Na sequência de algumas dúvidas e interpretações incorretas que surgiram no espaço público português relativamente à Igreja Ortodoxa de Cascais, cumpre-me, na qualidade de pároco desta comunidade e único bispo ortodoxo canónico residente em Portugal, esclarecer o seguinte:
1. Nenhuma paróquia ou comunidade ortodoxa existente em Portugal – mesmo as que pertencem canonicamente ao Patriarcado de Moscovo – realiza ou apoia qualquer tipo de atividade política, nem apoia a guerra na Ucrânia.
O clero ortodoxo em Portugal não recebe salários, subsídios nem apoios financeiros da Rússia, nem envia dinheiro para lá. Todas as nossas comunidades vivem do princípio da autofinanciação e enfrentam sérias dificuldades económicas.
Por essa razão, a Igreja Ortodoxa Russa em Portugal não possui qualquer templo próprio construído, enquanto outras jurisdições ortodoxas, como a romena, embora com menos fiéis, já possuem mosteiros e propriedades adquiridas. Se algum financiamento tivesse vindo da Rússia, certamente a nossa realidade seria diferente — mas não é o caso.
Se for encontrada alguma irregularidade ou lavagem de dinheiro, seremos os primeiros interessados em agir com transparência. Até à data, não existe qualquer indício nesse sentido, pelo que consideramos injustas e discriminatórias as especulações sem fundamento que circulam no espaço mediático. Portanto, condenamos firmemente toda a forma de calúnia e de generalização abusiva.
No final de contas, como podemos observar, estas acusações não são dirigidas contra “russos imaginários” que representariam um perigo para a segurança portuguesa, mas sim contra cidadãos portugueses de confissão ortodoxa — que constituem a segunda comunidade religiosa do país, a seguir à católica romana. Trata-se também de um ataque à própria cultura e à democracia portuguesas, que devem ser defendidas pela lei e não através de incitações infundadas ao ódio e à desconfiança. Quem reparará agora a ofensa e a humilhação sofridas por tantos portugueses ortodoxos que frequentam a capela de Cascais e que eles próprios contribuíram com donativos para construir um templo ortodoxo próprio?
2. A comunidade ortodoxa de Cascais, única do género na região, reúne fiéis de várias nacionalidades. A maioria (cerca de 70–75%) é constituída por cidadãos da Moldávia, seguindo-se ucranianos e lusófonos (portugueses, brasileiros, angolanos, entre outros).
Os fiéis de origem russa são poucos e, na prática, frequentam a igreja muito pouco, também porque as celebrações são realizadas principalmente em romeno e português. Por isso, as afirmações de que a Igreja de Cascais seria um “bastião do mundo russo” são totalmente falsas.
Convido publicamente todos os que duvidam a participar numa das nossas liturgias e a dialogar com os próprios ucranianos da comunidade — eles poderão testemunhar a verdade.
Centenas de refugiados que passaram pela nossa paróquia receberam apoio material e espiritual, e podem confirmar que nunca se fez qualquer propaganda política, nem se manifestou hostilidade contra ninguém.
Desde o início da guerra, organizámos recolhas de ajuda humanitária para a Ucrânia, facto conhecido pela Câmara Municipal de Cascais, que acompanhou essas ações.
É verdade que recusámos enviar dinheiro diretamente para as forças armadas ucranianas — assim como não o fizemos para as russas — por entendermos que esse é o papel dos governos, e não das igrejas. Apesar de algumas críticas isoladas, mantivemos uma posição de neutralidade e de solidariedade cristã com todas as vítimas, sejam ucranianas, russas, sírias ou palestinianas.
3. A maioria dos nossos sacerdotes e fiéis são cidadãos portugueses há já vários anos; trabalham honestamente e pagam os seus impostos como todos os outros residentes — e, às vezes, até mais do que outros.
Eu próprio, único bispo ortodoxo residente em Portugal, sou natural da República da Moldávia e também cidadão romeno. Mantenho excelentes relações com a Igreja Católica em Portugal, tendo-me reunido com o antigo e o atual Patriarca de Lisboa, bem como com o Papa Francisco, em audiência no verão de 2023, e por duas vezes com o Presidente da República Portuguesa.
Toda a minha atividade é totalmente pública e apolítica. Sou teólogo e investigador associado da Universidade Católica Portuguesa, onde realizei estudos de pós-doutoramento. Trabalhamos em prol do diálogo, da cultura e da fé, e não nos deixamos instrumentalizar por discursos ideológicos.
Lamento que o senhor José Milhazes, que há dois anos me elogiava publicamente pela minha postura equilibrada e honesta, tenha agora optado por declarações infundadas e parciais, que podem ser suspeitas de subjetividade no contexto das próximas eleições locais.
Respeitamos todas as opiniões, mas pedimos responsabilidade, rigor e sentido ético quando se fala de temas religiosos e comunitários.
4. Apelo à sociedade portuguesa e aos cidadãos ucranianos residentes em Portugal para que mantenham uma visão equilibrada e serena, sem se deixarem manipular por agendas políticas ou preconceitos religiosos.
Portugal é um Estado democrático, membro da União Europeia e da NATO, e não tem nada a temer da presença pacífica das comunidades ortodoxas, cuja única missão é espiritual e pastoral.
Agradeço a todos os que não se deixaram influenciar por discursos extremistas e que compreendem que a verdadeira liberdade consiste no respeito mútuo e na verdade.
Como Igreja, procuramos contribuir para o bem comum com humildade e fé — oferecendo pão, não espetáculo.
Que Deus abençoe Portugal e conceda paz à Ucrânia, à Terra Santa e a todo o mundo!
Cascais, 6 de outubro de 2025
† Dom Pedro Pruteanu
Bispo Ortodoxo em Portugal e
Pároco da Comunidade Ortodoxa de Cascais