A posição da Igreja no que se refere a este particular problema
A Igreja de Cristo detém uma forma inalterada de Tradição Ortodoxa, uma força real única, da qual retira a sua vida e experiência, assim como uma primavera infindável de ascetismo e a voz do tesouro da sua tradição monástica, sempre profundo e vital.
A tradição monástica pode fornecer critérios adequados de comportamento aos membros da Igreja no que diz respeito à tecnologia. A Igreja e o monasticismo não se posicionam de forma hostil em relação ao progresso tecnológico. Pelo contrário, ao longo dos séculos, os monges comprovaram ser poderosos agentes de invenções científicas e técnicas.
No Ocidente Medieval, os monges restauraram a civilização, que tinha sido destruída pelas invasões bárbaras. Os mosteiros tornaram-se pontos focais para as ciências naturais, onde se desenvolveram a matemática, a zoologia, a química e a medicina, entre outros. As demais importantes invenções dos mosteiros formaram as bases da indústria. Da mesma forma, através das suas recuperações de extensas porções de terra, os monges criaram a oportunidade para o desenvolvimento agrícola.
Para que não houvesse a necessidade de os monges faltarem aos serviços, o nosso próprio Santo Atanásio, o Atonita, construiu (na Montanha Sagrada) um aparelho mecânico de amassar, o qual era conduzido por bois. Este instrumento, lê-se na Vida do santo, “foi o melhor, tanto em termos atrativos quanto na arte da manufatura”. De facto, o mesmo ocorreu em todas as terras onde os mosteiros ortodoxos foram estabelecidos.
O mosteiro ortodoxo sempre viveu como uma realidade escatológica e uma amostra do Reino dos Céus e, portanto, era também um modelo para uma sociedade organizada segundo um caminho de vida fiel ao Evangelho, que abraça a dignidade humana, a liberdade e o serviço para com o próximo.
Dito isso, os santos Padres submeteram a tecnologia nos mosteiros a dois critérios, como caracteristicamente referido por São Basílio Magno, sendo que um se refere ao emprego e o outro à escolha das aplicações tecnológicas.
Limitações
Com tal critério em mente, as aplicações técnicas eram escolhidas com o fim de preservar “a paz e a tranquilidade” da vida monástica, para que, tanto o cuidado indevido quanto o esforço torturante, fossem evitados. Tomemos como nosso objetivo “a moderação e a simplicidade”. Para São Basílio Magno, a tecnologia é, “ela própria, necessária para a vida e providencia muitas facilidades”, preservando a unidade e a vida em irmandade, sem distração e devotada ao Senhor.
Em termos gerais, a nossa palavra de ordem deveria ser: “Que um objetivo em comum vá ao encontro de uma necessidade”. E São Pedro Damasceno acrescenta: “Pois tudo o que não serve a uma urgente necessidade, torna-se um obstáculo àqueles que seriam salvos; isto é, tudo o que não contribui para a salvação da alma ou para a vida do corpo”.
Tais princípios não valem certamente apenas para os mosteiros. Eles poderiam ser guias de conduta para o controlo sobre a tecnologia, a não ser que queiramos ser exterminados.
Vigilância Espiritual
O inimigo mais temível criado pela cultura pós-industrial – a cultura da informação e da imagem tecnológica – é uma astuta distração. Inundadas por milhões de imagens e uma hoste de diferentes situações televisivas – e notícias em geral – as pessoas perderam a sua paz de espírito, o seu autocontrolo, os seus poderes de contemplação e reflexão e viraram-se para o exterior, tornando-se estranhos a si próprios num mundo negligente, impermeáveis aos ditames da sua inteligência. Se as pessoas, especialmente as crianças, virem televisão durante 35 horas por semana, como o fazem de acordo com as estatísticas, então não estarão as suas mentes e corações ameaçados por Cila e Caríbdis, não estarão eles entre o diabo e as profundezas do mar azul?
A maioria dos fiéis da Igreja confessa que não consegue rezar, concentrar-se e afastar-se dos cuidados do mundo e das tempestades do espírito e da alma, os quais prejudicam a sobriedade e a harmonia interior, o desfrutar do trabalho, uma família tranquila e a construção da vida social. O mundo da imagem industrial degenera em verdadeira idolatria.
Os ensinamentos dos santos Padres em relação à vigilância espiritual fortalecem as pessoas, a fim de que estas possam afastar-se dos efeitos desastrosos da sociedade tecnológica. Pois, de acordo com o Apóstolo Paulo, “as armas do nosso combate (…) têm o poder divino para destruir fortalezas”. A vigilância espiritual é a proteção para todos “terem, dentro de si, tudo o que é bom nesta era e na próxima” e “a estrada que leva ao Reino, aquele que está dentro de nós e o do futuro”.
A vigilância espiritual não é apenas uma prerrogativa para aqueles que se envolvem ativamente na contemplação. É para todos aqueles que estão conscientemente “a lidar com este mundo como se nada tivessem a ver com ele”.
Na era industrial, as pessoas tornaram-se consumistas e escravos da produtividade. Na sociedade pós-industrial, tornaram-se também consumidores e escravos das imagens e informações, que enchem as suas vidas.
A moderação e a vigilância espiritual são, para todos os que vêm ao mundo, uma arma tornada pronta pela experiência da vida monástica e da Tradição Ortodoxa em geral, para abolir a servidão da humanidade e preservar a nossa saúde e soberania como filhos de Deus.
Texto extraído de: Arquimandrita Aimilianos, “Spiritual Instruction and Discourses – The Autentic Seal”,
(Volume 1, pp. 349-352). Publicadora Ormylia, Grécia, 1999.
Tradução em português: Victoria Mota