“…Deus é amor.” (1 João 4:8), diz-nos o Evangelista São João. E realmente esta é a melhor característica de Deus, para que nós, o povo, compreendamos o que Deus é. É claro, de acordo com São Dionísio, o Areopagita, e em concordância com a teologia apofática da Igreja, Deus nem é espírito, nem logos (palavra), nem poder, nem luz, nem vida, nem substância, nem tempo, nem ciência, nem verdade, nem Reino, nem sabedoria, nem benevolência… (About Mystic Theology, V).
Vemos acima como Deus está para além da noção humana. Contudo, permitam-me dizer que alguma exceção poderia ser feita para o nome “amor”. Deus é nada mais que Amor. E realmente Deus, o Deus dos nossos Pais (Santos Padres), o único real Deus, não é um Deus vingativo, ou até mesmo um “justo”, de acordo com as medidas e padrões humanos. Não é como um justo polícia que deve impor a ordem ao registar as nossas transgressões em pormenor. Nem Ele é igual a um justo juiz, onde o seu dever é julgar imparcialmente, na ordem de revelar e punir o culpado e portanto, colocando-o como um exemplo, de como trazer a justiça e satisfação para a ordem legal. Não, o nosso Deus não é “justo” nesta forma. Ai, se Ele o fosse! O nosso Deus é o nosso Pai. O nosso Deus “é amor”. Contudo, muitos colocam a questão – dúvidas em relação à fraqueza humana: “Se Deus é amor, então porque é que há tantas mágoas, tantas injustiças e infortúnios no mundo?”
Em resposta podemos providenciar as palavras do adormecido Padre Epiphanios Thedoropoulos:
“…Sem Cristo, o mundo é irracional. Sem Cristo não se consegue explicar nada. Porquê as mágoas, porquê as injustiças, porquê os falhanços, porquê as doenças. Porquê? Porquê? Porquê? Milhares de enormes “porquês”…” (Padre Epiphanios Theodoropoulos, Diálogo com um Marxista, Kalamata, 1989, página 20).
Deus, então, é amor e Ele ama o homem, a Sua criação. Portanto, Deus deseja a comunhão com o homem, uma comunhão de pessoas que amam. O homem como pessoa pode amar o Deus Pessoal, pois o verdadeiro amor é apenas direcionado a uma pessoa e existe apenas numa pessoa. Animais, objetos, ideias ou filosofias devem e podem atrair o homem parcialmente, não totalmente. Por esta razão toda a situação que vai para além desta medida de simples simpatia e interesse para com os animais, objetos etc. é degenerativa e resulta em paixão, em fraqueza de espírito. Nunca é verdadeiro amor. O amor real e pessoal vibra no todo da pessoa até às profundezas do seu ser e atrai-o à pessoa amada.
O nosso Deus pessoal não é o deus da filosofia, dos céticos. Ele é o Deus dos nossos Pais (Santos Padres), uma Pessoa e não uma ideia.
Este Deus, por causa do Seu amor estático pela Sua criação pessoal (homem), adianta-se com as Suas energias incriadas e participa com o homem numa comunhão de amor, na sua Igreja por Cristo. A base para um amor real e profundo é a livre vontade. Não é possível para alguém amar outra pessoa sendo forçada a fazê-lo por alguma necessidade ou manipulação. O Santo Deus, por respeito e estima paternal e uma atitude amorosa para com o homem, quer que este seja livre. Ele não se impõe, Ele próprio, sobre o homem, mas aguarda a escolha livre e pessoal do homem. Em outras palavras, Deus espera a aceitação Dele na vida do homem, mas ele é sempre livre de O rejeitar.
Deus vem até nós e revela-Se, desde que com um amor livre nós O aceitemos na nossa vida. A Sua Glória e Graça é-nos revelada e nós apreciamos a Sua abençoada presença. Através da experiência, nós aprendemos qual o significado de uma vida com Deus e como é a comunhão com Ele, pois se não é revelada por Ele, não podemos por nós próprios encontrá-Lo e conhecê-Lo, o nosso Criador.
Em contraste, nós rejeitamo-Lo das nossas vidas e não O amamos quando somos indiferentes aos mandamentos, de acordo com a Sua palavra: “Aquele que tem os meus mandamentos, e os guarda, esse é o que Me ama” (João 14:21). Por essa razão, nós fechamos os nossos ouvidos ao Seu convite e permanecemos sós, sem Deus, incapazes de amar, saboreando desesperadamente a amarga agonia do nosso egoísmo.
Deus deixa-nos escolher por nós próprios e não impõe e Sua presença sobre nós. Discretamente, mesmo assim, Ele nos ajuda a superar as nossas fraquezas humanas e a escolher o que é do nosso interesse. O nosso interesse, não importando se estamos conscientes disso ou não, é encontrá-Lo, é conhecê-Lo, unindo e ficando com Ele. Este é o propósito da nossa vida, é por isto que fomos criados por Ele. “E a vida eterna é esta; que te conheçam, a ti só, único Deus verdadeiro, e a Jesus o Cristo, a quem enviaste” (João 17:3).
Deus tem os Seus caminhos para Se fazer aproximar e atrair toda a alma até Si. Ele tem caminhos para informá-la da Sua presença, de lhe falar, de lhe dar oportunidades, motivos e possibilidades para tal, para esta se aproximar e conhecê-Lo, para que o homem seja feliz e peça a Deus para habitar nele.
Se a alma, recetiva à Graça de Deus, aproxima-Se e deseja estar em comunhão com Ele, Deus então inicia um santo “jogo” com ela. Em tempos, Ele fala-lhe com carinho e bondade e então a alma ergue-se aos “céus” sob um santo e amor divino, esquecendo-se de todas as coisas mundanas. Noutras ocasiões, Ele esconde-Se dela e esta, assustada desta solidão enganosa, tristemente O procura suportando um santo martírio até que Deus lhe reapareça. O reaparecimento de Deus aumenta o desejo amável da alma por Ele e esta purifica-se ainda mais. Dessa maneira, Deus aumenta a Sua união e comunhão com a alma e encaminha-a para grandes alegrias e graças – de glória a glória. Isto continua até ao fim da vida do homem e de acordo com a sua suscetibilidade, cada alma compartilha a alegria desta comunhão amorosa com o Senhor.
Contudo, existem almas e infelizmente não são poucas, que por egoísmo, interesse, e preguiça não aceitam (Ai!) o seu Deus e Senhor sendo enganadas pelo maligno. Elas são assediadas devido aos impasses da sua vida mundana longe de Deus. São assediadas para a negligência, indiferença ou vãos objetivos, ocupações ou prazeres vãos e temporários, os quais em curto tempo tornam-se vícios e sofrimentos mortais. Tudo isto entorpece as almas, escraviza-as e destrói-as a uma perda eterna.
Consequentemente, uma terrível e perturbadora luta toma controlo destas almas. Um dilema de vida ou de morte é-lhes imposto todos os dias, em todas as horas, provavelmente em todo o momento:
Devem elas fazer um novo começo; arrancar os grilhões desta escravatura? Devem elas negar as suas vontades destruidoras? Devem elas combater para se tornarem livres da astúcia dos seus inimigos sanguinários, o diabo? Devem elas lentamente começar uma nova vida pela sua reunião com o Santo Deus através de práticas sagradas, vigilância, oração e abstinência?
Ou devem estas deixar-se tomar completamente pelo desespero e render-se totalmente sem resistência, sem reação para com as vaidades mundanas, à perda de vontade própria, à inação, ao mundano, desumano e aos prazeres carnais ateístas? Devem estas cessar completamente o desejo de Deus e da Sua comunhão?
Se, pela Graça de Deus, os primeiros pensamentos prevalecem e uma decisão é tomada e esta decisão leva-nos à ação, a ex-pródiga alma retorna à Casa do Senhor em arrependimento coração quebrantado, sempre repetindo: “Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado de teu filho” (Lucas 15:21). O eterno filantropo Pai que correu para acolher esta “nova” alma, trá-la para Sua casa, para o Seu reinado. E a grande alegria, a festa da alma, que agora chora de uma inexprimível gratidão pelo amor de Seu Pai, começa.
Contudo, se a alma, por egoísmo próprio, não deseja voltar ao Pai, a sua horrorosa e “inexplicável” angústia continua cada vez mais intensa. Sofre inimaginavelmente mesmo não o admitindo, mesmo que pareça externamente feliz, alegre e satisfeita, e até mesmo não sentido o sofrimento conscientemente.
Portanto estas almas que no passado eram boas, puras e gratas, tornaram-se vítimas dos demónios. Elas chafurdam-se na lama das piores paixões e desgraças. Consciências limpas contaminam-se. A imagem de Deus é escurecida. Pessoas de todas as idades, raças e ambos os sexos são mutiladas, paralisadas espiritualmente e sofrem.
A alma é privada da sua beleza e contaminada, e o gracioso ornamento do Santo Batismo é arrancado fora. O Espírito real é humilhado é envergonhado e as pessoas que tinham sido criadas para a glorificação celestial, tombam miseravelmente como espetáculos para satisfação do maldoso inimigo da nossa salvação. Até mesmo os seus traços e características exteriores, que antes testemunhavam a sua origem divina, são agora também deformados:
As suas “belezas” são agora assustadoramente medonhas. As suas “dignidades” e sorrisos, tornam-se desumanos e hipocritamente diabólicos. As suas “decências” e “boas maneiras” são expressões enganosas das suas quedas. Os seus feitos e as suas palavras e a sua “civilização” são enganosas, superficiais e falsas. Todas as suas maneiras e sua existência deixam o odor da morte e o fedor de uma decadência espiritual. A ausência de Deus determina a uma “civilização não civilizada”.
Que dor para o Santo Deus, que “quer que todos os povos sejam salvos e conheçam a verdade”!
Que dor para a Igreja!
Que pesar para nós que sabemos estas coisas, encontrando-os à nossa volta e os vejamos em tantas almas “o qual o Cristo morreu”!
Fonte: “A luta em Cristo na apostasia dos nossos tempos”, IV Edição,
Santo Mosteiro de São Gregório, Montanha Santa, 2000, páginas 15-22.
Tradução: Pedro Mota