – os dois são, realmente, um.” [1] Se os escritores da espiritualidade cristã continuarem a assumir um forte contraste entre o corpo e a alma – como frequentemente o fizeram no passado – as suas palavras parecerão, cada vez mais, irrelevantes para os seus contemporâneos seculares.

Na realidade, uma divisão entre o corpo e a alma – do tipo platónico – não tem lugar na tradição cristã. A Bíblia vê a pessoa humana em termos holísticos e, apesar da pesada influência do platonismo, esse ponto de vista unitário tem sido, repetidamente, reafirmado no cristianismo grego. “A alma em si é a pessoa?”, foi uma pergunta encontrada num texto atribuído a Justino Mártir (165 d.C). “Não, é simplesmente a alma da pessoa. Chamamos de corpo a pessoa? Não, chamamos o corpo da pessoa. Então, a pessoa não é nenhuma dessas coisas por si só, mas sim o todo único formado a partir de ambas. ”[2] O teólogo grego contemporâneo Christos Yannaras insiste, em termos semelhantes, que o corpo deve ser considerado não como uma “parte” ou “componente” da pessoa, mas como o “modo de existência” total da pessoa, como a manifestação, para o mundo exterior, das energias da nossa natureza humana na sua integralidade. [3] Não sou um “fantasma numa máquina”, mas uma unidade indivisa. O meu corpo não é algo que tenho, mas algo que sou.

Não é suficiente, no entanto, afirmar essa antropologia holística na teoria. Precisamos dar uma expressão concreta e prática à nossa teologia dos Sacramentos, especialmente o da Eucaristia e o do Matrimónio e, igualmente, à nossa teologia da oração. Muitas vezes, porém, no ensino cristão, isso não foi feito. Numa definição famosa, Evágrio Pôntico (345-399) descreveu a oração como “a comunhão do intelecto [nous] com Deus”; é “a mais alta inteleção do intelecto (…) a atividade que melhor corresponde à dignidade do intelecto (…). Aproxima-se do imaterial dum modo não-material. ”[4] Fica, então, a pergunta: que lugar tem o corpo no empreendimento da oração? De facto, Evágrio foi menos anti-físico do que essas palavras sugerem, uma vez que atribuiu, na oração, uma importante função às experiências corporais, como o dom das lágrimas. [5] Mas a definição que fez da oração nos transmite, certamente, a infeliz impressão de marginalizar o corpo.

Arquimandrita Gabriel Bunge – A Ortodoxia precisa de ordens monásticas? 

Padre Gabriel (Bunge) fala sobre as reformas católicas, a tradição ortodoxa e o objetivo mais importante do monasticismo

– No Catolicismo, há um grande número de ordens monásticas e cada uma delas possui uma certa missão, enquanto na Ortodoxia temos apenas vários votos monásticos ou mosteiros com vários estatutos. Por exemplo, temos monges eruditos, monges administrativos etc. O Reverendíssimo Arquimandrita pensa que seria apropriado para a Igreja Ortodoxa criar ordens monásticas que estivessem envolvidas em diversos tipos de atividades, de modo que os graduados de estabelecimentos religiosos pudessem selecionar áreas específicas para servir a Igreja com base nas suas habilidades ou inclinações?

– O monasticismo não existe para nenhum propósito específico relacionado a este mundo. Para citar um autor anónimo de A História dos Monges Egípcios (século IV), “desde o início, o propósito do monasticismo era seguir Cristo no deserto, cantando hinos e salmos e esperando que o nosso Senhor viesse.” Essa aparente “inutilidade” torna o monasticismo livre de quaisquer serviços dentro da estrutura da Igreja. A Igreja Ortodoxa preservou esse traço original do monasticismo, assim como muitos outros aspetos.