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Santa Maria, que alterou o seu nome para Marinos (12 de fevereiro)

A vida e conduta da abençoada Maria, que alterou o seu nome para Marinos, comemorada a 12 de fevereiro (no calendário Juliano)

 Havia um certo homem, chamado Eugénio, que vivia em piedade, pureza e no temor de Deus. Ele tinha uma esposa honorável e devota, com quem teve uma filha, a quem chamou Maria. Quando a sua esposa morreu, o pai criou a criança com muita educação e nas maneiras de uma vida espiritual.

Quando a menina cresceu, o seu pai disse-lhe: “Vê, minha filha, deposito tudo o que tenho nas tuas mãos, porque vou partir para salvar a minha alma”. Ouvindo estas coisas ditas pelo seu pai, a menina disse-lhe: “Pai, desejas salvar a tua própria alma e ver a minha destruída? Não sabes o que diz o Senhor? Que o bom pastor deu a sua vida pela sua ovelha?” E ela disse-lhe novamente: “Aquele que salva a alma é igual ao que a criou”.

Ouvindo estas coisas, o seu pai sentiu remorsos pelas suas palavras, pois ela estava a chorar e a lamentar-se. Então ele começou a conversar com ela e disse-lhe: “Filha, o que é que faço contigo? És uma mulher e eu desejo entrar num mosteiro. Como é que podes, então, permanecer comigo? Pois é através dos membros do teu sexo que o diabo guerreia os servos de Deus”. Ao que a sua filha respondeu: “Nem por isso, meu senhor, pois eu não entrarei no mosteiro como dizes, mas irei, primeiro, cortar o cabelo da minha cabeça e vestir-me como um homem e então entrarei no mosteiro contigo”.

Assim, após ter distribuído todas as suas posses por entre os pobres, o pai seguiu o conselho da sua filha e cortou o cabelo da sua cabeça, vestiu-a com as roupas de um homem e mudou o seu nome para Marinos. E deu-lhe uma ordem, dizendo: “Filha, toma cuidado com a tua conduta, pois estás prestes a entrar no meio do fogo, porque uma mulher, de modo algum, entra num mosteiro masculino. Preserva-te, portanto, sem culpa diante de Deus, para que possamos cumprir os nossos votos”. E, levando a sua filha, entrou no mosteiro cenobita.

Dia após dia, a criança avançava em todas as virtudes – em obediência, em humildade e em muito ascetismo. Após ter vivido assim por alguns anos no mosteiro, alguns dos monges consideraram-na um eunuco, porque ela não tinha barba e possuía uma voz delicada. Outros consideravam que este estado era, pelo contrário, resultado do seu grande ascetismo, pois ela comia apenas a cada dois dias.

Ocorre que o seu pai morreu, mas Maria, permanecendo no mosteiro, continuou a progredir no ascetismo e na obediência, tanto que ela recebeu de Deus o dom de curar aqueles que estavam atormentados por demónios. Pois se ela colocasse a sua mão sobre qualquer um dos doentes, este ficava imediatamente curado.

Viviam juntos quarenta homens dentro do mosteiro cenobita. Uma vez por mês, quatro dos irmãos eram enviados oficialmente para ministrar aos dependentes do mosteiro, porque eles eram responsáveis também por outros monges, os solitários, que viviam fora da comunidade. A meio do seu caminho havia uma estalagem, onde tanto os que iam como os que vinham estavam, por causa da grande distância, acostumados a parar e a descansar. Para além disso, o estalajadeiro tratava os monges com muitas cortesias, acomodando cada um deles com particular solicitude.

Um dia, o superior, convocando o ancião Marinos, disse-lhe: “Irmão, eu conheço a tua conduta – como em todas as coisas és perfeito e não vacilante na tua obediência. Está disposto, então, a ir em frente e atender às necessidades do mosteiro, pois os irmãos estão irritados por tu não ires realizar o serviço. Porque fazendo isto vais obter uma maior recompensa de Deus”. Aquando destas palavras, Marinos caiu aos seus pés e disse: “Pai, reza por mim e aonde quer que me direciones, aí eu irei”.

Assim é que, um dia, quando Marinos tinha ido servir com outros três irmãos e enquanto todos eles estavam alojados na estalagem, um certo soldado desflorou a filha do estalajadeiro, que consequentemente ficou grávida. O soldado disse-lhe: “Se o teu pai vier a saber disto, diz que foi o jovem monge que dormiu contigo”. O pai dela, ao aperceber-se da gravidez, questionou-a discretamente, dizendo: “Como é que isto te aconteceu?” E ela colocou a culpa em Marinos, dizendo: “O jovem monge do mosteiro, o atraente chamado Marinos, foi ele que me deixou grávida”.

Completamente indignado, o estalajadeiro foi até ao mosteiro, gritando acusações e dizendo: “Onde está aquele charlatão, aquele pseudocristão, a quem vocês chamam um cristão?” Quando um dos responsáveis foi ter com ele, disse: “Bem-vindo”. Mas o estalajadeiro respondeu: “Foi uma hora maldita aquela em que vos conheci”. Da mesma maneira, ele disse ao pai superior: “Que eu nunca mais veja outro monge” e outras coisas desse género. Quando foi questionado sobre o porquê de estar a dizer estas coisas, ele respondeu: “Eu tinha uma única filha, que eu esperava que me suportasse na minha velhice, mas vê o que o Marinos lhe fez, ele a quem chamam um cristão – ele desflorou-a e ela está grávida”. O superior disse-lhe: “O que posso fazer por ti, irmão, visto que o Marinos não está cá de momento? Quando ele voltar das suas tarefas, contudo, não terei outra opção senão expulsá-lo do mosteiro”.

Quando Marinos regressou com os outros três monges, o superior disse-lhe: “É esta a tua conduta e é este o teu ascetismo, que enquanto estavas alojado na estalagem desfloraste a filha do estalajadeiro? E agora o seu pai, vindo cá, fez de nós um espetáculo para os leigos”. Ouvindo estas coisas, Marinos caiu com o rosto por terra, dizendo: “Perdoa-me, pai, pois pequei como um homem.” Mas o superior, tomado pela fúria, expulsou-o, dizendo: “Nunca mais voltarás a entrar neste mosteiro”.

Deixando o mosteiro, Marinos sentou-se imediatamente do lado de fora do portão e aí suportou o frio congelante e o calor abrasador. Depois disso, os que entravam no mosteiro costumavam perguntar-lhe: “Porque é que estás sentado do lado de fora?” Ao que ele respondia: “Porque forniquei e fui expulso do mosteiro”.

Quando chegou o dia da filha do estalajadeiro dar à luz, ela teve um rapaz e o pai da rapariga pegou na criança e levou-a para o mosteiro. Encontrando Marinos sentado do lado de fora do portão, ele atirou a criança aos seus pés e disse: “Aqui está a criança que tu perversamente geraste. Fica com ela”. E o estalajadeiro partiu imediatamente.

Marinos, levantando a criança, encheu-se de angústia e disse: “Sim, eu recebi a justa recompensa pelos meus pecados, mas porque é que este miserável bebé tem que perecer aqui comigo?” Consequentemente, ele comprometeu-se a obter leite de alguns pastores e assim cuidou da criança como um pai. Mas não era só a angústia que o avassalava, pois a criança, chorando e gemendo, sujava continuamente as vestimentas de Marinos.

Passados três anos, os monges suplicaram ao superior, dizendo: “Pai, perdoa este irmão; o seu castigo foi suficiente, pois ele confessou a sua falta a todos”. Mas quando eles viram que o superior permanecia impassível, os irmãos disseram: “Se não o receber de volta, então também nós deixaremos o mosteiro. Pois como é que podemos pedir a Deus para perdoar os nossos pecados se hoje se completa o terceiro ano em que ele tem estado sentado a céu aberto para lá do portão e nós não o perdoamos?”

O superior, considerando estas coisas, disse- lhes: “Por causa do vosso amor, aceito-o”. E convocando Marinos disse-lhe: “Por causa do pecado que cometeste não és digno de reassumir a tua antiga posição aqui. Mesmo assim, tendo em conta o amor dos irmãos, aceito-te de volta às nossas ordens, mas apenas como o último e menor de todos”. Perante isto, Marinos começou a chorar e disse: “Até isto é uma grande coisa para mim, meu senhor, pois considerastes-me digno de vir para o lado de dentro do portão, para que me possa ser dada, portanto, a honra de servir os Santos Padres.

Consequentemente, o superior atribuiu-lhe as tarefas mais humildes e ele realizava-as a todas escrupulosamente e com grande devoção. Mas a criança estava sempre a segui-lo, chorando e dizendo: “Dada, dada” e outras coisas que as crianças dizem quando querem comer. Portanto, para além das provações e tentações usuais que assediam um monge, Marinos estava continuamente ansioso pela procura e fornecimento de sustento para a criança. Quando o rapaz cresceu, permaneceu no mosteiro e tendo sido criado na prática das virtudes foi considerado digno do hábito monástico.

Um dia, depois de passado um tempo considerável, o superior inquiriu aos irmãos: “Onde está Marinos? Hoje é o terceiro dia em que não o vejo a cantar no coro. Ele era sempre o primeiro a ser lá encontrado, de pé, antes do início dos serviços. Vão à sua cela e vejam se ele está deitado doente”. Indo à sua cela, encontraram-no morto e informaram o superior, dizendo: “O irmão Marinos morreu”. Mas o superior disse: “Em que estado é que a sua miserável alma partiu? Que defesa pode ele fazer para o pecado que cometeu?” Tendo assim falado, o superior ordenou, então, que Marinos fosse sepultado. Mas, enquanto estavam a prepará-lo para o lavar, descobriram que se tratava de uma mulher e gritando começaram todos a chorar numa só voz, dizendo: “Senhor, tem misericórdia”.

O superior, ouvindo o seu choro, perguntou-lhes: “O que é que vos perturba assim?” E eles disseram: “O irmão Marinos é uma mulher”. Aproximando-se e vendo por si próprio, o superior prostrou-se aos seus pés e com muitas lagrimas gritou: “Perdoa-me, pois pequei contra ti. Eu ficarei aqui, prostrado como morto aos teus Santos pés, até ao momento em que ouvir o perdão por todos os males que te fiz”. E enquanto ele pronunciava muitas lamentações desse género, assim como coisas mais extraordinárias, eis que uma voz lhe disse: “Se tivesses agido com conhecimento, este pecado não te seria perdoado. Mas, como agiste sem conhecimento, o teu pecado está perdoado”.

O superior enviou, então, uma mensagem ao estalajadeiro para que fosse vê-lo. Quando ele chegou, o superior disse-lhe: “Marinos está morto”. O estalajadeiro respondeu: “Que Deus o perdoe, porque ele tornou a minha casa numa desolação”. Mas o superior disse-lhe: “Deves arrepender-te, irmão, pois pecaste contra Deus. Também me incitaste através das tuas palavras, pois por tua causa também pequei, porque Marinos é uma mulher”. Ouvindo isto, o estalajadeiro ficou atónito e admirou-se muito com estas palavras. E o superior levou o estalajadeiro e mostrou-lhe que Marinos era uma mulher. Perante isto, o estalajadeiro começou a lamentar-se e maravilhar-se com o que tinha acontecido.

Enterraram os seus restos santos e colocaram-nos em abençoados caixões, tudo enquanto glorificavam a Deus com salmos e hinos. Quando completaram estas coisas, a filha do estalajadeiro apareceu, possuída por um demónio e confessando a verdade – que tinha sido seduzida pelo soldado. E foi imediatamente curada no túmulo da abençoada Maria e todos glorificaram a Deus por este sinal e por causa da paciência persistente da santa, pois ela suportou vigorosamente as suas provações até à morte, recusando dar-se a conhecer. Vamos, então, emular zelosamente a abençoada Maria e a sua paciência persistente, para que, no dia do julgamento, possamos encontrar a misericórdia do Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem pertencem a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Ámen.

 

 

Traduzido de: Talbot, Alice-Mary, 2016, (páginas 7-12):
“Holy Women of Byzantium – Ten Saints’ Lives in English Translation” /
Dumbarton Oaks, Universidade de Harvard, EUA.

Em português: Victoria Mota.

 

Publicado emHistória Eclesiástica

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