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A carta encíclica de São Marcos de Éfeso

São Marcos “o Cortês”: “Eu nunca farei isto aconteça o que acontecer.” [Na mesa: “Termos da União de Latinos e Ortodoxos: Em Florença em 1439.”]

Julho de 1444

A Todos os Cristãos Ortodoxos no continente e ilhas.

De Marcos, Bispo da Metrópole de Éfeso- Rejubilai em Cristo!

A todos os que nos enredaram em cativeiro maligno- desejando levar-nos até á Babilónia dos ritos e dogmas Latinos- não conseguiram, claro, completamente atingir isto, vendo imediatamente que havia pouca hipótese para tal. De facto, que era impossível. Mas tendo parado algures a meio- tanto eles como aqueles que os seguiram- nem permaneceram o que eram, nem se tornaram outra coisa. Por terem desistido de Jerusalém, uma Fé firme e inabalável- e ainda não estando em condições e não desejando de serem chamados Babilónios- eles então chamaram a si próprios, como se por direito, “Greco-Latinos,” e entre o povo são chamados “Latinizadores.”

E então estes dividem as pessoas, tal como os centauros míticos, confessam juntamente com os Latinos que o Espírito Santo procede do Filho, e tem o Filho como causa da sua existência, e no entanto, juntamente connosco confessam que ele procede do Pai. E eles dizem juntamente com eles que a adição ao Credo (do Filioque) foi feita canonicamente e com bênção, e, no entanto, juntamente connosco não permitem que seja proferida (Para além disso, quem se afastaria daquilo que foi Canónico e Abençoado?). E eles dizem juntamente com eles que o pão ázimo é o Corpo de Cristo, e no entanto, juntamente connosco não se atrevem a aceitar. Não é suficiente revelar o seu espírito, e como não foi uma procura pela Verdade- que, tendo nas suas mãos, traíram- a que tentaram juntamente com os Latinos, mas, em vez disso, um desejo de se enriquecerem e finalizarem não uma verdadeira, mas falsa, união?

Mas deve ser examinado de que maneira eles se uniram com eles; pois tudo o que está unido a algo diferente está naturalmente unido por algum ponto a meio entre eles. E como tal eles imaginaram unir-se a eles por meio de algum juízo sobre o Espírito Santo, juntamente com expressarem a opinião de que ele tem existência também a partir do Filho. Mas tudo o resto entre eles é divergente, e não há entre eles nem nenhum ponto a meio nem nada em comum. Tal como antes, dois Credos divergentes são proferidos. Da mesma maneira, são celebradas duas Liturgias, divergentes e discordantes uma da outra- uma com pão levedado, outra com pão ázimo. Divergentes são também os Batismos – um é realizado com tripla imersão, outro com o “derramamento” sobre a cabeça a partir de cima; um com a unção de crisma, outro completamente sem. E todos os ritos são em tudo divergentes e discordantes um do outro, juntamente com os jejuns, usos da Igreja, e outras, coisas similares.

Que tipo de união é esta, quando não existe nenhum aparente e claro sinal disso? E de que maneira é que eles se uniram com eles, desejando também preservar a sua própria- pois nisto foram unânimes- e ao mesmo tempo não seguindo as Tradições dos Pais? Mas qual a sua própria “sábia” opinião?

“Nunca,” dizem eles, “a Igreja Grega disse que o Espírito Santo procede somente do Pai. Ela disse simplesmente que ele procede do Pai, como tal, não excluindo a participação do Filho na processão do Espírito Santo. Como tal- dizem eles- tanto antes como agora nós apresentamos união.”

Ai, que absurdo! Ai, que cegueira! Se a Igreja Grega – tendo-o recebido do próprio Cristo e Santos Apóstolos e Pais- disse que o Espírito Santo procede do Pai, mas nunca disse- pois ela não recebeu isto de ninguém- que o Espírito Santo procede do Filho, então que mais significa isto além de que ela afirma que o Espírito Santo procede somente do Pai? Pois se ele não vem do Filho evidentemente, vem somente do Pai.

Sabem o que é dito sobre a “geração?”: “Nascido do Pai antes de todos os séculos.” Alguém adicionaria aqui “somente do Pai?” No entanto, é, portanto, assim que nós o entendemos, e- se for necessário- o expressaremos. Pois nós fomos ensinados que o Filho não é nascido de mais ninguém, mas apenas do Pai. Como tal, também, João Damasceno diz- em nome de toda a Igreja e de todos os Cristãos- “Nós não dizemos que o Espírito Santo procede do Filho.” E se nós não dizemos que o Espírito procede também do Filho, então é evidente que nós então dizemos que o Espírito procede apenas do Pai, como tal, um pouco antes disto ele diz: “Nós não chamamos o Filho de “Causa,” e no capítulo seguinte, “A única Causa é o Pai.”

Que mais? “Nunca,” dizem eles, nós considerámos os Latinos “heréticos”, mas apenas “cismáticos.”Mas também isto eles tiraram dos Latinos, pois os últimos- não tendo nada com que nos acusar na nossa Doutrina- chamam-nos cismáticos porque nós nos afastámos da obediência a eles que, como eles pensam, devemos ter. Mas examinemos o assunto. Será justo para nós mostrar-lhes igualmente gentileza e não colocar neles qualquer culpa neles em questões de Fé?

Foram eles que abriram caminho para o Cisma ao abertamente fazer a adição [o Filioque] que, até então haviam falado em segredo, enquanto nós fomos os primeiros a separar-nos deles, ou ao invés, a separá-los e cortá-los do comum Corpo da Igreja. Porquê, poderei eu perguntar? Porque eles têm a Fé correta ou fizeram a adição [ao Credo] de forma Ortodoxa? Certamente quem fosse começar a falar assim estaria bem da cabeça? Mas, ao invés, porque eles têm uma absurda e ímpia opinião e sem qualquer razão de todo fizeram a adição. E então nós nos afastámos deles, como de hereges, e os evitámos.

O que mais é necessário?

Os Cânones piedosos dizem então: “É um herético e sujeito aos Cânones contra heréticos todo aquele que, mesmo que apenas ligeiramente, se afasta da Fé Ortodoxa.” Se, então, os Latinos, de todo, não se afastam da Fé correta, nós, evidentemente, cortámo-los injustamente. Mas se eles meticulosamente se afastaram [da Fé] – e isso em conexão com a Teologia do Espírito Santo, contra quem a Blasfémia é o maior de todos os perigos- então é claro que eles são heréticos, então nós os cortámos como heréticos.

Porque é que nós ungimos com Crisma aqueles que deles vêm até nós? Não é claro que é porque eles são heréticos? Pois o sétimo cânone do segundo Concílio Ecuménico afirma:

“No que toca a Heréticos que se entregam á Ortodoxia, e ao lote daqueles a serem salvos, nós os aceitamos de acordo com a sequência e costume daqueles que se juntam: Arianos, e Macedónios, e Sabatinos, e Novacianos, aqueles que se chamam a si mesmos Cathari (Puritanos) e Aristeri, e os Quartodecimanos, também conhecidos como Tetraditas, e Apolinarianos, nós aceitamos que eles ofereçamm libelli (abjurações por escrito), e anatematizem toda a heresia que não tenha as mesmas crenças que a Católica e Apostólica Igreja de Deus, e são selados primeiro com a Santa Crisma na testa e nos olhos, e nariz, e boca, e orelhas, e selando-os, dizemos: “O selo do dom do Espírito Santo.”

Vêm como nós numeramos aqueles que vêm dos Latinos? Se todos esses são heréticos, então é claro que estes são o mesmo.

E o que diz o Sapientíssimo Patriarca de Antioquia, Theodore Balsamon, sobre isto em resposta ao Santíssimo Patriarca de Alexandria, Marcos?: “Latinos aprisionados  e outros vindo para as nossas Igrejas Católicas pedem Comunhão dos Divinos Sacramentos. Nós queremos saber: é isto permitido?”

[Resposta] “Todo aquele que não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo espalha (São Mateus. 12:30; São Lucas 11:23). Porque há muitos anos atrás, a celebrada Igreja Romana estava separada de Comunhão com os outros quatro Santíssimos Patriarcados, tendo-se apostatado em costumes e Doutrinas estranhas á Igreja Católica e não Ortodoxa- foi por esta razão que o Papa não foi considerado digno de fazer parte na comemoração dos nomes dos Patriarcas de Leste nos Serviços Divinos. Como tal, nós não devemos santificar um da raça Latina através dos Divinos e mais puros Dons pelas mãos Sacerdotais, a menos que ele primeiro resolva afastar-se dos dogmas e costumes Latinos, e seja Catequisado e juntado aqueles da Ortodoxia.”

Ouves como eles afastaram-se não apenas em costumes, mas também em Dogmas estranhos aqueles da Ortodoxia- e o que é estranho ao Dogma Ortodoxo, é, claro, ensinamento herético- e que, de acordo com os Cânones, eles devem ser catequisados e unidos á Ortodoxia? E se é necessário catequisar, então claramente é necessário ungir com Crisma. Como é que, de repente, eles se apresentaram a nós como Ortodoxos, eles que durante tanto tempo, e de acordo com o julgamento de tais grandes Pais e Professores, têm sido considerados heréticos? Quem é que tão facilmente os fez Ortodoxos? É o ouro, se queres admitir a verdade, e a tua própria sede por ganho. Ou, para expressá-lo melhor: não os tornou Ortodoxos, mas tornou-te como eles e carregou-te até ao campo dos heréticos.

Mas se, ”eles dizem: nós tivéssemos planeado um meio-termo entre Dogmas, então graças a isto nós teríamos nos unido com eles e realizado o nosso acordo soberbamente, sem tendo, de todo, sido forçados a dizer algo exceto o que corresponde ao costume que foi transmitido.” Estes são precisamente os meios pelos quais muitos, desde há muito, têm sido iludidos e persuadidos a seguir aqueles que os levaram até ao íngreme precipício da impiedade, acreditando que existe algum tipo de meio-termo entre dois ensinamentos que pode reconciliar contradições óbvias- eles foram expostos ao perigo.

Se o Dogma Latino é verdade que o Espírito Santo procede também do Filho, então o nosso é falso que afirma que o Espírito Santo procede do Pai- e esta é precisamente a razão pela qual nós nos separámos deles. E se a nossa é verdade, então sem dúvida, a deles é falsa. Que tipo de meio-termo existe entre os dois juízos? Não pode haver nenhum, a menos que fosse algum tipo de juízo adequado a tanto um como o outro, tal como uma bota que dá para ambos os pés. E irá isto unir-nos?

Mas, alguém irá dizer, como deveremos considerar esses Greco-Latinos moderados que, mantendo um meio-termo, abertamente alguns dos dogmas e ritos Latinos- favorecem, mas não desejam aceitar outros- e inteiramente desaprovam outros? Deve-se fugir deles como se foge de uma serpente, como dos próprios Latinos, ou, poderá ser, daqueles que são ainda piores que eles- como de compradores e vendedores de Cristo. Pois eles, tal como diz o Apóstolo, “pensam que o lucro é piedade” (1 Tim. 6:5), de quem ele diz, “fujam destes” (1 Tim. 6:11), pois eles vão até eles não para apreender, mas por lucro. “Que comunhão tem a luz com a escuridão? Que comunhão tem Cristo com Belial? Ou que parte tem aquele que crê com um infiel?” (2 Cor. 6:14-15).

Observa como nós, juntamente com Damasceno e todos os Pais, não dizemos que o Espírito procede do Filho; enquanto eles, juntamente com os Latinos, dizem que o Espírito procede do Filho.

E nós, juntamente com o Divino Dionísio, dizemos que o Pai é a única fonte da Divindade Sobrenatural; enquanto eles, juntamente com os Latinos, dizem que o Filho é também a fonte do Espírito Santo, e desta forma claramente excluindo o Espírito da Divindade.

E nós, juntamente com Gregório o Teólogo, distinguimos o Pai do Filho na sua capacidade de ser causa; enquanto eles, juntamente com os Latinos, unem-nos em um na capacidade de serem causa.

E nós, juntamente com São Máximo e os Romanos daquela altura, bem como os Pais Ocidentais, “não fazem do Filho a causa do Espírito”; enquanto eles, no seu Decreto Conciliar, proclamam o Filho “em Grego, ‘Causa’, e em Latim, ‘Princípio’” do Espírito.

E  nós, juntamente com o Filósofo e Mártir Justino afirmamos, “Tal como o Filho vem do Pai, também o Espírito vem do Pai”; enquanto eles, juntamente com os Latinos, dizem que o Filho procede do Pai sem intermediário, e o Espírito do Pai por intermediário.

E nós, juntamente com Damasceno e todos os Pais, confessamos que não nos é conhecido em que consiste a diferença entre geração e processão, enquanto eles, juntamente com Tomás (de Aquino) e os Latinos, dizem que a diferença consiste nisto: que a geração não tem intermediário, e a processão tem intermediário.

E nós afirmamos, em acordo com os Pais, que a vontade e energia da incriada e Divina natureza são incriadas; enquanto eles, juntamente com os Latinos e Tomás, dizem que a vontade é idêntica á natureza, mas que a energia Divina é criada, seja ela chamada Divindade, ou luz Divina e imaterial, ou o Espírito Santo, ou algo mais desta natureza- e de certa forma, estas pobres criaturas adoram a “Divindade” criada e a “Divina luz” criada, e o “Espírito Santo” criado.

E nós dizemos que nem os Santos recebem o Reino e as Bênçãos indescritíveis já preparadas para eles, nem os pecadores são já enviados para o Inferno, mas ambos esperam seu destino que será recebido no século futuro após a Ressurreição e o Julgamento; enquanto eles, juntamente com os Latinos, desejam imediatamente após a morte receber de acordo com os seus méritos. E para aqueles numa condição intermediária, que faleceram em arrependimento, eles dão um fogo do Purgatório (que não é idêntico ao do Inferno) para que, como eles dizem, tendo, através dele, purificado as suas almas, eles juntamente com os justos gozarão do Reino; isto faz parte do Decreto Conciliar deles.

E nós, obedecendo aos Apóstolos que o proibiram, evitamos o pão ázimo Judeu; enquanto eles, no mesmo Ato de União, proclamam que o que é usado nos Serviços dos Latinos é o Corpo de Cristo.

E nós dizemos que a adição ao Credo surgiu não canonicamente e anti- canonicamente, e contrária aos Pais; enquanto eles afirmam que é Canónica e Abençoada- de tal forma não têm noção de como se conformar á Verdade e a eles próprios!

E para nós, o Papa é um dos Patriarcas, e só isso- se ele for Ortodoxo; enquanto eles, com grande importância, proclamam-no “Vicário de Cristo, Pai e Professor de todos os Cristãos.” Que eles sejam mais afortunados do que o Pai deles, que também são como ele. Pois ele não prospera muito, tendo um anti- Papa que é a causa de suficiente desagrado; e eles não estão felizes em imitá-lo.

E então, irmãos, fujam deles e de Comunhão com eles, pois eles são falsos Apóstolos, obreiros enganosos, transformando-se em Apóstolos de Cristo. E não é espanto, pois o próprio Satanás é transformado em um Anjo de luz. Como tal, não é grande coisa se os seus Ministérios são transformados em Ministérios de justiça, o fim dos quais será de acordo com as suas obras (2 Co. 11:13-15). E noutro lugar, o mesmo Apóstolo diz sobre eles: “Pois esses tais não servem a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao próprio ventre”; e por boas palavras e lisonjas, iludem os corações dos simples. No entanto, a fundação de Deus mantém-se firme, tendo este selo (Rom. 16:18, 2.Tm 2:19). E em outro lugar: “Cuidado com os cães, cuidado com os obreiros do maligno, cuidado com a circuncisão” (Filip. 3:2). E ainda, em outro lugar: “Mas ainda que nós mesmos, ou um anjo do céu vos pregue outro evangelho além do que vos tenho pregado, seja anátema” (Gal. 1:8). Vejam o que foi profeticamente predito, que “mesmo que um anjo do céu,” de modo que ninguém pudesse indicar como exemplo em justificação de si mesmo uma posição especialmente alta. E o amado Discípulo diz então: “Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem tampouco o saudeis; pois aquele que o saúda é participante nas suas obras malignas” (2 Jo 10-11).

Como tal, na medida em que isto é o que foi ordenado pelos Santos Apóstolos, permaneçam corretos, segurem-se firmemente ás Tradições que receberam, tanto escritas como de boca-a-boca, para que não sejam privados da vossa firmeza se forem levados pelas ilusões dos sem-lei.

Que Deus, que é todo-poderoso, os faça também conhecer a sua ilusão, e tendo-nos livrado deles como de joio maligno, que eles nos possa ajuntar no seu celeiro como puro e útil trigo, em Jesus Cristo Nosso Senhor, a quem pertence toda a glória, honra, e adoração, juntamente com o seu Pai sem princípio, e o Santíssimo Bom e Vivificante Espírito, agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Ámen.

Texto originalTradução em Português: Paulo Ferreira

Publicado emIgreja Ortodoxa, Teologia Ortodoxa

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