O sentido do sacerdócio cristão
Na Igreja Ortodoxa, o sacerdócio (ιερωσύνη) não é uma profissão ou função humana, mas um dom e ministério confiado por Cristo à Sua Igreja. É participação real no sacerdócio único de Cristo, o “Sumo Sacerdote dos bens futuros” (cf. Hb 9:11), e serviço ao povo de Deus “para edificação do Corpo de Cristo” (Ef 4:12).
O Apóstolo Paulo recorda a Timóteo e a Tito que aqueles que aspiram ao episcopado ou ao presbiterado devem ser “irrepreensíveis” (1Tm 3:2), “marido de uma só mulher” (1Tm 3:2; Tit 1:6), “sóbrios, prudentes, hospitaleiros, capazes de ensinar” (1Tm 3:2), “não dados ao vinho, não violentos, não avarentos” (1Tm 3:3), e que devem governar bem a sua casa (1Tm 3:4-5). A escolha dos ministros da Igreja sempre implicou discernimento espiritual e moral, como vemos nas ordenações descritas em Atos 6:3 (“Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria…”) e Atos 14:23 (“Constituíam presbíteros em cada Igreja, depois de orar com jejuns”).
- Condições positivas para a ordenação
Reunindo os principais textos canónicos, a Igreja Ortodoxa exige que o candidato:
- Professe e viva na fé ortodoxa de modo íntegro e público (Cân. Apost. 76; I Conc. Ecum. 19).
- Tenha uma vida moral limpa, sem pecados que impeçam canonicamente a ordenação (Cân. Apost. 61; S. Basílio Magno, cân. 27).
- Possua boa reputação perante a comunidade (Cân. Apost. 77).
- Tenha a idade mínima canónica – tradicionalmente, 25 anos para diácono e 30 anos para presbítero (Conc. de Cartago 24, 25).
- Seja instruído na Sagrada Escritura e na teologia – hoje, isto corresponde normalmente à conclusão de estudos teológicos reconhecidos (Cân. Apost. 76).
- Seja chamado pela Igreja através do bispo – não por iniciativa própria (Cân. Apost. 80; Calcedónia 6).
- Esteja ligado a uma comunidade concreta – evitando a figura do “clero sem destino” (Calcedónia 6).
- Impedimentos absolutos à ordenação
– Queda em heresia ou cisma sem arrependimento completo (Cân. Apost. 68).
– Pecados graves cometidos após o Batismo (homicídio, adultério, fornicação, etc.) (Cân. Apost. 61; I Conc. Ecum. 10).
– Casamentos múltiplos ou segundos casamentos após a ordenação (Conc. de Cartago 17, 18).
– Ordenação anterior em grupo não canónico sem conversão plena (Cân. Apost. 68).
– Má reputação pública e falta de testemunho moral (Cân. Apost. 77).
- Impedimentos relativos ou temporários
– Pecados morais cometidos antes da conversão e Batismo – exigem verificação e maturidade (S. Basílio Magno, cân. 32).
– Deficiências físicas – não impedem a ordenação, a não ser que dificultem a celebração (Conc. de Cartago 80).
– Falta de experiência pastoral – pode levar o bispo a adiar a ordenação.
- Principais referências canónicas
Cânones Apostólicos:
– Cân. 76 – Proíbe ordenar quem não seja instruído na fé.
– Cân. 77 – Requer boa reputação para o ordenando.
– Cân. 80 – Obriga à verificação da vida e fé antes da ordenação.
– Cân. 61 – Interdita a ordenação de pecadores públicos não arrependidos.
I Concílio Ecuménico (Niceia, 325):
– Cân. 9 – Nulidade de ordenações obtidas de forma ilícita.
– Cân. 10 – Pecados graves após o Batismo impedem o acesso ao clero.
– Cân. 2 – Respeito pelas etapas e tempo de prova.
IV Concílio Ecuménico (Calcedónia, 451):
– Cân. 6 – Proíbe ordenar sem ligação concreta a uma diocese ou comunidade.
Concílios Locais:
– Concílio de Cartago (cân. 24, 25) – Idade mínima para cada ordem.
– Concílio de Cartago (cân. 17, 18) – Interdição de ordenar bigamos.
– Concílio de Ancira (cân. 10) – Pecadores arrependidos podem ser admitidos com restrições.
Cânones de S. Basílio Magno:
– Cân. 27 – Lista de pecados que excluem da ordenação.
– Cân. 32 – Possibilidade de readmissão para alguns, com limites claros.
- Suspensão, deposição e eventual restauração
A vida clerical implica não apenas critérios de entrada, mas também de manutenção no ministério.
Os cânones estabelecem três níveis principais de disciplina:
- Suspensão (ακοινωνησία / suspensio) – afastamento temporário do exercício litúrgico por desobediência, negligência ou faltas disciplinares. O clérigo mantém o grau, mas não exerce.
- Deposição ou redução ao estado laical (καθαίρεσις / depositio) – retirada definitiva da função e dos direitos clericais, geralmente por heresia, cisma ou pecado grave não arrependido.
- Restauração – em casos raros e previstos canonicamente, um clérigo deposto pode ser reabilitado se houver arrependimento público e decisão sinodal. Na prática ortodoxa, esta readmissão é excecional e depende do bispo e do consenso da Igreja local.
O objetivo destas medidas não é punitivo, mas terapêutico: preservar a santidade do altar e chamar o ministro ao arrependimento, seguindo o espírito de 1Cor 9:27 (“escravizo o meu corpo… para que, depois de ter pregado aos outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado”) e 1Tm 5:22 (“não imponhas precipitadamente as mãos sobre ninguém, e não participes dos pecados alheios”).
Bispo Pedro Pruteanu