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Etiqueta: Filocalía

A Preparação da humanidade e as profecias do Antigo Testamento para a vinda do Messias


A Encarnação do Filho de Deus é o centro da economia divina (oikonomía)  e o ponto culminante de toda a história humana. A Revelação progride através de etapas: a promessa primordial, a formação de Israel, a ação dos Profetas, a preparação das nações e, finalmente, a vida espiritual da Igreja, que continua esse dinamismo de espera. A espiritualidade filocálica, profundamente enraizada na tradição monástica, acrescenta uma dimensão interior essencial: a preparação do coração humano como morada do Messias.

  1. A condição caída e o início da esperança messiânica

Com a queda de Adão e Eva, a humanidade entrou num estado de fragmentação espiritual. No entanto, a promessa do Génesis (3,15) revela que a história não termina na tragédia. São Justino escreve: «Aquele que nasceria da Virgem era o que esmagaria a serpente» (Diálogo com Trifão, 100). Assim nasce a primeira expectativa messiânica.

  1. A pedagogia divina: Lei, Profetas e história de Israel

Deus educa o Seu povo por meio da Lei, que ilumina a consciência, e dos Profetas, que anunciam o futuro cumprimento. São Irineu afirma: «Toda a Escritura anuncia antecipadamente a vinda do Cristo» (Adv. Haer. IV,26,1). O povo de Israel aprende a esperar, a vigiar e a desejar a salvação.

  1. As profecias messiânicas

Abraão recebe a promessa de que através da sua descendência todas as nações serão abençoadas (Gn 12,3). Isaías profetiza o nascimento virginal (Is 7,14) e descreve o Servo Sofredor (Is 53), reconhecido pela tradição patrística como uma prefiguração clara do Cristo. Miqueias e Ezequiel anunciam o Messias-Rei e Pastor.

  1. A preparação cultural da humanidade

A filosofia grega procura o Logos e o Império Romano cria uma estrutura para a difusão universal da fé. São Justino observa: «Tudo o que de belo disseram os filósofos pertence a nós» (2 Apol. 13). O mundo torna-se terreno fértil para o Evangelho.

  1. A plenitude dos tempos e a Encarnação

São Atanásio Magno escreve: «O Verbo tomou um corpo para restaurar o homem à incorruptibilidade» (De Incarn. 8). A promessa torna-se realidade; o Messias prometido entra na história.

  1. A dimensão litúrgica da expectativa messiânica

Os hinos da Natividade preservam a consciência profética: «Belém, dispõe-te, pois se abriu para todos o Éden…», «Preparemo-nos para ver o Mistério que excede toda a mente…», «A Redenção do mundo aproxima-se: alegra-te, ó criação!» Estes cânticos manifestam que a Igreja vive o mesmo dinamismo de espera que os profetas experimentaram.

      7. A dimensão ascética: o jejum como preparação para o Cristo

A prática do jejum, especialmente no Advento (Jejum da Natividade), visa despertar no cristão o mesmo desejo ardente que animava os Profetas. O jejum purifica os sentidos, ilumina o coração e torna a alma vigilante diante da vinda do Senhor.

  1. Contribuição filocálica: a preparação do coração como novo Belém

A literatura filocálica oferece uma chave espiritual indispensável para compreender a preparação da humanidade para Cristo. São Macário do Egito afirma: «O coração é pequeno, mas nele há leões, bestas e também há Deus e os anjos; é ali que Cristo deseja habitar.» (Homilia 43)

A preparação externa de Israel corresponde à preparação interior da alma que se purifica para acolher o Verbo. Os Padres nepticos ensinam que a vigilância (νηψις) é condição para reconhecer a vinda de Deus. Tal como Israel foi chamado a vigiar e esperar, assim também o cristão deve vigiar para que o Cristo nasça misticamente nele. São Hesíquio de Jerusalém afirma: «A vigilância é o caminho puro que conduz à contemplação de Deus.» (Filoc. I)

Segundo São João Clímaco (Escala 26): «Purificar-se das paixões é tornar a alma semelhante a uma terra preparada, pronta para receber a semente divina». As profecias apontavam para a vinda d’Aquele que renovaria a humanidade; a Filocalia ensina como essa renovação se realiza no interior de cada fiel.

A oração contínua – a invocação do Nome de Jesus – é vista pelos Padres como a presença antecipada do Cristo no coração. Assim como os antigos esperavam o Messias exteriormente, o monge e o fiel esperam interiormente que a luz de Cristo brilhe no coração.

  1. A preparação para a vinda do Messias é universal e multiforme:

– histórica: a formação de Israel, a Lei, os Profetas;
– cultural: o Logos buscado pelos filósofos;
– litúrgica: os hinos e a oração da Igreja;
– ascética: o jejum;
– filocálica: a purificação e a vigilância do coração.

A verdadeira Belém não é apenas um lugar geográfico, mas o coração humano preparado pela graça. Cristo continua a nascer na alma que O espera e se oferece a Ele com pureza e vigilância.

      Conclusão
Toda a economia da salvação revela a pedagogia divina: Deus prepara o mundo exteriormente e prepara o homem interiormente. Na tradição filocálica, esta preparação culmina na transformação do coração humano em templo vivo do Emanuel — Deus connosco, que continua a guiar, iluminar e salvar a humanidade.

Kallistos Ware – Orar com o corpo: o método hesicasta e os paralelos não-cristãos 

Lembra-te de Deus com mais frequência do que respiras.

(São Gregório de Nazianzo)

UM FANTASMA NUMA MÁQUINA?

“Glorifica a Deus no teu corpo”, disse São Paulo (1 Co 6:19). Mas como, na prática, isso pode ser feito? Como podemos tornar a nossa parte física um participante ativo no trabalho de oração? Isso é algo que, como cristãos, precisamos pensar, especialmente nos tempos que correm, pois estamos a viver numa época em que, tanto na filosofia como na física e na psicologia, mostra-se cada vez menos útil defender uma dicotomia entre o espírito e a matéria, entre a alma e o corpo. A declaração de Carl Gustav Jung é típica: “O espírito é o corpo vivo visto de dentro e o corpo é a manifestação exterior do espírito vivo – os dois são, realmente, um.” [1] Se os escritores da espiritualidade cristã continuarem a assumir um forte contraste entre o corpo e a alma – como frequentemente o fizeram no passado – as suas palavras parecerão, cada vez mais, irrelevantes para os seus contemporâneos seculares.

Na realidade, uma divisão entre o corpo e a alma – do tipo platónico – não tem lugar na tradição cristã. A Bíblia vê a pessoa humana em termos holísticos e, apesar da pesada influência do platonismo, esse ponto de vista unitário tem sido, repetidamente, reafirmado no cristianismo grego. “A alma em si é a pessoa?”, foi uma pergunta encontrada num texto atribuído a Justino Mártir (165 d.C). “Não, é simplesmente a alma da pessoa. Chamamos de corpo a pessoa? Não, chamamos o corpo da pessoa. Então, a pessoa não é nenhuma dessas coisas por si só, mas sim o todo único formado a partir de ambas. ”[2] O teólogo grego contemporâneo Christos Yannaras insiste, em termos semelhantes, que o corpo deve ser considerado não como uma “parte” ou “componente” da pessoa, mas como o “modo de existência” total da pessoa, como a manifestação, para o mundo exterior, das energias da nossa natureza humana na sua integralidade. [3] Não sou um “fantasma numa máquina”, mas uma unidade indivisa. O meu corpo não é algo que tenho, mas algo que sou.

Não é suficiente, no entanto, afirmar essa antropologia holística na teoria. Precisamos dar uma expressão concreta e prática à nossa teologia dos Sacramentos, especialmente o da Eucaristia e o do Matrimónio e, igualmente, à nossa teologia da oração. Muitas vezes, porém, no ensino cristão, isso não foi feito. Numa definição famosa, Evágrio Pôntico (345-399) descreveu a oração como “a comunhão do intelecto [nous] com Deus”; é “a mais alta inteleção do intelecto (…) a atividade que melhor corresponde à dignidade do intelecto (…). Aproxima-se do imaterial dum modo não-material. ”[4] Fica, então, a pergunta: que lugar tem o corpo no empreendimento da oração? De facto, Evágrio foi menos anti-físico do que essas palavras sugerem, uma vez que atribuiu, na oração, uma importante função às experiências corporais, como o dom das lágrimas. [5] Mas a definição que fez da oração nos transmite, certamente, a infeliz impressão de marginalizar o corpo.